Punhal

Era 1965. Heraldo e Laura foram residir num bairro antigo da cidade. Daqueles, de velhos casarões, edificados nos fins dos anos 1800, começo dos anos 1900.

Um prédio de 2 pavimentos. No primeiro Heraldo instalou uma lojinha de material elétrico. Morava no de cima. Havia uma porta lateral, uma escada de madeira.

Uns 20 dias, por aí, ele percebeu. Um casarão, em frente, estava sempre fechado. Comentou com a esposa: ---- Esta casa, creio que nela não mora ninguém. Só vive fechada...

Laura: ---- Não, pelo jeito não tem ninguém aí – ela respondeu.

Numa sexta-feira o casal foi a um baile, num clube tradicional. Regressaram já perto das duas da madrugada, de taxi.

Entraram. Heraldo fechou a porta, pôs a tranca. Subiram a velha escada de madeira.

----- Vou me deitar, estou cansada – disse Laura.

----- Bem, vou ficar um pouco aqui, na sala, fumar um cigarro – o marido respondeu.

Acendeu a lâmpada da cozinha, apagou a da sala. Abriu um lado da janela e viu que o casarão em frente estava com lâmpada acesa, da sala.

Aquilo o preocupou, ficou assustado. Em seguida a luz se apagou. Heraldo então viu um homem sair da casa, do casarão.

Ficou na calçada. Olhava de um lado pro outro. Atravessou a rua, em direção à casa dele, Heraldo.

Este assustou-se ainda mais. O desconhecido veio, ficou próximo à janela. Heraldo então ouviu uma voz.

----- Amigo, você pode me emprestar uma faca, preciso descascar umas laranjas...

Heraldo não viu o rosto do homem. Estava no segundo andar. E ficou em silêncio, nada respondeu, estava com medo logicamente.

O desconhecido insistiu.

----- Um momento, vou pegar a faca.

A trouxe, jogou-a pela janela.

----- Amigo, obrigado, a devolvo já, sem demora – disse o estranho homem, o desconhecido,

----- Olhe, deixe-a no batente da porta, por favor.

Ele: ---- Sim, a porei no batente. E foi embora, atravessando a rua.

Heraldo fechou a banda da janela. Olhou por uma fresta, viu o homem entrando no casarão. Adentrou sem abrir o portão, sem abrir a porta. Como um ser humano imaterial, sem carne, sem osso.

Acendeu mais um cigarro, sentou-se. A madrugada corria, o tempo se diluía. Ele ali, pensando.

Novamente foi olhar pela fresta. A lâmpada fora acessa, a da antiga casa.

O homem saiu, viria devolver a faca. Atravessou a rua, madrugada deserta.

---- Trouxe-lhe a faca, amigo, a colocarei no batente. Obrigado.

Voltou.

Heraldo nada respondeu. Deu um tempo, uns 5 minutos. Resolveu descer, pegara a faca.

Desceu pela antiga escada. Retirou a tranca, abriu a porta. O local estava iluminado.

Viu um punhal – e uma corda. O medo. E percebeu, o estranho homem estava atravessando a rua, vinha na direção dele, Heraldo.

Não deu tempo de pegar o punhal, nem a corda. Rapidamente fechou a porta, pôs a tranca. Subiu alguns degraus da escada.

Então o desconhecido passou a forçar a porta, queria arrombá-la, invadir a casa. Não conseguiu.

---- Amigo, abra a porta, preciso falar com você...

Claro, Heraldo não a abriu. Claro que não. Estava paralisado de medo.

O estranho foi embora. Entrou no casarão, apagou a luz. Heraldo se recuperou do pavor daquela macabra madrugada.

Foi deitar-se.

Bem, comentários dizem que no casarão houve um crime, no fim dos anos 1950.

Um homem teria assassinado o irmão com um punhal, por uma herança deixada pelo pai, comerciante bem sucedido do ramo de joias e peças antigas de prata e ouro.

Depois de matar o próprio irmão, o homicida entrou em estado de depressão, a consciência dele pesou tanto que ele se enforcou.

Pela manhã Heraldo desceu, iria abrir a lojinha de material elétrico. Estava curioso para ver se o punhal e corda estavam lá, no batente.

Não, não tinha nada. Olhou para o casarão em frente. Estava fechado, sem ninguém.

Salatiel Hood
Enviado por Salatiel Hood em 01/06/2020
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