Microconto - Um Frio Que Nunca Passa
Um frio que nunca passa.
Certa noite acordei no meio da madrugada com o barulho da janela batendo e a cortina se remexendo com o vento que adentrava o quarto.
Não me recordava de ter ido dormir sem fechá-la, porém, dado a tudo o que vinha acontecendo, não me estranharia o lapso.
Após conferir as fechaduras e voltar pra cama, o sono não veio.
No seu lugar, porém, veio a lembrança das batidas que me acordaram, TUM, TUM, TUM, TUM...
A cada batida, um calafrio.
TUM, TUM, TUM, TUM...
Um estranho formigamento subia por minhas pernas e a manta da qual me cobria já não era suficiente pra me aquecer.
A medida que piorava, os formigamentos pareciam beliscões, pontadas de agulha.
Uma sensação de opressão atingiu o meu peito, me imobilizando no colchão, enquanto todo o resto do meu corpo tremia entre calafrios e beliscões.
Meus dentes batiam, minhas narinas já não eram suficientes para encontrar oxigênio e minha respiração pesada deixava escapar por entre os dentes uma fumaça típica das manhãs mais frias do inverno.
Sentia como se uma mão invisível estivesse em torno do meu pescoço me enforcando, sem que pudesse fazer nada a não ser aceitar minha inevitável morte.
Quando todos os meus sentidos já estavam prejudicados, uma voz assombrosa vinda de dentro pra fora ecoou na minha cabeça dizendo: “da próxima vez confirme se a janela está fechada querido, o inferno não é tão quentinho quanto contam os livros”.
Apaguei.
Quando o despertador quebrou o silêncio na manhã seguinte, haviam marcas de queimadura em volta do meu pescoço, a janela estava aberta e as cortinas balançavam despretensiosamente com o vento.
As marcas se foram, porém, toda noite, ao apagar as luzes, olho praquela janela e sinto um arrepio de um frio inexplicável subindo pela coluna.
Um frio que nunca passa.