Fazenda assombrada

Era por volta das quinze horas. Horácio, um universitário que estava estagiando em um escritório de contabilidade, tinha a função de arquivar todos os documentos ali coletados no dia. Muito bom de serviço e com uma auto estima muito boa, estava um pouco confuso, porque o chefe havia dito que os dois iriam até a uma fazenda próxima para colher assinaturas de registros de empregados, pois faltavam algumas e haveria fiscalização por parte do auditor do trabalho.

No pensamento de Horácio, seria uma forma de aprimorar os conhecimentos. Ir até a fazenda não era tão difícil para os dois, mas ele tinha um certo receio de como entrar lá. A fazenda era construção do século XVII. Muito antiga, com árvores grandes ao redor, uma lagoa onde se nadavam patos, gansos e marrecos, uma casa onde estava localizado o moinho de moer fubá, um grande e extenso curral, todo cimentado, com alta tecnologia em produção de leite, um lindo jardim, com plantações de várias espécies de flores, incluindo rosas, margaridas, orquídeas, lírios e outras. Um terreiro cimentado para secar café, feijão e outros frutos de cultura. Abaixo da lagoa, localiza-se o pomar, com cultivo de laranjas, mexericas, peras, maçãs, abacaxi, mangas e outras variedades. Um pouco mais para a direita, uma linda plantação de floresta de eucalipto, pois também produziam carvão em alta escala para venda a consumidores finais. Muita lavoura de milho, de feijão e de café, pois o forte da produção era o café.

Por volta das quinze horas e trinta minutos, o chefe e Horácio se dirigiam para a fazenda. Não era muito perto, mas cerca de vinte minutos em estrada de terra. No caminho, o chefe, de nome Jânio, disse ao subordinado quais eram os documentos a serem assinados pelo dono da fazenda. Explicou que eles eram muito bem economicamente, mas muito normativos. Eram alegres e gostavam de servir o café quem ali chegasse. Serviam pães de queijo, bolos, roscas, bolinhos, café, leite, chá e mais outras iguarias. Explicou, também, que se a pessoa não comesse nada ou não bebesse o café, eles ficariam furiosos e punham a pessoa para fora.

Quando se aproximavam do local, Jânio recebeu uma ligação do escritório de que outro cliente estava a sua procura, pois necessitava urgentemente da presença. Era caso de muita urgência. Jânio assim disse:

- Horácio, preciso retornar ao escritório, pois o Mário está precisando de mim. Não posso deixa-lo lá por muito tempo. Vou deixar você lá, na fazenda, e por volta das nove horas da noite eu retorno para lhe buscar. É bom que você fique e faça uma companhia para eles. Eles gostam muito de você.

Como o dia era sexta-feira, ele não tinha aula na faculdade, Horácio sentia-se feliz. Sair um pouco da rotina estudantil, sair um pouco da cidade e se deliciar da vida no campo. Ficou feliz, mas logo um arrepio veio à tona. Lembrou de que o pai lhe contara que a fazenda era assombrada. Tinha assombração por todo o lado, principalmente às sextas-feiras, pois o período era da quaresma e lembrou de lobisomem, mula sem cabeça, saci, fantasma e um porco que rondava por toda a fazenda. Não tinha jeito de falar com o chefe, pois se falasse, poderia ser dispensado do serviço e isso lhe faria falta para o pagamento da faculdade e ajuda à família.

Assim que chegaram, eles foram recebidos com muita honra e educação pela família do cliente. Muita conversa, muitas risadas. Jânio disse que retornaria ao escritório, pois havia outro cliente lhe esperando. Deu todas a recomendações a Horácio e falou que o mais rápido viria buscá-lo.

A tarde já dava sinais de cair e a noite já batia à porta para entrar. O sol se escondia por trás de nuvens negras. O vento soprava forte e anunciava que teria chuva durante a noite.

Como de costume, Horácio carregava a pasta com os documentos para a assinatura do cliente. Queria a todo momento que eles assinassem e pensava que o chefe rapidamente viria buscá-lo. O cliente, de nome Manoel, estava sempre feliz. Com uma tapinha às costas de Horácio, ele o convidou para visitar a lagoa e ver as aves que ali estavam, o pomar, o retiro de leite e o tratamento alimentar das vacas. Para Horácio era uma coisa diferente. De origem humilde, ele sempre ia passear à casa da avó, que morava em uma fazenda muito distante dali. Esta fazenda era aproximadamente uns trinta e cinco quilômetros da cidade. Os avós trabalhavam lá há muito tempo e de vez em quando Horácio ia passear. Ficava um fim de semana ou até todas as férias escolares, mas já não ia lá por um bom tempo, pois trabalhava e as férias ainda não tinham chegado.

- Veja que lindo é a lagoa, murmurava o cliente Manoel.

- Aqui devem ter aproximadamente duzentas aves. Gansos, patos, marrecos e até pato selvagem. Têm muitos peixes ali dentro. De vez em quando eu gosto de pescar. Têm traíras, tilápias, bagres. Pena que você está com pressa, mas eu lhe faço um convite para vir almoçar aqui comigo. Seria bom ser no domingo. Vou pescar e fazer um delicioso peixe assado, que somente eu sei fazer.

- Muito obrigado, Sr. Manoel. Eu aceito o convite. É só o senhor marcar, que aqui estarei.

- Eu gosto muito de seu jeito, garoto. (Manoel assim referia ao garoto, pois lembrava dos filhos. Já formados, eles não moravam mais no Brasil. Dois deles moravam no Reino Unido, a filha morava nos Estados Unidos e a outra filha mais nova estudava na França).

- Muito obrigado, Sr. Manoel. Sempre Horácio se referia a esta expressão, pois estava achando o passeio muito interessante.

- Vamos ali no curral. Tem um copo e você vai beber um leite natural da vaquinha Mimosa. Ela é mansa e vou tirar para você.

O tempo foi passando e o cliente Manoel sempre fazia o melhor agrado para o garoto.

Foram a todos os lugares. Horácio não resistiu quando chegou ao pomar de mexericas. Elas eram muito grandes e os pés estavam todos carregados. A safra era boa e na próxima semana iria toda para uma indústria de sucos, no interior do Estado de São Paulo.

- Sr. Manoel, será que o Senhor poderia me vender umas dez mexericas destas, pois pretendo levar para os meus pais.

Rapidamente, Horácio tirou do bolso uma nota de vinte reais e entregou ao proprietário da fazenda.

- Que isto, meu garoto. Não tenho mexerica para vender. Guarde o dinheiro. Vou apanhar algumas e você levará. É um enorme prazer em dar mexericas para você. Elas são muito doces e a lavoura toda já está vendida para a fábrica de sucos.

O tempo ia passando. Horácio, sempre com a pastinha na mão, estava gostando dali. Já visitara a lagoa, o curral, o pomar e ia ouvindo o cliente Manoel falar. Falava muito e sempre dava uma risada depois da fala.

A noite foi chegando e o cliente Manoel o chamou para ir para dentro da casa para assinar os documentos.

- Você fica aí, pois vou tomar banho e logo depois do banho vou assinar. Vá conversando com a Maria até eu terminar.

Dona Maria, assim chamada, era uma dócil pessoa. Muito esperta, uma senhora alta, magra, que se vestia com um vestido na cor azul abaixo do joelho, usava um lenço no cabelo e um avental na cor azul, também, conversava muito com o garoto. Contou-lhe dos filhos que moravam no exterior, das galinhas, dos frangos, da vida rural e de toda a vida.

Horácio era muito curioso. Gostava muito de ler e tinha uma certa tendência para a História. Assim ele perguntou para a Senhora:

- Dona Maria, quantos anos é a construção desta casa, porque gosto muito de História?

- Meu filho. Esta casa foi construída há mais de trezentos anos. Ela foi de meu bisavô. Passou para meu avô, para meu pai e logo ficou para mim. Eu gosto muito daqui.

- Aqui já teve escravos. Tinham muitos. Você viu uma casa grande lá na frente. Lá era a senzala e logo abaixo dela tinha o cemitério dos escravos. Muitos foram enterrados ali. Aqui é muito bom. Se precisar mudar para a cidade, eu não mudo. Ela foi falando muita coisa da história daquela casa. Contou das luzes que apareciam ali, dos passos vindos do corredor do assoalho, da música que tocava na senzala, enfim, muita coisa ela falou.

Horácio ali escutava. Tinha muita curiosidade em ouvir. Prestava muita atenção, mas o coração apertava de medo. Tinha medo de dormir ali e ser importunado pelos fantasmas.

Não restou muito tempo. Logo o cliente Manoel chegou e foi assinando todos os papéis. Com o sorriso no rosto, ele dizia a Horácio que gostaria muito de que ele dormisse na casa. Gostava muito do menino e ligaria para o chefe que o garoto ficaria ali.

Muitas palavras foram ditas por Manoel. Contou mais casos, estórias e logo a conversa foi interrompida por um barulho imenso. Era um raio que caiu próximo da casa, causando um enorme brilho e as luzes da casa se apagaram.

Horácio ficou tremendo de medo. Lembrava da dança dos escravos na senzala ao lado. Pensou nos passos que soavam no corredor da casa, pois o assoalho da residência era enorme. Lembrou, também, de que algumas almas penadas dos antepassados poderiam sair debaixo do assoalho. O coração do menino disparou. Mal conseguia falar e nem mesmo conseguia gritar. Ouvia as vozes de Manoel e a esposa se afastando e pensou que os dois estavam sendo arrastados para o fundo do porão da casa. Vozes eram ouvidas por todos os lados. Estampidos de trovões eram escutados, ao mesmo tempo clarões e o vento entrando em fendas das janelas, trazendo um assobio que mais se parecia a músicas de filme de terror.

Maus momentos, Horácio sofreu ali. A paz somente foi restabelecida quando as luzes voltaram e mais meia hora, o chefe chegou para buscar o garoto.

Ao sair, agradeceu pelo acolhimento e recebeu o convite para ir passar um final de semana na fazenda.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 24/05/2020
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