"CÃES"
Por algum motivo que ainda não consigo explicar eu quis muito enfiar a mão naquele buraco no muro daquele velho casarão. Tive uma certeza (que agora não tenho mais), um sentimento profundo de que encontraria algo brilhante que poderia até ser um diamante, ou um gatinho recém-nascido. Minha mão estava suada e pra entrar foi muito fácil, mas logo que tentei retrocedê-la, percebi que estava preso. A rua vazia. Já eram mais de meia-noite, numa praça escura que normalmente durante o dia, já era assim… muito vazia. Toda vez que eu puxava, a sensação que tinha era de ficar mais preso e o buraco se tornar mais apertado. E tive tanta vergonha de pedir socorro que ali fiquei até umas quatro da manhã, quando começou a chover. Não comecei gritando, tive que ir vencendo etapas… e minha voz foi gradativamente tomando força, e um enorme desespero que me levaram as lágrimas. A dor que eu sentia no braço preso era pulsante e muito forte. Já eram quase manhã, quando os primeiros cães chegaram. Talvez eu mesmo os atraíra com meus gritos… eram três vira-latas. E vieram me cercando, rosnando e se sentando em minha volta, me mostrando dentes espumantes… Um deles pôs-se a uivar incessantemente, por quase um minuto, até que, por todos os lados começaram a aparecer outros cachorros. No final das contas eu estava acoado na parede, com meu braço preso, tremendo de medo e de frio e por algum motivo… aparentemente todos os cães da cidade me cercavam rosnando e se aproximando cada vez mais. Quando o primeiro avançou em mim eu tentei esmurrá-lo com a mão que estava livre, mas outros dois avançaram em meu braço… que foi destruído e arrancado em poucos minutos. Pensei em gritar, mas estava com vergonha, o que as pessoas diriam de mim depois disso? Logo depois todos os outros se sentiram autorizados a avançar e eu fui sendo devorado, pedaço por pedaço, e minha vida fora desfeita lentamente. Tudo isso por ser curioso e meter a mão onde não fui chamado! Mas, afinal, amanheceu. E quando os primeiros trabalhadores do dia surgiram na rua, se assombraram, berraram, choraram e fizeram o sinal da cruz… em repúdio a aquela visão dos restos mortais que até poucas horas atrás… era eu. Em menos de dez minutos TODOS OS MORADORES DA CIDADE estava presentes. Porém, não me senti envergonhado ou humilhado, muito menos exposto. Pois estava tão desfigurado, que ninguém me reconheceu.