O BRUXO MORA AO LADO

Rio de Janeiro: 1885.

É com o meu coração imbuído de um profundo terror que registro aqui, em palavras, todos os eventos insólitos, os quais, por meses, eu fui apenas uma testemunha impassível, e que preencheram minha mente, para sempre de terríveis pesadelos. Espero que esse relato chegue às autoridades imperiais e que, se exista alguma lei contra a heresia e a magia negra, ela seja posta em prática e livre este mundo do terrível homem que habita o Cosme Velho.

Mudei-me com minha adorável esposa para esse agradável sobrado, no qual resido, tem pouco mais de um ano. Desde a mocidade, quando fui estudar Direito, em Coimbra, residia em Portugal, onde conheci minha bela amada lusitana. Mas, decidi por voltar ao Brasil e encontrei no Cosme Velho uma vizinhança discreta, tranquila e arborizada. Tenho, diante de minha casa, um riachinho calmo de águas cristalinas, ladeado por um pequeno muro de pedra. Como vizinhos, um conjunto de aprazíveis chalés no estilo francês. Um bairro típico de uma pequena elite que parece, à primeira vista, estar a salvo de qualquer evento extraordinário ou macabro; mas, por baixo dessa aura de paz, horrores nefandos escondem inefáveis a razão cientificista de nosso século.

Os primeiros boatos de que algo assustador estava ocorrendo vieram das mucamas, e não me espantei, já que o populacho tende a ser supersticioso e medroso. Elas confabulavam, pelos cantos, que o meu vizinho de muro era um bruxo, e que ele fazia coisas indescritíveis às sombras das árvores em seu quintal. Claro que não havia dado ouvidos para as crendices tolas de serviçais ociosas e imaginativas. Mas, o destino provou que eu e minha sabedoria intelectual estávamos erradas.

Este senhor que, hoje, sei ser um adorador dos seres do abismo, sempre havia, contudo, me parecido uma figura enigmática e descolada das pessoas que vivem na digníssima Rua do Cosme Velho. Ele é miúdo, magro, com o um andar manco, uma barba curta e elegante. Possui, também, uma tez mulata, indício de uma ascendência africana. Não me entendam mal, sou um abolicionista; mas, espanta-me, mesmo assim, ver um descendente de escravos se elevar socialmente tão rápido. As empregadas também sinalizavam esse como um dos indícios de que aquele homem possuía meios indeléveis de manipular a realidade através de formas estranhas de magia.

No inverno, minha esposa adorável adoeceu de uma moléstia terrível que a definhou de forma desumana. Os médicos diagnosticaram seu mal como sendo a maldita tuberculose. E os medicamentos paliativos pareciam todos fracassarem. As criadas, todas forras, alegaram que a minha amada não estava tísica, mas, na verdade, sobre a influência terrível do feiticeiro que morava em nosso bairro. Elas tentaram nos ajudar com amuletos, supostamente, mágicos e de cura; todavia, parecia que os poderes das trevas eram maiores do que os que podíamos supor.

Minha queria conjugue ainda está convalescendo, mas não tenho esperanças de que ela se cure. E foram com as emoções em frangalhos que vi, com meus próprios olhos, meu terrível vizinho, no meio da noite, esgueirar-se até o jardim, e preparar um grande caldeirão, ao qual atirou uma porção de papéis, sortilégios terríveis, sem dúvida, que arderão, na noite, em uma funesta cena digna das descrições dos mais proscritos dos escritores byronianos. Fiquei em silêncio, por alguns minutos, assistindo ao bruxo em sua cerimonia nefasta, evocando demônios obscuros para seus intentos malignos. Com horror, então, me sobressaltei, quando aquele homem voltou-se para mim, com aqueles olhos detentores de uma antiga sabedoria e me fulminaram a alma.

Naquele momento, senti-me mesmerizado e incapacitado, e temo que o bruxo, ciente de que descobri seus segredos, tente fazer algum mal contra mim; diante disso, creio que logo eu também venha a definhar e falecer. Soube, por demais vizinhos, que esse homem que aterroriza meus sonhos, carregava grande fama e era um escritor conhecido, no Brasil, por folhetins e crônicas ácidas escritas nos periódicos da corte. Como morei no estrangeiro, por anos, desconhecia-o. Porém, para mim, aquele homem, mesmo sendo um escritor afamado, é ainda um sacerdote das trevas, e espero que o reconheça um dia esse tal de Assis, como o Bruxo do Cosme Velho .

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O Bruxo do Cosme Velho é um epiteto pelo qual Machado de Assis era conhecido em sua vizinhança. Tal apelido se deu, segundo algumas teorias, por seu hábito de queimar, quase diariamente, os seus rascunhos em um grande caldeirão em seu quintal.