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Fechou a porta e foi para a aldeia. Na pressa de escapar ao que tanto assustava parentes e amigos, tão ocupada tinha a cabeça que não levou nem mudas de roupa nem os óculos ou o terço. Chegou depois de andar muito a pé. Retirou a água do poço e bebeu do balde. Procurou ao redor gravetos para acender o lume. Batatas havia e a carne, fora do frigorífico, era a atracção de várias moscas na bancada de pedra. Apalpou no bolso do casaco de malha a chave da outra casa e teve a certeza de que a fechara. Estava só, como esteve sempre nos últimos anos. Cozinhou, comeu, gemeu as dores e deitou-se. Nos dias seguintes repetiu todos os gestos, foi e veio da loja e dormiu horas depois de apagada a luz. O rádio não tinha pilhas, o silêncio pesava e não havia lugar em si senão para o susto. Quando lhe amainou o medo e se lembrou de regar a avenca deu com ela seca. Na outra casa todas as plantas estariam também secas e o gato morto.