Um dia, numa reunião no céu, Jeová chamou todos os seus anjos para uma conferência. Todos compareceram. Miguel, Rafael, Salatiel, Gabriel, Metraton, enfim, todos os serafins, malaquins, aufanins, querubins, elohins e e outras classes e ordens angélicas que ele criou. E também Satanás, um anjo rebelde e contestador por natureza, que não raras vezes, entrava em conflito com o Criador. Jeová, que já tinha uma certa querela com ele, antevendo que ele ia tumultuar a reunião, perguntou o que ele estava fazendo ali. Então o tinhoso respondeu que tinha andado pela terra observando os homens. Viu quanta maldade havia nos corações humanos e quanta desgraça acontecia no mundo. Questionou o Criador sobre seus propósitos e sua pretensa bondade e sabedoria, que não refletia na terra nem no comportamento humano. 
"Se os homens foram feitos à sua imagem e semelhança, meu Criador, então me desculpe, mas o Senhor deve ter errado na fórmula, porque os homens não valem o que comem", disse Satanás. "Não houve um só momento até agora, na história da raça humana, que eles não brigassem entre si, que um quissesse tomar o que é do outro, que o mais forte não escravizasse o fraco, etc." completou ele.
"Nem tudo é como parece", respondeu Jeová. Você só olhou o lado errado das coisas. Tem muitas coisas boas no coração do homem e na terra não acontecem só desgraças".
"Eu não vi nada que prove isso", respondeu Satanás. 
Jeová então lhe perguntou se ele não tinha visto um indivíduo chamado Jó, homem íntegro e fiel, cheio de fé, virtude e que e nunca praticava o mal.
Satanás, sarcárstico como sempre, respondeu que conhecia o tal de Jó e que ele só era virtuoso porque ele, Jeová, tinha abençoado sua vida com uma boa saúde, muitos bens e uma prolífica e bonita família. Com tantas bençãos assim, quem não seria? 
Jeová logo entendeu que Satanás o acusava de comprar a fidelidade e a fé das pessoas com presentes e agrados, como fazem os homens com os animais e geralmente, com seus próprios filhos. E principalmente os políticos com seus eleitores. 
“Manda para o Jó um pouco de sofrimento, que eu quero ver se ele continuará virtuoso, bonzinho e fiel ao Senhor”, desafiou Satanás, com isso querendo dizer que todo homem era corrupto passivo e Jeová um corruptor ativo.
Foi então que o Senhor permitiu que Satanás voltasse a terra para atormentar Jó com muitas dores e sofrimentos, para ver se essas acusações que o sinistro anjo das trevas lhe imputava eram verdadeiras ou não. 
 
E assim começou os sofrimentos de Jó. Primeiro o tinhoso tirou todos os seus bens. Matou seus bois, jumentos e camelos, todos os animais que faziam a riqueza pecuária do pobre homem. Depois fez secar as suas roças e o deixou sem um mísero grão, raíz ou verdura para comer. A mesma coisa fez com seus servos. Matou-os todos com doenças e pestilências. Depois deu um jeito de liquidar com os próprios filhos do infeliz.  
Mas mesmo com essa desgraçeira toda, Jó não amaldiçoou o Senhor. Apenas se lamentou, rasgando as vestes e aspergindo cinzas sobre a cabeça, como era feitio naqueles tempos antigos. 
Vendo que a pobreza e a desgraça não corrompia Jó, Satanás se propôs a feri-lo na sua própria carne. Cobriu seu corpo de feridas pustulentas, desde a cabeça até a planta dos pés, de tal modo que Jó tinha que raspar suas chagas com um caco de telha. O coitado virou uma pústula só. 
Ainda asssim, ele não maldisse a vida, nem se corrompeu na sua alma. Continuou virtuoso e fiel, louvando ao Senhor e agradecendo a ele pela vida que lhe foi dada. Ao contrário do que Satanás previra, o sofrimento lhe serviu para desenvolver uma sólida filosofia de vida, baseada na confiança na Divina Providência, e na certeza de que a vida humana, seja o que for que lhe aconteça, tem um sentido. E que se o homem existe, é porque ele exerce um  papel importante no processo de construção do universo. 
Jó aprendeu que não há bem nem mal sobre a terra como prêmio divino pelas nossas ações. A bondade  e a maldade são conceitos puramente humanos e não devem ser atribuidos à nenhuma divindade. O homem tende a ser bom quando tudo lhe é favorável e mau quando a desgraça o atinge. A verdadeira grandeza está em se manter na virtude, mesmo quando a sorte nos é madrasta. Isso é mostrar fortaleza de espírito e capacidade de resistir às intempéries. Os fortes sobrevivem e transmitem fortaleza aos seus descendentes. A vida é um processo que resulta  em uma seleção natural. O mal existe para que a humanidade possa se depurar pela prática do bem.
Jó viu que a própria natureza nos mostra a veracidade desses pressupostos. São os organismos que vivem em condições mais desfavoráreis que sobrevivem e adquirem mais capacidade de evoluir. A dificuldade desenvolve a habilidade, a facilidade a atrofia. 
Aprendeu que não existem prêmios nem castigos para o bem ou o mal que fazemos na vida. Tudo são resultados bons ou maus que acontecem em razão da habilidade e da lizura com que atuamos. Ás vezes, coisas ruins acontecem à pessoas que parecem boas, e pessoas reputadamente ruins são contempladas com coisas que parecem boas. É preciso não ver injustiça nisso, mas apenas resultados obtidos em razão da conjuntura em que a ação foi realizada. Justiça e injustiça são conceitos puramente humanos, que são valorados unicamente por critérios que o homem desenvolve. Deus não tem nada a ver com isso. Os homens sim. 
Aprendeu que Deus instrui o homem por meio de tribulações. Tribulações são as dificuldades que a tarefa de viver nos impõe. Quanto maior a dificuldade, maior o aprendizado que resulta da sua superação. Aos ímpios, pouco se lhes aproveita os bens que conquistaram com sua iniquidade, pois eles não lhes trazem nenhum aprendizado. Quando eles perdem alguma coisa não sabem como recuperar e entram na mais negra depressão. Sofrem as penas do inferno em consequência do fracasso que tiveram, pois não aprenderam nada com a vitória. O sofrimento é maior quando  perdemos aquilo que pensamos que temos, do que quando nada temos; e maior ainda quando tivemos tudo, perdemos e não sabemos como recuperar.
Nada pertence ao homem, pois Deus é o verdadeiro dono de tudo, e o que pensamos que temos, só o temos por empréstimo. Seja por que razão for, quando as coisas que pensamos ter nos são tiradas, só a paciência e a confiança em Deus nos darão efetivo consolo. Se tivermos apego às coisas nunca seremos, de fato, felizes, porque ficaremos lamentando eternamente a perda ao invés de irmos à luta para recuperar o que foi perdido.     
Só Deus sabe porque as coisas são como são e por que elas acontecem como acontecem. Tudo há uma razão para que elas aconteçam daquela forma e naquele devido momento.
Jó chorou, reclamou, lamentou-se, mas confiou, acima de tudo, que a sua desgraça não vinha de Deus, mas da sua própria condição de ser humano. E se vem da própria condição humana, se tudo é natural, tudo que vem vai, tudo que vai volta. Só e preciso estar atento para não perder as oportunidades. 
Satanás viu que a história  de Jó era um belo poema de exortação à sabedoria de Deus e à confiança irrestrita que devemos ter no seu julgamento. Se tivermos mérito, nunca ficaremos em débito para com a vida. Ela  nos dará tudo que merecemos. Ainda que o mundo pareça estar de cabeça para baixo, com os maus se dando bem e os bons se dando mal, como parece estar acontecendo atualmente, essa é só uma ilusão dos nossos sentidos. O mal só prospera quando o bem não se lhe opõe. Quer dizer: a omissão dos bons é que dá chance para o que os maus cresçam e apareçam. 
Com isso Satanás desistiu de atormentar Jó e abandonou a reunião. Mas sendo ele quem era e sabendo agora que ele próprio, Satanás, era peça importante no processo de construção do universo (pois sendo o mensageiro do mal, era ele que garantia a existência do bem), voltou para a terra para continuar o seu trabalho. E é o que ele continua fazendo até hoje. 
Quanto à Jó, com a prova de fidelidade que ele lhe deu, Deus restituiu em dobro tudo o que Satanás havia lhe tirado. O tinhoso ficou com aquela cara de bode velho com que a Igreja medieval se acostumou a pintá-lo. É assim mesmo. O devoto, o fiel, aquele que confia em Deus e tem em si mesmo a autoconfiança da própria força, desenvolvida na foma de uma sólida filosofia de vida, sempre terá a sua recompensa.
O homem não é naturalmente corrupto nem Deus o corrompe com recompensas materiais ou promessas de um futuro Porvir num lugar de delícias. Isso é invenção de vendilhões de púlpito e vigaristas templários, que usam a palavra de Deus para enganar os incautos e tirar deles contribuições para o luxo de suas vidas nababescas.
Ao contrário, Deus nos convida a aprender cada dia mais, para com esse aprendizado ficarmos cada vez mais fortes. E com isso aperfeiçoar, diuturnamente, a sua Criação. Foi para isso que Ele nos fez.   
Satanás perdeu a aposta e se instalou na terra, onde continua seu trabalho de desencaminhar a humanidade. Mas agora nós sabemos que ele faz isso porque é necessário. Só no confronto com as trevas poderemos saber o que é a luz. A história de Jó nos ensinou essa sabedoria. Não haveria o bem se não houvesse o mal.  Às vezes Satanás tem sucesso, quando as pessoas se esquecem dessas coisas. Tudo virou um jogo. É o poker de Satanás, o jogo do ser ou não ser. E não raramente ele parece estar ganhando. Mas ele sempre perde quand
o o jogo não é viciado. E a vida, vivida com honestidade e uma sólida fé em Deus, é a unica forma segura de derrotá-lo.