A Maldição

Na livraria do “seu” Amadeus, no Centro da Cidade Maravilhosa, havia livro para quase todos os gostos: livros de terror, suspense e mistério; romances, biografias, contos e crônicas; livros de poesia, arte, de pintar, livros didáticos… e, graças a esta gama de variedades, cliente era o que não faltava. Numa certa manhã quente de verão, um cliente muito sinistro entra na livraria de “seu” Amadeus. Ele não era o Batman, mas estava vestido todo de preto, apesar do calor infernal que fazia no Centro da Cidade: 40 graus! Pouco se lixando para o que as pessoas ao seu redor diziam a seu respeito, devido às suas vestimentas, o soturno homem vai até o balcão, onde estava “seu” Amadeus, e lhe dirige a palavra:

― O se… senhor tem… tem… aa… aquele livro… que o…o... Hitler escreveu?

― Mein Kampf?

― Sim! Es… este mesmo! ― respondeu o misterioso homem com um sorriso tímido.

― Você é nazista? ― pergunta o dono da livraria, do alto de seus setenta anos, olhando para o homem de cima a baixo.

― Não. So… Sou judeu. Por que, o se… senhor é?

― Não. Sou católico…

― Hitler também era católico…

― Desculpe, amigo, mas este livro é um dos poucos que eu não possuo em minha livraria…

― Que pena! Di… disseram que eu podia encontrá-lo aqui… De qual… qual… qualquer forma, mui… muito obrigado pelo seu tempo. ― Diz o homem, com cara e roupa de agente funerário, soltando um peido barulhento e malcheiroso, antes de sair da livraria, como se quisesse se vingar de “seu” Amadeus por ele não ter o livro que ele tanto queria.

Quando o homem de preto foi embora “seu” Amadeus se benzeu e deu graças a Deus. “Procurar por um livro de um genocida doente só pode ser coisa de alguém tão louco e doente quanto ele.”, pensou o livreiro alisando o bigode e mexendo negativamente com a cabeça.

Era uma hora da tarde e o movimento na livraria era intenso, porque a hora do almoço é uma ótima hora para se comprar livros. Agenor, o ajudante de “seu” Amadeus, atendia uma senhora, quando um jovem cheio de piercings e tatuagens pelo corpo, com cara de surfista que acabou de sair da praia, vai em direção ao dono da livraria, que acabara de atender a um cliente e lhe fala:

― Boa tarde! Eu procuro um livro específico…

― Boa tarde! Pode falar, filho. Terei o máximo prazer em ajudá-lo…

― O livro é a “Bíblia do Diabo” do Doutor Sanatas. O senhor tem este livro? ― Perguntou o adolescente mordendo os lábios de tanta ansiedade.

Amadeus ficou parado alguns segundos olhando nos olhos do jovem. “Dois malucos no mesmo dia é dose para elefante.”, pensou o livreiro limpando o suor que lhe escorria da testa.

― Meu querido, para que você quer este livro? Por acaso você é satanista?

― Não lhe interessa! Isto é problema meu! Eu só quero saber se o senhor tem o livro. Tem ou não tem?

― Tenho. Mas não vou vender para você…

― Por que, não? Eu tenho o dinheiro…

― Você não tem dezoito anos…

― É verdade. Não tenho mesmo. Tenho 19 anos.

― Você tem a identidade para provar?

O jovem olhou na carteira e...

― Ih! Esqueci em casa…

― Então, nada feito…

― Velho caduco, filho da puta! Tomara que sua livraria pegue fogo e que você vá para o Inferno ser enrabado pelo capeta!

E após amaldiçoar o livreiro, o adolescente, que não tinha dezoito anos de idade, saiu da livraria cuspindo marimbondo.

O resto do dia foi tranquilo. Mais nenhum cliente “maluco” entrou na livraria para amofinar a vida de “seu” Amadeus. Porém as palavras do jovem satanista ecoaram nos ouvidos do livreiro durante alguns dias. Até sumirem como ondas resultantes de uma pedra atirada num lago. Sete anos depois, estranhos acontecimentos começam a ocorrer na vida de “seu” Amadeus. Numa viagem para Portugal, para visitar a filha e o neto recém-nascido, o avião em que o livreiro viajava cai e dos 100 passageiros só ele e mais seis sobrevivem. “O senhor é um homem de muita sorte”, disse um dos socorristas que tirou “seu” Amadeus das ferragens da aeronave. Poucos meses depois, o livreiro é vítima de bala perdida, mas, para sua sorte, o projétil para no celular que ele guardava, em seu bolso, bem na altura do peito. “Jesus te ama e te protege”, diz uma freira que presenciou a tudo. Um ano depois “seu” Amadeus tem o carro engavetado por dois caminhões (um na frente e outro atrás). Não sobrou nada do carro. Foi perda total, mas o dono de livraria saiu ileso do carro como se tivesse nascido de novo. Depois de todos estes incidentes, “seu” Amadeus começou a acreditar que era um predestinado, um homem abençoado por Deus ou que o acaso, ou a sorte, estavam do seu lado, por isso, perdeu completamente o medo da morte e passou a fazer planos mirabolantes e arriscados como soltar de paraquedas, andar de asa delta e escalar o Everest.

Mas planos são algo que fazemos enquanto a vida passa e, como um ladrão que chega no momento mais inesperado, “seu” Amadeus foi surpreendido pelo Destino que acreditava estar sempre do seu lado: no exato instante em que o livreiro abre a porta da livraria e aperta o interruptor para acender a luz e iniciar mais um dia de trabalho, ouve um estalido. E, em seguida, não ouve mais nada. A livraria e seu dono explodem num mar de fogo de proporções colossais.

Passados alguns dias os peritos da polícia constataram que o que causou o incêndio foi o gás concentrado no banheiro da livraria que se espalhou por todo o ambiente. Ou seja, o incêndio que provocou a morte de “seu” Amadeus foi um acidente, uma fatalidade, segundo a ciência. Será?

“Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay.”

FIM

Luciano RF
Enviado por Luciano RF em 03/04/2020
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