A pandemia dos enraizados
Uma certa doença, que surgiu sem ninguém perceber e em vários lugares ao mesmo tempo, atacou a humanidade a alguns anos atrás.
O primeiro registro conhecido foi de um homem que ficava parado em um certo ponto da rua, imóvel a dias sem sair de lá. Os vizinhos começaram a ficar incomodados com a presença dele, pois não comia, não bebia e muito menos tomava banho, apenas ficava naquela posição dia e noite.
Então chamaram a polícia, e eles por sua vez chamaram médicos para analisar a situação dele.
Achavam que era psicólogico, mas ele respondia as perguntas normalmente embora implorasse para ficar quieto naquela posição.
Essa homem foi levado até um albergue, mas de madrugada voltou para o mesmo lugar.
Eventualmente ele morreu desidratado, e quando foram remover seu corpo, se surpreenderam ao constatar que estava totalmente endurecido, como se fosse pedra.
Daí em diante muitas pessoas começaram a apresentar esse comportamento estranho que ficou conhecido no mundo todo como "os enraizados".
Sofia era uma voluntária da ONG que procurava ajudar a causa dos enraizados, oferecendo alimentos e dando assistência psicológica.
- Sofia, hoje você chegou mais tarde... Aconteceu algo? - Disse Márcio, o chefe da ONG. Ela fechou o rosto e se justificou.
- Estou mudando de casa por causa de um trauma de infância, adquiri esse hábito após ter sido abusada. Sempre penso que "ele" vai aparecer e me atacar quando eu estiver dormindo. Desculpas pelos atrasos, mas eu ainda continuarei ajudando na ONG.
Márcio se sentiu mal pela pergunta e pediu desculpas. Disse para ela que poderia faltar quando precisasse e também ofereceu ajuda. Não perderam tempo e foram atender a um novo caso dos enraizados que aconteceu num bairro residencial, e aquele caso tinha algo de bem peculiar envolvido.
Quando chegaram, viram um garoto com os braços para cima, típica posição dos enraizados, e sua mãe ao lado o acompanhando.
- Olá, somos da ONG, viemos oferecer ajuda. - Disse Márcio.
- Ah, bom dia. Eu sou Nilza, meu filho sumiu ontem a noite e foi avistado nessa rua. Eu pretendo ficar aqui o alimentandos até ele melhorar.
- Você disse por ligação que esse foi o lugar onde o cachorro dele morreu, correto? Isso significa que os enraizados se fixam em lugares ligados aos seus passados... - A mãe ficou calada ao ouvir a última frase, parecia esconder algo. Sofia então interrompe a conversa pedindo para conversar com o garoto que se encontrava perto da conversa.
Ela chegou dizendo bom dia, o menino ficou calado.
"Você deve estar com sede, posso te dar um pouco de água?"
Os olhos do menino pareciam profundos e pálidos, seu corpo também estava aparentando uma rigidez muito grande. Sem resposta, Sofia volta a falar:
"Sou da assistência social e viemos te ajudar, você não quer voltar para casa?"
Dessa vez o garoto responde usando poucas palavras:
"Não... Por favor vai embora, eu quero ficar aqui"
Sofia perdeu a paciência depois de algumas tentativas e tocou no braço do garoto com intenção de movê-lo. Ela puxou pra baixo com toda força que tinha porém era como tentar mover uma pedra. Nem 10 homens conseguiriam mexer em um enraizado.
Eles deram assistência para a mãe e em seguida foram embora.
- Sofia, a mãe me disse algo enquanto você não estava por perto. O cachorro daquele menino morreu pois foi assassinado... E seu assassino era justamente o menino. - Sofia não podia acreditar naquilo que Márcio lhe disse.
- Então os enraizados são movidos de culpa criminal?
- Possivelmente... - Retrucou Márcio.
Semanas passaram e os casos iam aumentando, de forma que as prefeituras usavam tratores para retirarem as dezenas de corpos dos enraizados nas ruas. Criaram até cemitérios próprios para eles.
A ONG encontrou seu fim por que o próprio governo tomou conta do assunto.
Um dia Sofia voltou para sua casa e acendeu a luz do quarto, nisso ela vê um homem parado no canto da parede, enraizado.
O que mais a assusta é o fato daquele homem ser Márcio, seu antigo chefe.
- Como você encontrou minha casa? Você me seguiu? - Pergunta ela.
- Eu não te segui, meu corpo se guiou sozinho até aqui... Por favor me ajuda, eu não quero me tornar um enraizado... EU NÃO QUERO MORRER ASSIM...
- Mas por quê eu? Por que você veio justo até a mim? Que culpa você sente em relação a mim?
Eventualmente, quando identificaram o corpo de seu chefe, descobriram que ele era um assassino e pedófilo, que já era muito tempo procurado da polícia.
Sofia ficou traumatizada com essa descoberta. Depois de muitos anos e muitas idas ao psicólogo, ela conseguiu retomar sua vida. Mas até hoje continua com seu hábito de mudar frequentemente de casa...