TABULEIRO OUIJA

            Aquela não era uma noite qualquer, era uma sexta feira treze combinada com uma lua de sangue na data de 13/12/13. Os rapazes estavam em polvorosa. Lucas estava planejando isso desde que soube da notícia daquele fenômeno raro no jornal.

            Dias antes, enquanto estava ajudando um tio a fazer sua mudança, encontrou um jogo antigo, todo trabalhado na madeira. Na caixa continha, envoltos por um veludo vermelho, um livro, um apontador feito de osso e um tabuleiro amadeirado contendo as letras do alfabeto, números e quatro nomes: SIM, NÃO, OLÁ e ATÉ BREVE.

            Não conseguiu se conter e, ouvindo seu tio reclamar de tantas “quinquilharias antigas” para carregar, supôs que poderia levar aquilo consigo, que seu tio não iria se incomodar. Colocou o jogo na mochila e, ao final da mudança, foi para casa.

            Ao ler o livro e ouvir tantas histórias interessantes sobre o jogo ouija marcou de brincar com o tabuleiro nesse dia. Tiago, amigo dele do condomínio de prédios, em meio a tantos outros condomínios semelhantes no Bairro dos Funcionários, ficou de trazer uma gravadora para filmar tudo, pois era muito curioso. Davi, duvidando que qualquer coisa pudesse dar certo, foi só para saber se era verdade ou não, prometeu levar as velas e o sal.

            Tarde da noite do dia 13/12/13, quando todos do condomínio já tinham ido se retirar para dormir, os garotos tinham marcado de se encontrar para fazer a brincadeira em um canto mais calmo, que quase ninguém ia porque era próximo ao lixo, tendo um fedor insuportável na maioria das vezes.

            Eles montaram o ambiente: Tiago posicionou a câmera e a deixou gravando. Davi colocou as velas na disposição que Lucas indicava. O fenômeno da lua de sangue já começava, deixando tudo muito mais sombrio e tenebroso.

            Os três então se juntaram e Lucas, com o pano de veludo rubro sobre sua cabeça lembrando um bruxo, perguntou que tipo de entidade eles iriam invocar: fantasma errante, espírito familiar, um demônio ou um anjo.

            – E aí? Quem tem coragem? Qual será o menu de hoje? – Disse Lucas, em tom de brincadeira.

            – Cara, isso tudo é bobagem, estou aqui mais pela zoeira mesmo. Manda aí um capiroto do sétimo inferno que duvido aparecer alguma coisa!

            – Bem, se aparecer alguma coisa, será gravado – disse Tiago, apontando para a câmera.

          Lucas concordou, inspirou profundamente, folheou o livro até encontrar a página indicada, arregalou os olhos e soltou:

            – Ok, vou ler as instruções aqui – passou o dedo na página, procurando as instruções, localizou as regras e começou a ler em voz alta:

            – Regras: vamos lá... Número um: Para iniciar, rezar um pai nosso completo por todos os participantes. Dois: durante o processo de invocação, os participantes devem repetir tudo o que o mestre disser. Três: nunca deixar que todas as velas se apagarem antes do final. Quatro: em momento algum danificar o tabuleiro durante o jogo. Quinto: não finalizar o jogo sem rezar um pai nosso por todos os participantes.

            Eles riram. Afinal, tinha mais o que não fazer do que o que fazer.

            Virando a folha, Lucas viu uma lista interminável de avisos e outras coisas do tipo e ameaçou começar a ler:

            – Ah não! Já não bastam as regras! Pula isso e vamos logo para o que interessa! – reclamou Davi.

          Lucas deu os ombros, folheou mais um par de páginas e começou:

          – Putz, está tudo em latim aqui! Vou ler do jeito que eu sei... aí vocês repetem o que eu disser ok?

          Os garotos riam. Lucas lia tentando dar um ar de seriedade a coisa. Mas a ver-dade era que nem ele sabia se estaria lendo corretamente. Os outros repetiam, segurando o riso.

            As luzes começaram a falhar nos quarteirões próximos. Tiago lembrou que eles não rezaram o pai nosso inicial, engoliu seco e seguiu repetindo o que Lucas dizia como se nada tivesse acontecido.

            Aquela lua de sangue dava um brilho estranho àquela noite. Os cachorros da vizinhança começavam a uivar e latir incessantemente. Alarmes podiam ser ouvidos à distância. Talvez fosse a ida e vinda da energia elétrica, que estava falhando, ou talvez...

            Eles já estavam rindo não mais por achar que aquilo era uma bobagem, mas sim de nervoso. Nem o próprio Lucas conseguia segurar o riso. Embora ainda estivessem de mãos dadas e repetindo o que Lucas dizia, eles estavam com os olhos arregalados, olhando para os cantos, com um sorriso estranho nos lábios.

            De repente, o apontador feito de osso se dirigiu sozinho para a palavra “OLÁ”. Talvez fosse o vento, ou talvez...

            Lucas continuou lendo o texto em latim, seguido por Davi. Tiago ignorou o trecho perguntou ao tabuleiro:

            – Tem alguém aí?

            O ponteiro deu pulo e foi para a palavra “NÃO”. Davi e Tiago gargalharam da ironia macabra. Quando olharam para Lucas, ele continuava falando em latim, com os olhos revirados, totalmente brancos, sem mais ler o livro.

            – Eu não sou alguém! – interrompeu Lucas com a voz alterada.

            Assustados, os garotos largaram as mãos entre si. Um vento pestilento passou sorrateiro e apagou todas as velas.

            Um ser um pouco menor que eles, com unhas enormes, com uma pele estra-nha, com parte dela caindo, podre, e outra esverdeada em diferentes partes do corpo exalava um forte cheiro de enxofre. Seus olhos eram de uma cor amarelo vivo, com vários chifres que brotavam da cabeça, das costas e dos cotovelos. Aquilo parecia ter se materializado a uns dois metros do solo e ter caído ali, no meio deles.

            Lucas estava numa posição estranha, com o corpo anormalmente retorcido, contorcia-se freneticamente. Davi ficou ali, de boca aberta, embasbacado, congelou, apenas olhando a criatura que surgira ali. Tiago se levantou e saiu correndo, gritando desesperadamente.

            Aquele ser olhou ao redor, fez uma careta, emitiu um urro de dor e soltou um jato de vômito vermelho que caiu por todo o lugar.

            Davi saiu cuspindo aquilo que teria caído em sua boca, correndo para a man-gueira que ficava perto dali. Aquele líquido vermelho viscoso, com pedaços gelatinosos escuros, parecidos com piche, encharcou o local, o que restou do jogo, a câmera e tudo o mais.

            Lucas saiu do transe após aquela cena e ficou embasbacado como aquilo tudo ocorrera tão rapidamente. Mal deu tempo dele perguntar algo ou esboçar alguma reação. Aquele ser de aparência demoníaca emitiu outro urro e deu um salto, sumindo de vista. No impulso do salto, suas garras rasgaram o tabuleiro ao meio.

            Pode se ouvir ao longe os cachorros uivarem e latirem desesperadamente, os alarmes tocarem ao longe à medida que aquele ser afastava de onde eles estavam.

          Lucas e Davi tentavam se limpar daquele líquido vermelho que tinha impreg-nado no corpo deles usando a mangueira. Tiago já tinha fugido sabe-se lá para onde. Talvez tenha corrido de volta para o seu aparamento, em choque.

* * *

            No dia seguinte, dois jovens foram encaminhados para o Hospital Regional de São Cipriano, com fortes dores abdominais, sensibilidade à luz, vômitos em jatos e dores por todo o corpo. Eles não conseguiam falar coisa com coisa, talvez estivessem sofrendo algum transtorno psicótico, ou intoxicação aguda ou talvez...


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Manassés Abreu
Enviado por Manassés Abreu em 02/04/2020
Reeditado em 15/05/2020
Código do texto: T6904713
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