O 'Causo' do Seu Zezinho

Esse é um caso muito estranho que aconteceu justamente naquela que seria a última sexta-feira do ano de 2000, já próximo de acontecer aquela tão esperada virada do ano que marcaria o final do século XX e o início do século XXI.

Naquela época existia ao pé da Serra da Mantiqueira um bucólico e bem cuidado sítio, onde moravam o seu Zezinho; um alegre e sempre sorridente velhinho de seus oitenta e tantos anos de vida e a sua esposa e fiel companheira Dalva, mais conhecida como dona Dadá. Foi lá que eles criaram e viram crescer sete dos seus nove filhos, que lhes deram netos e bisnetos.

Era muito comum naqueles tempos, principalmente durante a época dos festejos de final de ano, ver aquele sítio ficar parecendo até uma colônia de férias, tamanha era a quantidade de jovens e crianças que circulavam por lá, geralmente convidados pelos seus netos, que por isso eram sempre muito bem acolhidos pelo simpático casal.

E foi justamente naquela que seria a última sexta-feira do ano; um dia 29 de dezembro, que um fato no mínimo extraordinário marcou a vida do Seu Zezinho; fato esse que acabou ficando muito conhecido lá por aquelas bandas como "O causo do seu Zezinho".

Estava ele no final daquele dia já se acomodando na sua poltrona favorita para assistir o seu noticiário favorito, quando a sua Dadá o chamou lá da cozinha. Ela precisava que ele fosse urgentemente até o mercadinho, que ficava um pouco distante do sítio, para comprar alguns pequenos itens que ela havia esquecido de colocar na lista das compras que eles tinham feito pela manhã e que eram indispensáveis para o preparo das refeições para a turma que era esperada já na manhã daquele dia seguinte e que ficariam lá com eles até a virada do ano... Normalmente todos que fossem participar da ceia já traziam o seu consumo; era o famoso 'junta-pratos', mas o básico sempre ficava por conta dos donos da casa...

E quando o seu Zezinho, já se acomodava ao volante daquele seu 'possante fuscão 72', recebeu da sua amada Dadá aquele beijinho no rosto, com aquela suave e doce recomendação; "-Vê se não demora lá papeando com os seus amigos, porque já está escurecendo tá querido?", ele sentiu um estranho arrepio pelo corpo, coisa para o qual não deu a mínima importância...

E quando ele já estava na estradinha que o levaria ao mercadinho, eis que um pouco mais à sua frente ele vê uma carroça que vagarosamente seguia em ziguezague na mesma direção. Pensando que fosse algum bêbado que a estivesse conduzindo daquela maneira, ele ficou surpreso quando ao ultrapassá-la percebeu que era uma menina quem a conduzia; uma menina que aparentemente não devia ter mais que uns dez anos de idade. Sabendo que logo após a próxima curva existia uma pequena e estreita ponte e que do jeito que aquela menina estava guiando aquela carroça, certamente ela poderia acabar caindo com ela no rio, ele resolveu atravessar o carro à sua frente para que ela parasse.

E quando ele desceu do carro e segurou o cavalo pelas rédeas a menina se assustou. Ela já ia começar a gritar quando ele a tranquilizou dizendo que não lhe queria fazer nenhum mal, mas sim ajudá-la já que percebeu que ela não estava sabendo conduzir aquela carroça. Ao perguntar o que ela estava fazendo a uma hora daquelas, sózinha naquela estradinha deserta, ela disse que se chamava Luzia e que a sua avó havia mandado ela ir correndo até a igrejinha do lugarejo, para buscar um Padre e levá-lo até a sua casa, para 'benzer e curar' os seus pais que estavam morrendo...

Ele ficou com muita pena dela e se ofereceu para lhe dar uma carona até a igrejinha. A princípio ela até que relutou um pouco; parecia estar com medo de entrar no carro dele, mas acabou aceitando, deixando a carroça e o cavalo amarrados em uma árvore à margem da estrada.

Quando eles chegaram na igrejinha já havia escurecido. Ele estacionou o seu fuscão junto ao portão principal que estava trancado com cadeado e pediu que ficasse esperando no carro enquanto ele entrava por um pequeno portão que costumava ficar 'só encostado'.

A igrejinha também já estava fechada, mas na pequenina janela do andar superior dava para ver um facho de luz, uma indicação de que certamente o padre estaria lá.

Passados alguns minutos, eis que surgem o seu Zezinho ao lado do Padre Joaquim, com a sua maletinha na mão mas, cadê a pequena Luzia? Ela não ficou esperando no carro, conforme o combinado...

Procura daqui, procura dali. Gritaram pelo seu nome; mas, nada da pequena Luzia... Seu Zezinho, não conseguindo atinar sobre o que poderia teria acontecido com a menina, ficou também muito preocupado com o que o padre Joaquim poderia estar pensando dele naquele momento, já que ali não havia nenhum sinal dela...

Então ele raciocinou o seguinte; ela deve ter pensado que eu não ia conseguir trazer o padre e por isso voltou a pé até a sua carroça... Foi o que ele falou falou para o padre. E como já estava escuro eles decidiram entrar no carro para ver se ainda a encontrariam pelo caminho. Foram bem devagarinho observando cuidadosamente aquela estradinha até o local onde a carroça estava amarrada.

Só que não a encontraram pelo caminho e quando lá chegaram, surpresa; não encontraram nenhum sinal dela nem da sua carroça... Foi então que o Padre Joaquim perguntou ao seu Zezinho como é que era aquela tal Luzia que ele disse ter 'dado uma carona' até a sua igreja.

E à medida em que o seu Zezinho ia descrevendo detalhadamente para o padre Joaquim, exatamente como era a menina, ele ia ficando pálido como se estivesse prestes a desmaiar... E foi então que, apoiando-se com as duas mãos no automóvel, ele olhou para céu e disse bem alto: "- Afasta de nós esse maligno Senhor!".

O seu Zezinho não estava entendendo 'nadica de nada' daquilo que estava acontecendo e já ia perguntar alguma coisa para o padre, quando um forte redemoinho surgindo como que do nada, acompanhado de um forte cheiro de enxofre que empesteava o ar os envolveu... O desespero tomou conta deles, que ficaram ali abraçados por alguns instantes, completamente apavorados... Foi quando ouviram uma tenebrosa e diabólica voz gutural, que parecendo vir das profundezas do inferno, disse: "-Eu não quero você lá padre! Eu não quero você lá..." E com uma forte gargalhada, seguida de um estrondo, todo aquele dantesco cenário foi se dissipando ante os seus olhos atônitos...

E foi então que já refeito do susto o padre Joaquim contou para o seu Zezinho, que alguns antigos moradores daquela região costumavam contar uma história de que há cerca de uns cinquenta anos atrás, morava em um sítio ali das redondezas uma família de imigrantes italianos que tinham vindo para o Brasil fugindo da guerra. Eles eram gente muito boa e trabalhadora que trouxeram uma filhinha de colo, que se chamava Luzia. Diziam também que eles tinham feito um pacto com o capeta, onde em troca de muitas riquezas e poder, prometeram sacrificar a ele aquela sua filhinha assim que ela completasse dez anos de idade e que foi graças a esse pacto com o cão que eles prosperaram e acabaram se tornando uma das famílias mais ricas e poderosas da região. Só que quando se aproximava o momento em que eles teriam que cumprir o pacto feito com o demo, eles se deram conta de que não tinham coragem de sacrificar aquela sua única filha a quem tanto amavam, por isso a mandaram para morar com a sua avó materna na Itália, pensando que assim poderiam enganariam o capeta...

Só que quando o relógio marcava exatamente meia noite do dia anterior àquele em que a menina completaria os seus dez anos, uma nuvem negra encobriu a fazenda do casal e um forte redemoinho destruiu tudo lá, incendiando e matando não só o casal como todos os animais da propriedade, deixando aquela enorme propriedade reduzida a um grande montão de cinzas...

Algum tempo depois ficaram sabendo que a pequena Luzia, que naquela época do incêndio morava com a sua avó lá na Italia, por volta da meia noite daquela mesma data, também morreu em um incêndio que foi causado por uma lamparina que, enquanto ela dormia, despencou da parede em cima dela incendiando apenas ela e a sua cama...

E foi assim que, pelo sim pelo não, já no dia seguinte àquele estranho acontecimento o Padre Joaquim juntou um pequeno grupo de fiéis da sua igrejinha e foi até o local onde antes era a casa daquela família. Lá eles fizeram juntos algumas orações e depois ele aspergiu bastante água benta para tudo quanto era lado... Vai que..