Olivie- CLTS 10

Estava no isolamento na nova área do hospício quando viu a garotinha que devia existir somente na sua imaginação. No momento do encontro ele estava na sala de isolamento, com os pulsos e tornozelos imobilizados na cadeira. Quando viu a porta se mover pensou ser o médico, mas para sua surpresa a menina entrou.

Ela aparentava ter uns dez anos e usava um jaleco rosa com um bolso bordado com o nome Olivie. Usava óculos de proteção e tinha um olhar de curiosidade no rosto enquanto lia a sua ficha perto da mesa.

-Aqui na parte de doença diz só "garotinhas". O que fazia com garotinhas? Se perguntar sei que não vão me explicar. - perguntou a menina com sua voz infantil. Aquilo lhe provocou arrepios. Fechou os olhos, esperando que quando olhasse novamente ela tive sumido. Não lhe contaria sobre desejos anormais. Estava naquele hospício judicial, passando por aquele tratamento experimental para ser punido e também para fugir da culpa, mas de alguma forma quando aquela criança lhe encarava era como se a vergonha o envolvesse em um abraço sufocante.

Não sabe quanto tempo ficou de olhos fechados. Voltou a realidade somente quando a voz do médico lhe despertou sorrindo:

-Como estamos indo?

O sorriso daquele médico lhe irritava e causava uma sensação que não sabia descrever. Não era um sorriso alegre ou de compreensão, era a forma como alguém sorri ao se ver preso em uma rotina claustrofóbica sem rota para fuga.

Antes de toda essa confusão envolvendo garotinhas de jaleco e médicos estranhos ele era porteiro de uma escola. Estava perto de muitas crianças pequenas e isso fez brotar desejos que ele tentava há muito segurar. Pensou em trocar de emprego, mas uma parte dele não permitiu. Naquele momento soube que tinha perdido a guerra contra a parte estragada da sua alma.

Seu rosto tinha algo que fazia as crianças pequenas confiarem nele. Por isso sentia elas cada vez mais próximas. Mas sabia que seria muito arriscado se aproximar de uma delas durante o trabalho, por isso se controlava. Ter elas sempre ao alcance das mãos lhe dava uma sensação que não podia descrever. Uma satisfação por saber que passava despercebido dos pais atenciosos e dos professores protetores.

Em seu quarto tinham catálogos de moda infantil e recortava de revistas fotos de crianças para decorar as paredes. Seus pensamentos vagavam enquanto contemplava aqueles rostos doces vestidos com roupas coloridas e com estampa de desenhos . A inocência contida naquelas imagens eram sua fonte de prazer.

Foi por causa de um desses catálogos que estava onde estava. Em um dia de folga, enquanto voltava da banca de revista, viu uma das alunas da escola. A menina voltava sozinha, devia morar perto e devido ao sossego do bairro acharam que não tinha perigo.

-Oi tio. - disse a garota de forma inocente ao passar por ele. Ela estava naquela idade que chamava os professores e outros funcionários da escola de "tios".

Ele quase não consegue responder devido ao nervoso que sentiu estando tão perto dela . Tentou se controlar mas acabou seguindo a menina que entrava em uma rua mais deserta. Depois desse ponto tudo ocorreu muito rápido. Logo estava com as mãos sujas de sangue, antes que tivesse tempo de notar a gravidade do que fez. Balançou a cabeça tentando afastar as lembranças. Pensar nelas pioraria sua recuperação.

-Na mesma. -respondeu sentido os lábios secos, talvez consequência do tratamento ou do isolamento.

-Ainda tem os desejos?

-Não. -mentiu pensando de repente nos seus catálogos de moda infantil. Os sentimentos conflitantes se mexiam dentro de sua mente.

-Então acho que podemos entrar na fase dois. Alguns pacientes demoram a melhorarem dos... desejos. - disse tirando uma seringa da embalagem e colocando uma nova agulha, um pouco depois colocou a medicação- Nessa fase podem ocorrer alguns pesadelos. Mas você não tem a opção de negar o tratamento. -disse o médico rindo mostrando seu lado cruel e seu desprezo. Ele deve ter criado essa personalidade como uma forma de proteção devido ao ambiente. - Vai ficar no isolamento enquanto o remédio faz efeito. Tenho que ver outros pacientes.

Ele realmente não tinha muita escolha. Mas aquele local era ainda melhor do que a prisão. Sabia o que faziam com pessoas como ele nas cadeias. Seu advogado tinha conseguido que ele fosse declarado mentalmente incapaz, por isso conseguiu ir para o manicômio judicial. Mas mesmo lá sentia a hostilidade dos outros pacientes. Por isso não foi surpresa quando ele foi levado para uma área nova e isolada do hospício. Um local que ficava no subsolo para onde eram levados criminosos sexuais como ele.

Sentiu sua cabeça ficar zonza e os pensamentos escorrerem como água. Não sabe quanto tempo passou desde que o médico saiu. Oscilava entre passado e presente. Nas idas e vindas notou que Olivie, aquela criança sinistra, estava de volta. Talvez tenha formado a imagem dela de todos os rostos que viu na escola, ou talvez fosse uma das crianças do catálogo ou uma forma de sua consciência lhe punir. Ela era totalmente diferente da menina que ele agrediu e isso era o que a tornava assustadora.

A menina que ele seguiu pela rua deserta e arrastou para o terreno baldio, onde a população jogava lixo, tinha um olhar inocente,doce, de quem não conhece as maldades do mundo. Olivie tinha o olhar de quem já viu muitas coisas e parecia saber se defender. Era como se o desafiasse e sorrisse ao lhe ver preso, indefeso, na cadeira.

-Você terminará que nem os outros?-perguntou ela naturalmente como quem pergunta se ele também iria para a praia. Se sentou na sua frente esperando a resposta.

Ele apenas lhe olhou assustado.

-O que aconteceu com os outros?- perguntou sabendo que iria se arrepender da pergunta. Sua cabeça pareceu ficar ainda mais zonza.

-A gente testou os medicamentos, depois sacrificou e depois removemos o cérebro para ver se tinha causado alguma alteração.- continuou a menina como se fosse a coisa mais natural do mundo. Levantando os dedos para enumerar os processos, como se isso fizesse parte de alguma apresentação escolar- Conservamos o cérebro no formol e depois fatiamos em fatias fininhas e colocamos em uma lâmina, fixamos o material, coramos e analisamos no microscópio. Ficou tudo coloridinho.

Naquele momento soube que Olivie lhe via como um tipo de experimento.

O pânico tomou conta dele que começou a lutar para se soltar das correias. Era como se devido ao medo já sentisse sua cabeça sendo aberta. Lembrou da menininha que arrastou para o terreno baldio e de como ficou a cabeça dela depois que ele tentou esmagar com uma pedra. Começou a sentir como se levasse várias pedradas na sua cabeça. Apagou e quando abriu os olhos gritou alto para ninguém ouvir, pois a sala era a prova de som.

Materializada no canto da sala viu a menina com a cabeça machucada depois de levar a pedrada. Ela se arrastava na direção dele deixando um rastro de sangue no chão branco. Nas paredes para completar o cenário assustador viu rostos infantis. Eram imóveis como os dos catálogos, todavia choravam lágrimas vermelhas que escorriam formado poças. Fechou os olhos e começou a repetir que não era real.

Não tinha como a menina que ele atacou está naquele quarto. A menininha devia está se recuperando em algum hospital sob olhar atento da mídia que soube do caso. Apagou.

Acordou e estava amarrado em uma mesa de cirurgia. Uns quatro homens de jaleco estavam ao redor. Olivie também estava. A garota lhe olhava de forma ansiosa quieta em um canto.

-Deveria ficar feliz por contribuir com nossa pesquisa. Vai nos ajudar a entender seu cérebro doente.- disse o que parecia ser o chefe da equipe. - Os medicamentos coraram áreas específicas que vamos analisar no microscópio. Achei que merecia saber o que vai ocorrer.

Ele protestou porém ninguém ouviu devido a mordaça.

-Vai ficar tudo coloridinho, vovô . -disse Olivie dando risinhos.

-Isso mesmo, Olivie querida.

Naquele momento teve a maior surpresa não sabia que a garota existia na realidade. Olivie não apenas existia como era neta do chefe da equipe e devia acompanhar os experimentos há muito tempo . Por isso ela devia ser tão bizarra e achar normal cortar o cérebro dos outros.

-Olivie minha querida, o que acha de fazer a incisão e cortar a primeira camada da pele? Lembra o que precisa ser feito? -disse o chefe da equipe o tirando de seus pensamentos.

Olivie levantou os dedos enumerando tudo que seria feito em voz baixa. Pensou em como a vida era cheia de ironias. Ele tinha machucado uma garotinha indefesa e agora estava indefeso diante de uma garotinha. Naquele momento mais do que nunca desejou que Olivie fosse somente fruto da sua mente doentia. Mas o sangue do corte foi muito real.

Temas: Manicômios

Ana Carol Machado
Enviado por Ana Carol Machado em 07/03/2020
Reeditado em 16/01/2021
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