XEQUE-MATE!

Este é o registro de como aconteceu, resolvi escrever para que depois os outros saibam.

Fabrício era um Senhor de família, casado com uma esposa que além de bonita, era educada e gentil com todos, pai de lindo menino de oito anos chamado Felipe. Rapazinho esperto e alegre como todas as crianças nesta idade. Viviam em uma bela e confortável casa, em uma bairro tranquilo da região, cercado de parques e comércios pequenos, onde os vizinhos ainda se conhecem e convivem em harmonia.

Como todas as pessoas que tem tudo, não se satisfazia e queria sempre mais. Empresário bem sucedido do ramo da construção, ao longo dos anos foi percebendo que se adulterasse alguns documentos, fraudasse e superfaturasse algumas coisas, lucraria muito mais e assim fazia sem se importar. O seu sucesso era sempre o mais importante. Sua sede de crescimento e status fazia com que Fabrício se tornasse cada vez mais frio. O trabalho e os jantares de negócios eram seu foco.

Na empresa, todos sabiam de seus envolvimentos com funcionárias, era um homem cheio de fetiches com elas, um deles era amarrá-las e agredi-las, às vezes até pagava pra isso, coisa que jamais faria com sua esposa.

Sua relação com o filho era como com qualquer um, fria, não era presente pra família, não interagia. O menino estava sempre implorando a atenção do pai, porém, este homem preocupava-se muito mais com as aparências, de como os outros o viam.

Como todo perfeccionista metódico, tinha uma rotina e gostava assim. Nunca tinha tempo para o café com a família, gostava de sair cedo para saciar suas vontades em horários alternativos, para nunca estragar sua imagem. Passava diariamente em uma cafeteria próxima a sua casa, onde sua esposa e filho também frequentavam, mas em outro horário. Quase sempre era atendido pelo proprietário, um senhor gentil e extremamente educado. Todo dia no mesmo horário entrava com cara de pouco amigos e sequer dar bom dia:

- um cappuccino e um croissant! – quase ordenava, ríspido e esnobe.

Há dois dias sua rotina foi quebrada, saiu de casa, estacionou seu carro no mesmo lugar de sempre e foi até a cafeteria como de costume, encontrou na porta um cartaz que dizia:

“Estamos em reforma por tempo indeterminado”.

Estragou seu dia, mesmo assim seguiu para a empresa e seus compromissos. O dia passou normal como os outros, entre trapaças e aliciamentos. Ao fim do dia, desceu até o estacionamento do prédio, alarme desativado, porta aberta, não percebeu a aproximação.

Agora o cenário era outro, lugar escuro, sem ventilação, cheiro estranho, sem janelas, entulhos por todos os lados, nada que pudesse ser identificado assim de imediato.

- O que aconteceu? Onde estou? Quem é você? – questionou.

Fabrício despertou atordoado, percebeu que havia sido dopado de alguma forma, estava em pé com braços abertos amarrados por longas mas firmes cordas e pernas amarradas também, porém juntas, em posição de cruz.

A sua frente a poucos metros, uma homem de roupa e capuz escuros, observava sentado em sua poltrona vermelha, logo a sua frente um tabuleiro de xadrez posto para jogo. A luz escassa composta apenas por uma lâmpada fraca acima da cabeça do empresário tornava impossível o reconhecimento do vulto preto que ali estava.

- Caro Senhor, respondendo suas perguntas, você foi trazido porque algumas pessoas precisam ser corrigidas, esta no local onde a vida como conhece mudará. E eu? Eu sou apenas o espectador de sua transformação! – respondeu em tom de satisfação o homem do capuz.

- como assim o que está acontecendo? Solte-me! – gritou Fabrício.

- Acalme-se, o senhor tem todas as peças! – falou o homem virando-se para o empresário, com muita tranquilidade, acendeu um cigarro e enquanto fumava, perguntou:

O Senhor é um bom homem?

- Sim sou um ótimo homem! – respondeu.

Imediatamente após a resposta, o homem começou a passar a chama do pequeno isqueiro na ponta dos dedos de sua presa, que gritou desesperado. Após alguns minutos de tortura, suas mãos estavam repletas de enormes e doloridas bolhas, o lugar agora cheirava a carne queimada.

- Quem e você? Por que faz isso? Socorro! – implorava Fabrício.

- Isto não será nada! Você terá lições maiores! - disse

Com um alicate em punho o homem questionou ao pé do ouvido:

- O senhor acha que seus interesses pessoais são mais importante que o bem estar das outras pessoas? Acha que é permitido fazer tudo em nome de seus objetivos?

- Talvez sim, talvez! _ respondeu gaguejando.

- Talvez? Tem certeza? Talvez? – gritou o homem com raiva.

E com um movimento tranquilo pegou seu alicate, abaixou-se e começou a arrancar unha por unha dos pés de Fabrício, a cada unha subtraída, mais sangue e mais gritos. Urrava com uma dor terrível.

- Sim! – gritou

- Sim o que?

- Sim, vale tudo para alcançar o meu sucesso!

- Hum, interessante! - voltando se para seu tabuleiro e movendo uma peça.

Com estas perguntas, o empresário começou a se perguntar se talvez fosse alguém prejudicado por suas falcatruas, suas fraudes, alguém que talvez tenha ido à falência por sua causa.

- Eu tenho dinheiro, eu pago. Quanto você que pra me soltar?- implorou o empresário.

- Não é sobre dinheiro, você não entende? – esbravejou o homem, apanhando rapidamente um frasco de desinfetante e enfiando garganta abaixo do arrogante.

O tempo estava se esgotando, as mãos queimadas e em estado crítico, os pés dilacerados pelo alicate e agora algo estava rasgando seu corpo por dento. Entre ânsias, engasgos, dores horríveis, Fabrício estava exausto, suor se misturava as lágrimas, a cabeça fervilhando de pensamentos confusos e lembranças que doíam mais que as feridas.

Lembrou da família. Não conseguia entender o que acontecia, o medo de morrer dominou seu corpo, o barulho de seu coração descompassado retumbava em seus ouvidos.

- Fabrício, o senhor foi um bom pai e esposo?- questionou mais uma vez seu carrasco.

- Não, infelizmente, não fui!

- Ótimo! – O homem gargalhando moveu mais uma peça , parecia

assustadoramente satisfeito enquanto o fazia.

Por várias vezes o empresário quase desmaiava, mas seu algoz o queria acordado, enquanto brincava com afiado canivete, rabiscando seu corpo já coberto de sangue. Fabrício já não aguentava mais, estava exausto completamente sem forças e, além disso, um dia já havia se passado.

- Por favor mate-me, eu não aguento mais! Já entendi, não vou sair

daqui, estou morrendo, mate-me logo! – suplicou.

- Matar você, não, não! Eu não vou matar você! Pelo contrário, você é quem tem o poder de escolha. – respondeu o encapuzado homem.

Nesse momento o carrasco subiu uma pequena escada que levava para um cômodo no andar superior, voltou gargalhando conduzindo alguém amordaçado e com as mãos amarradas. A princípio não se podia ver, a pouca iluminação não permitia. Colocou o segundo refém frente a Fabrício , que esforçava-se ao máximo para enxergar o rosto. Aproximou-se, apanhou a lâmpada e foi colocando a luz em direção ao rosto do recém chegado.

- O que é isso? Pare! Pare! Pare por favor! Meu filho você está bem? Fale comigo! O que você vai fazer? - gritava aos soluços o grande empresário.

- Eu? Eu Nada. Quem fara será você! – falou enquanto andava em torno de Felipe.

Era o filho do empresário que estava ali amordaçado e chorando muito, com os olhos apavorados de medo e olhando o estado de seu pai. O menino gemia e se debatia muito como se implorasse por socorro.

- Caro Senhor Fabrício, sempre gostou de ter tudo sob seu controle não é? Pois então aqui está! O senhor decidirá tudo aqui. Lembre-se, terá duas alternativas, não haverá terceira opção, estarei até o fim aqui para garantir que sejam cumpridas. Neste jogo será impossível trapacear ou levar vantagens. – confirmou o raptor posicionando-se em frente a seu jogo de xadrez.

- As opções são: um de vocês dois terá a língua cortada e os olhos perfurado, não falará e nem enxergará mais nada, terá total liberdade de ir e vir, porém sem ver por onde anda e sem comunicação com o mundo que conhecemos. No outro farei uma pequena incisão em uma vértebra e ficará impossibilitado de mexer do pescoço para baixo, poderá falar com todos e verá normalmente, mas estará preso em uma cama para o resto da vida. A escolha é sua, você tem 24 horas! – desferiu o homem com ar de juiz.

Em meio ao desespero que tomou conta de sua alma e o pânico que vinha dos olhos de seu filho ao ouvir tamanho horror, fazia com que Fabrício preferir morrer ao ter de decidir, mas nem isso poderia fazer, já que o homem que vestia preto fora bem claro e morrer não era uma opção. Qualquer fosse sua decisão, a vida de seu filho estaria destruída para sempre.

Até o momento o Sr. Fabrício não chegou a nenhuma decisão, mas ainda restam 11 horas. Enquanto isso continuarei escrevendo, sentado em minha linda poltrona. Tenho bastante tempo, afinal, a minha reforma é por tempo indeterminado.

- Xeque-mate!

TEMA: CÁRCERE PRIVADO