Pai amoroso
A pequena Marcelina ficou alegríssima com o presente. Papai trouxera dois lindos gatinhos. “Mancha” e “Felpudo”, já haviam sido até batizados pela garotinha. Marcelina sabia que não merecia o presente, pois um dia antes havia quebrado a xícara favorita do pai. Já era a segunda coisa que quebrara dele. A primeira foi um vaso antigo, “relíquia de família”, mas da primeira vez ela não ganhou presente, só uma sequência (infinita aos olhos de uma criança) de tapas e socos. O sangue chegou a escorrer da boca de Marcelina, e naquele dia ela lembrou-se da mãe, que poderia não ter ido embora e ficado ali para, talvez, protegê-la. Ela gostava do pai, mas ele era quase sempre bravo e tinha aquele cheiro. A vovó de Marcelina um dia explicou o cheiro: “era cachaça”.
Mas tudo sumiu temporariamente da mente da menina naquele dia.
Marcelina sentia, por alguns instantes, amor ao pai. Brincou com os gatinhos a tarde toda e boa parte da noite. Era um milagre o pai não ter reclamado do barulho. Foi dormir cansada e feliz.
No dia seguinte, Marcelina ouviu o barulho do liquidificador. Papai estaria fazendo uma batida para ela? Aquela semana estava melhor do que imaginava. Correu para a cozinha, para abraçar o pai. Paralisou ao ver a cena: os dois filhotes, miando assustados, presos no copo do liquidificador. O pai olhou para Marcelina, sorrindo: “Você quebrou meus presentes, agora vou quebrar os seus”.
Sonorizado com os gritos da garota, o massacre aconteceu. Os gatinhos foram despedaçados lentamente. Depois te terminar, o pai correu atrás de Marcelina, ameaçando-a de fazer tomar a “batida”. Trancada no banheiro, chorando, Marcelina perdeu ali, para sempre, o amor da tarde anterior.