A TERRIVEL SERPENTE DA CAVERNA.

Salvador, Bahia, ano de 1691. Francisco acorda aos gritos. O tio vem em seu socorro. -"Mais um pesadelo desse menino!!" Os primeiros raios de sol. O leite fresco na mesa do desjejum, ao lado de um pão amanhecido. -" Come, Francisco! O boticário gostou de suas pinturas, disse que vai comprar duas telas suas pra enfeitar a loja!!!" Francisco tinha o olhar distante. Novamente aquele sonho perturbador. -" Sonhei de novo com ela, meu tio! A serpente terrível." O tio se levantou. Colocou o avental nos ombros. Olhou pela janela os casebres da rua de terra. -" Isso é coisa do Demo, Chiquinho!!! Coisa boa num há de ser!!!" Francisco foi atrás do tio. " Dessa vez, vi muito bem. a serpente emplumada é enorme. Tem asas grande e garras. Olhos vermelhos aterrorizantes. Seu grito rasga as colinas e devora as pessoas sem piedade. Uma cobra de dez metros de altura, garras, asas, cheia de penas pontiagudas, uma boca enorme que engole duas pessoas juntas!!! É como um dragão do mal. A serpente só vai morrer com a ajuda poderosa da Virgem, a mãe de Jesus!!! Antes disso, eu devo descobrir seu esconderijo!!!!" O homem ficou triste. Olhou para o sobrinho com piedade. Era a hora de internar o sobrinho num sanatório de loucos. Era preciso. Seis horas depois, Francisco viu o tio Guilherme sair de casa. Estava de terno e chapéu. Seguia rumo ao Pelourinho. O rapaz foi a casa do vizinho Raimundo. -" Mestre Raimundo, sabe onde meu pai foi????" Perguntou com pressa. -"Seu tio me pediu pra escrever seu nome num papel, apenas isso!!!! Escrevi Francisco Mendonça Mar, seu nome Chiquinho!!!" Francisco correu pra casa. Há meses ouvira uma conversa entre o tio e sua sobrinha Ester. Queriam interná-lo num hospital de loucos. Sanatório, era o nome do lugar. Achavam que as visões dele eram alucinações. Desenhava, desde criança, santos e paisagens sacras mas também seres horríveis. Francisco pegou um cajado e saiu da cidade. Deveria fugir e assim o fez. Andou dias e noites até chegar as margens do rio São Francisco. Mais de duzentas léguas de fome e peregrinação. Os pés em carne viva. A sandália de couro toda remendada. A roupa empoeirada. Francisco estava magro, barbudo e cabeludo. Nos povoados onde passava, era confundido com um eremita, um profeta, um santo. O cajado e o crucifixo davam-lhe o ar de um monge. Seguindo o rio, avistou finalmente um morro. Uma massa calcária de noventa metros, acima das águas do rio. -" Mas... é o morro dos meus sonhos!! Meu Deus!!" Exclamou. Correu ao lugar, sorridente. A golpes de facão, abriu caminho na vegetação densa. Francisco caiu de joelhos ao ver a entrada de uma gruta, debaixo do morro. Era um lugar misterioso, grande, um salão enorme aberto pela erosão. As estalactites formavam arabescos, pias, colunas e altares perfeitos. Era como uma das dezenas de igrejas de Salvador, só que de pedra. Cansado, adormeceu. Era noite quando Francisco ouviu um forte rugido. A gruta estremeceu. O jovem se arrepiou inteiro. -"Valei-me, Nossa Senhora!!!" Com os ouvidos colados ao solo, ouvia passos pesados subindo as galerias de pedra. Algo muito grande estava bem abaixo dele. Era a serpente, pensou!!! Avistou um buraco grande. Era naquele lugar que ela sairia, certamente. Francisco saiu da gruta, veloz. Escalou o morro de noventa metros. As mãos doeram com a escalada. Alguns lugares eram muito apertados. Ele se espremia entre os rochedos. Francisco estava seguro. A luz da lua cheia permitiria que visse a serpente, caso ela saísse. Estava a salvo em cima do morro. Assim aconteceu por dois dias seguidos. -" Maldita!! Sabe que estou aqui e quer me devorar. Concluiu que a serpente ficava agitada apenas de noite!!" Francisco desceu e ajuntou muitas pedras, assim que amanheceu. Fechou o buraco por onde a serpente provavelmente sairia. Francisco vasculhou toda a gruta, achando outros salões e galerias. Era um lugar belíssimo, esculpido pela natureza. Uma obra divina. Gotas de água fresca e cristalina caiam milagrosamente dos tetos de pedra. Francisco ergueu um altar na gruta principal. Ele subia ao alto do morro e batia repetidas vezes numa rocha de fonolito, de onde saía um som de sino. Meses depois, a história da serpente e do eremita Francisco se espalhou. Francisco atendia e cuidava de doentes, enfermos e aleijados. A fé na Virgem Mãe de Deus e na imagem do Bom Jesus atraíram centenas de peregrinos. Uma vila se formou em volta do morro. -" A reza do terço tem força para fazer cair as penas da serpente e destruir o animal." Dizia Francisco ao povo. Muitas pessoas ficavam curiosas pra ouvir os gritos da serpente e passavam as noites na gruta. Eram mais fervorosas nas orações após ouvirem a cobra. Francisco foi ordenado padre em 1706. -" Ao fim de cada Ofício de Nossa Senhora, uma pena da serpente cairá. Rezar, rezar, rezar sempre!!! A força do cristão vem da oração!!!!!" Repetia o padre Francisco aos moradores das cidades que ficavam às margens do rio Francisco!! Francisco morreu em 1722. O povoado tornou-se Vila do Bom Jesus da Lapa, em 1890. Milhares de peregrinos visitavam a cidadezinha no interior baiano, até que, em 1936 os padres e peregrinos deixaram de ouvir os roncos da serpente. Inofensiva e atordoada com tanto fervor e rezas, a serpente foi derrotada. Centenas de homens com lanças e machados retiraram as pedras e entraram no abrigo da cobra emplumada. Nada encontraram. Nenhum sinal do corpo da cobra. Por precaução, o bispo mandou fechar a entrada da cova da serpente com grossas grades de ferro. Na gruta principal são rezadas as missas e celebrações. Gotas de água refrescante caem sobre os fiéis como um bálsamo no forte calor. Ainda hoje, os visitantes da cidade de Bom Jesus da Lapa, podem observar, a entrada lacrada da cova da serpente emplumada. Um ser terrível e monstruoso mas vencido pelo poder do Ofício de Nossa Senhora. Amém!!!! F I M

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 25/02/2020
Reeditado em 27/02/2020
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