O Diário de Teresa Maria
 


      Uma enorme porta de aço reforçado. Ferrolho aberto.

    — Nada de objetos pontiagudos... Nada que possa ser usado como arma — o diretor indicava que o acompanhasse por corredores interligados, sucessão de batidas e chaves giradas. Paredes descascadas, cheiro de mofo.

     No salão comprido com janelas altas e gradeadas, um grupo se sentava em círculo. Bem diante de mim: curvada para a frente, largada na cadeira, obviamente bastante sedada, estava a mulher que conhecia de jornais. Estranhei sua debilidade. Casca vazia. Ainda havia sinais de antiga beleza, mas magra demais, parecia suja. Cabelos imundos e embaraçados, unhas roídas e, dava para perceber as cicatrizes nos punhos. Os dedos não paravam de tremer; sem dúvida, efeito do coquetel de drogas. E a saliva incontrolável se acumulava ao redor da boca aberta.

      Teresa Maria era a paciente que deveria avaliar. Não havia tempo a perder: há sete anos, ali invisível. E eu pretendia encontrá-la.
Processo, fichas e históricos. Do diário, apenas partes:
 

 Janeiro, 25
      Não sei por que escrevo isso. Tenho andado meio deprimida. Achei que estava conseguindo esconder, mas Pedro percebeu:

          — Converse comigo — ele pediu e perguntou sobre uma tela.
     — Às vezes, é como se eu estivesse nadando na lama — respondi.
          — Por que não tenta fazer anotações? Pode ajudar.
          — Vou tentar...

      Ele me cobrava e, por fim, apareceu com esse caderninho. Apontei o lápis e comecei. Foi bom.
       Quero tranquilizar meu marido, mostrar que estou bem. Sinto como se... Não vou escrever sobre essas coisas. Vou registrar apenas pensamentos positivos.
          Nada de ideias malucas.
 
        O chão parece pegar fogo, chamas cintilam debaixo dos meus pés. Tiro os sapatos e caminho descalça; como quando era pequena e brincava na rua — no fevereiro em que mamãe morreu.
     Ela era tão magrinha; um passarinho. Cheirava a xampu, hidratante e leve toque de bebida. Que idade teria 29? Mais jovem do que eu agora.
         Que pensamento estranho!
 
       Vi um pardal no vão da janela. Imaginei que tivesse caído do ninho. Não se mexia e fiquei me perguntando se não teria quebrado as asas. Toquei levemente na cabeça dele com o dedo. Nenhuma reação. Cutuquei para virá-lo e... a parte de baixo não estava lá, havia apenas uma cavidade cheia de larvas. Larvas enormes, brancas, gosmentas, contorcendo e revirando... Meu estômago embrulhou...
         Não consigo parar de pensar nisso.
 
 


27
        Gosto dessa mesa da cafeteria, perto da janela. Aqui, desenho ou faço anotações. Mas na maior parte do tempo deixo a mente vagar, deleitando com o frio.
          Vim embora com relutância. Exausta, como se tivesse levado uma surra.  Não temos ar condicionado. Difícil dormir. Ontem comprei um ventilador. Coloquei-o ao pé da cama. Pedro começou a reclamar:

           — Faz muito barulho  — caiu no sono antes de mim. E eu lá, ouvindo o ventilador, um zumbido suave. Consigo fechar os olhos, sintonizar com ele e desaparecer.
         Agora, ando pela casa carregando o ventilador. Essa tarde, levei-o para o quartinho onde trabalho. Ficou suportável. Mas, ainda, quente demais para eu conseguir pintar. Estou atrasada... Nem ligo.
 
        Finalmente entendi o que tem de errado com a pintura de Jesus. Não é, nem de longe, um retrato de Jesus. Nem se parece com Ele — como quer que fosse... Porque não é Jesus.
É Pedro. Não o apóstolo. O meu.
           Sem me dar conta, dei um jeito de botar Pedro na tela. Foi o rosto dele que eu pintei, seu corpo. Não é loucura?
           Agora que sei que é um retrato de meu marido, posso voltar a trabalhar nele. Vou pedir que pose para mim. Espero que não ache que é um sacrilégio ou coisa parecida.
 
 

31
         Pedro e eu saímos em busca da juventude perdida. Depois de passar a noite inteira dançando, bebendo e conversando, fomos, bem cedo, à praça e ele tentou descolar maconha. Os traficantes não estavam lá, para decepção dele. Fiquei me perguntando se o problema não seria que quem mudou foi Pedro.

     Vi um sem-teto na calçada: calça amarrada com barbante, sapatos remendados, rosto inchado. Fedia a suor e urina. Por um segundo, achei que tivesse falado comigo. Mas só xingava — “foda-se”. Dei-lhe umas moedas.

         Não consigo parar de pensar no sem-teto. Será que a mãe dele imaginou que o filho acabaria louco e fedorento, na rua?
          E mamãe. Será que era louca? Por isso fez o que fez? Afivelou o cinto em mim no banco do chevette e dirigiu de encontro àquele muro. Eu gostava daquele carro amarelo. Toda vez que uso essa cor, penso na morte.
       Por que ela fez aquilo? Nunca vou saber. Pensava que foi um suicídio. Agora acho que foi uma tentativa de assassinato. Afinal, eu não estava no carro?... Loucura. Por que ela ia querer me matar?
         A verdade é que todo mundo tem medo. Pavor uns dos outros. Tenho pavor de mim mesma, e da minha mãe em mim. A sua loucura não estaria no meu sangue? Será que eu vou...
         Não. Não vou escrever sobre isso...
 
 

Fevereiro, 1
       Estraguei o clima romântico: perguntei a Pedro se não queria posar para mim.
         
          — Ã-hã. No que está pensando?


          Hesitei, e acabei dizendo que era para o quadro de Jesus.

           — Acho que não... — riu.

         Não me parece que me apoia tanto assim. Antes de conhecê-lo, estava meio perdida. Ele me salvou... Como Jesus. Não importa o que o quanto me aborreça... Eu o aceito como é.
          Até que a morte nos separe.
 
 

3
         Hoje Pedro veio posar para mim. Uma estátua grega. Mas havia algo errado. O tempo todo, eu ficava olhando para os olhos sem vida no retrato dele. Eles olhavam fixamente para mim. Eu desviava o olhar.
             E, eles ainda me observando.

 
 

5
         Odeio ter uma arma em casa. Discutimos outra vez por causa disso. Minha culpa? Odeio ver Pedro chateado, e, no entanto, às vezes, tudo que quero é fazê-lo sofrer, e não sei por quê.
      Entrei em casa com um humor péssimo. Não tenho muita certeza do que aconteceu.
        Eu o encontrei limpando a espingarda. Chateada porque ele não se livra dela, com a desculpa que era do pai dele, blá-blá-blá...             Disse que ele a guarda por outro motivo. Respondeu que não tinha nada de errado em querer segurança. E se alguém invadisse a casa?
          Passamos o resto da noite sem nos falar.
 
       Estou escrevendo no Café. Venho todo dia. Preciso sair. Caso contrário, corro o risco de deixar de existir. Como se pudesse desaparecer.
       Bem que gostaria de desaparecer nessa noite...  Pedro convidou o irmão para jantar. Queria ficar aqui escondida. Mas não vou ter escolha senão encarar a realidade.
 
 

9
             Outra vez no café. Minha mesa foi ocupada. Escolhi outra. Num canto frio e escuro, bem condizente com meu estado de espírito.
         Não quero filhos: corre nas minhas veias o sangue da mamãe...
            A noite passada foi um horror. Pior do que esperava. Mantive as aparências. Pedro precisa saber quem o irmão é na verdade: me beijou à força... e, eu mordi a língua dele com raiva, deixando sua boca cheia de sangue. Quis ser cruel com ele.  Quer pegar tudo de Pedro, inclusive a mim.
           Não tenho medo.
 
 

10
         É meu aniversário.
         Engraçado, jamais imaginei chegar a essa idade. Já ultrapassei a da minha mãe. Dá uma sensação de insegurança, ser mais velha que ela.
       Pedro me acordou com um beijo e rosas. E, sem querer, espetou o dedo num espinho. Uma lágrima vermelho-sangue. Perfeito.
       Nós rimos abraçados.  
 
 

12
          Hoje está mais quente.  Não consigo trabalhar. Culpa do calor? A verdade é que estou com a cabeça longe. Fiquei zanzando pela cozinha, olhando pela janela, sonhando acordada —, e aí notei algo lá fora, ou melhor, alguém. Um homem. Estava do outro lado da rua, na entrada do parque. Alto, forte. Não dava para ver suas feições, porque ele estava de óculos escuros e boné amarelo.
        Tentei voltar a pintar, não consegui me concentrar. Minha mente estava naquele sujeito...
 
 

13
          Discuti, de novo com Pedro.

          — Você precisa tomar cuidado. Confia demais.

Encarei-o sem saber o que pensar. Levei um segundo para responder:

          — Não se meta!
 
        Voltei a ver o tal sujeito. Dessa vez estava um pouco mais distante, sentado num banco.  Mas era ele, dava para ver.
Inquieta, liguei para Pedro. Foi um erro. Deu para perceber que a última coisa que queria era uma ligação minha, apavorada por achar que alguém estava observando a casa. Ou me observando?
 
 

14
            Ele estava lá de novo.
          Logo depois de Pedro sair de manhã, eu o vi mais perto. De pé, no ponto, como se esperasse um ônibus. Quem ele pensa que está enganando?
           Isso está me deixando furiosa; tanto que vou parar por aqui... Posso escrever algo de que me arrependa.
 
 


15
          Pulei da cama assim que acordei. Olhei pela janela, esperando que o cara estivesse lá de novo — assim Pedro poderia vê-lo. Nem sinal. Sou idiota.
 
         Apesar do calor, fui ao parque. Fiquei com a sensação de que havia alguém por perto.Volta e meia olhava para trás, não via ninguém. Entretanto, havia alguém lá o tempo todo. Eu sentia. Estava sendo observada.
          Um calafrio. Corri para casa por instinto.
 
 

16
         Noite péssima. Tentei dormir; não consegui. Ouvi barulho. Olhei para fora e não vi ninguém, mas sentia... Voltei ao quarto, sacudi Pedro. Irritado, não quis conversa e foi dormir no outro quarto.
             Não voltei para a cama. Alerta ao menor som, verificando as janelas.
 
               Pedro desceu pronto para sair. Quando me viu perto da janela, percebeu, contrariado, que tinha passado a noite em claro:

                    — Tetê, senta aqui. Precisamos conversar.
                    — Você não acredita em mim.
                    — Acredito que você acredita nisso.

             Achei que íamos começar uma briga, e fui pega de surpresa:
                    — Você precisa de ajuda. Por favor.

                 Entendi o que queria dizer. Mas o forcei a dizer com todas as letras:
                  — Vou marcar uma consulta para você — estendeu a mão para segurar a minha... E eu queria bater nela ou arranhá-la. Queria mordê-lo, bater nele e gritar: “Você acha que eu fiquei louca? Não estou louca não!
                    Não fiz nada disso.
 

18
              Tive uma consulta com o psiquiatra hoje. Odeio.
              Falei do sujeito me espionando, que me seguiu no parque... O doutor lá sentado com aquele sorrisinho, olhava-me como se fosse um inseto.
           Quando terminei de falar, ele ficou calado um tempão. O único som era aquele cachorro lá embaixo. Eu comecei a sintonizar mentalmente com os latidos e a entrar numa espécie de transe.                       Assustei quando ouvi:

              —Já passamos por isso antes, não é mesmo?”

            Olhei para ele sem entender. Não estava captando direito o que ele queria dizer.

              — Sei que acham que é imaginação. É real.

         — Foi o que você disse da última vez, lembra?  — Não respondi. Fiquei apenas olhando para ele, feito criança desobediente.

         O médico continuou falando, lembrando o que aconteceu comigo após a morte de papai: colapso nervoso, acusações paranoicas que fazia.
              Comecei a perder a paciência:

              — Já entendi. Quer que admita que estou enlouquecendo de novo? Tem alguém me espionando e ninguém acredita!

         O médico não disse nada. Anotou coisas. E prescreveu medicamentos:

            — Por precaução. Para que nada saia do controle, certo? Como acha que Pedro se sentiu na época?  — A ideia de perder meu marido era insuportável. Faria qualquer coisa, até me fingir de louca para não o perder. Então cedi.
         
               Preciso estar preparada.

 
 

21
             Comecei a esconder esse diário. Por quê? Bem, eu tenho sido sincera demais nessas páginas. Não é seguro deixá-lo por aí. Fico imaginando Pedro encontrando o caderninho, tentando resistir à curiosidade, mas por fim abrindo-o e lendo.
             Se descobrir que não estou tomando os remédios, ia se sentir traído e magoado, e eu não aguentaria. É esse diário que me mantém com a cabeça no lugar. Não tem mais ninguém com quem eu possa falar.
                 Ninguém em quem possa confiar.
 
            Não saio de casa há três dias. Digo a Pedro que vou caminhar à tarde. Não é verdade.
             A simples ideia de sair me deixa maluca. Fico muito exposta. Pelo menos dentro de casa, estou em segurança. Sentada perto da janela vejo quem passa.
                Controlo cada rosto que passa em busca do tal sujeito, mas não sei como ele é; esse é o problema. Ele pode muito bem ter tirado o disfarce e passar na minha frente...
                   Pensamento alarmante!
 
 

22
               Nenhum sinal. Não posso perder o foco. Mais cedo ou mais tarde ele vai voltar.
              Tenho que tomar as medidas necessárias: a arma de Pedro. Vou tirá-la do quarto. Deixá-la ao alcance, no armário da cozinha, perto da janela. Assim vai ser fácil pegá-la, se for preciso.
          Parece loucura. Espero que não dê em nada. Espero nunca mais ver esse sujeito. Onde ele está? Espera que eu baixe a guarda? De jeito nenhum. Tenho que continuar montando guarda aqui na janela.
            Continuar alerta.
 

 
23
          Estou começando a achar que imaginei essa história. Pode ser.
       Pedro pergunta como estou. Dá para perceber que está preocupado. Finjo estar focada no trabalho, mas não podia estar mais distante da pintura. Perdi o interesse, não sinto o menor impulso de concluir as telas. Nem sequer posso dizer que acho que um dia vou voltar a pintar. Não sem conseguir deixar essa história para trás.
             Vou confrontar o sujeito.

 

 
24
           Foi estranho e meio assustador sair ontem, depois de tanto tempo. O mundo parecia gigantesco, um espaço vazio ao meu redor.
 
              — Está tudo bem — Pedro afirmou.


             — Por quê? Não estou parecendo calma? — ele só trincou os dentes, chateado.

              Ficamos em silêncio.
 
 

25
             Acabei de ouvir um barulho lá fora. Fui verificar na janela. Vi uma pessoa se mexendo no escuro...
             É o sujeito. Ele está lá fora.
             Liguei para Pedro, mas ele não atendeu. Será que eu chamo a polícia? Não sei o que fazer. Minha mão treme tanto que nem consigo...
             Estou ouvindo... Lá embaixo... Ele quer entrar.
             Preciso sair daqui. Tenho que fugir.
             Meu Deus... Dá para ouvir... Ele entrou.
 
 
 

           Fechei o diário de Teresa Maria e o coloquei na mesa. Fiquei ouvindo a chuva bater na janela, tentando digerir o que tinha acabado de ler.
 
                Nos relatórios policiais constava:
             A vizinha ouviu tiros, ligou para a polícia. Porta da frente aberta; casa, mergulhada na escuridão.  Teresa na cozinha: vestido branco fantasmagórico à luz das lanternas. Parecia não perceber as presenças. Uma estátua de gelo, com assustadora expressão no rosto, como se estivesse diante de terror jamais visto.
             No chão, a arma. Ao lado dela, Pedro sentado, imóvel, preso a uma cadeira por fios que atavam tornozelos e punhos.
Acharam que estava vivo. Até que foi possível ver, sob um feixe de luz, que tinha levado vários tiros no rosto. Os traços estavam transformados numa massa escura, carbonizada e coberta de sangue. Na parede atrás dele, pedaços do crânio, massa cinzenta, cabelos...
                  E sangue...
               Sangue por todo lado, salpicado nas paredes, em filetes escuros no chão, nos sulcos do porcelanato. Deduziram que era de Pedro. Mas tinha sangue demais... Até que alguma coisa brilhou à luz das lanternas — a faca, no chão, perto dos pés de Teresa. Outro feixe de luz revelou sangue em seu vestido. Um dos oficiais pegou seus braços e os levantou na luz. Havia cortes profundos nos punhos — cortes recentes, sangrentos...
          Teresa resistiu às tentativas de salvar sua vida; foram necessários três policiais para contê-la.
                 No dia seguinte, estava numa cama de hospital. Foi interrogada, na presença do advogado. Os lábios pálidos volta e meia tremiam, sem chegar a formar palavras. Não respondeu a nenhuma pergunta. Não era capaz de falar, não queria.
                   Nada disse ao ser acusada do assassinato do marido.
E, eu acreditei na inocência dela... até ler a última página do diário:
 
 

26
             Estou sozinha. Estou escrevendo o mais rápido possível. Não tenho muito tempo. Preciso registrar isso enquanto tenho forças.
Era mais fácil achar que estava louca do que acreditar que fosse verdade. Mas eu não estou louca. Não estou mesmo.
             Pedro entrou na sala e viu o homem com a faca em meu pescoço. Os lábios do invasor se moveram lentamente, com dificuldade; a voz arranhou um pouco ao ser emitida, como uma porta rangendo e precisando ser lubrificada:

               — Dez segundos para decidir... nove... oito... sete...
               — Não acredite nele. Ele vai matar nós dois...
               — Escolha, Pedro... seis... cinco... quatro...
               — Pedro, diga que me ama...
               — três... dois...

             Então Pedro falou. Não reconheci sua voz. Uma vozinha de nada, tão distante — uma voz de menininho —, com poder de vida e morte nas mãos.

               — Eu não quero morrer.

          A faca riscou meus pulsos... Tudo parou. Dentro do meu corpo, todas as células murcharam; células definhando, como pétalas mortas caindo de uma flor. Flores de jasmim pairando no ar até chegar ao chão. Sentia cheiro de jasmim? Sim, suave... 
              Achei que estava morta. Mas não tive essa sorte.
             Abri os olhos. O homem ainda estava lá, amarrando Pedro à cadeira. Sorriu. Levou o dedo aos lábios, para que eu ficasse calada. Sumiu...
              — Tetê... não...

          Continuei em silêncio. Como poderia falar? Pedro tinha me condenado à morte. Mortos não falam.

             Estendi a mão para o armário. Agarrei a espingarda. Quente e pesada na minha mão. Dei a volta na cadeira e fiquei de frente para Pedro. Ele arregalou os olhos.

             — Tetê? Você...

        E alguma coisa tomou conta de mim, uma espécie de selvageria. Eu queria matá-lo, matar ou morrer...
Algo se encaixou no meu cérebro e o quebra-cabeça tinha sido montado. A imagem estava completa.
 
               Um clique. E depois tiros — tão altos que abafaram tudo. Poderia dizer que dei um tiro pelos derrotados, que estava agindo em defesa dos traídos, que Pedro tinha os olhos de um tirano, os olhos de mamãe. Mas não preciso mais mentir. A verdade é que, de repente, ele tinha os olhos do sujeito e aquele sujeito tinha os dele. Em algum momento trocaram de lugar. Eram um.

               Agora consigo ver. Eu jamais estaria em segurança ou seria amada. Não restava mais nada. Minha mãe tinha razão, eu não merecia viver. Eu não era nada. Foi isso que Pedro fez comigo.

                   Eu não matei Pedro. Foi ele quem me matou.

                   Tudo que fiz foi puxar o gatilho.



Tema: transtornos mentais


 
Fheluany Nogueira
Enviado por Fheluany Nogueira em 17/02/2020
Reeditado em 26/10/2020
Código do texto: T6868222
Classificação de conteúdo: seguro
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