O corpo sobre a mesa
Robert chega em casa depois de um dia cansativo e exaustivo a procura de emprego, que mais uma vez, foi em vão. Era ele um homem corcunda, magro e pálido que aparentava ter muito mais que os seus trinta anos. A sua coluna envergada lembrava as costas de um diabo enlouquecido para bater suas asas de pele e osso.
Sentados nos tocos da mesa da cozinha, a esposa de Robert, ao qual se chamava Jandira, e seu filho, Jacob, enquanto sua avó incapaz de andar, numa cadeira de rodas enferrujada estava, viajando os olhos aos redores. Sobre a mesa havia uma sopa de água salgada e alguns pés de galinha. As pupilas deles refletiam a fome e a miséria.
Por alguns segundos silenciosos a espera de uma palavra de bom grado aos ouvidos pode-se ouvir os roncos dos estômagos famintos ecoando pela cozinha. Robert, desapontado inventou-lhes mais uma de suas mentiras insignificantes. Ele não estudara na infância e seria difícil encontrar um local que contratassem um escravo como dizia indiretamente em seu currículo que baseava-se numa lista vazia onde apenas o seu nome e outras coisas sem relevância tomavam o papel. No final, escrito em negrito “faço de tudo”.
Enfurecido por mais um dia de fracasso e fome Robert seguiu adiante da cozinha (ainda calado) abriu a segunda gaveta do armário e retirou de lá a faca mais afiada da casa, nunca usada. Ele apoiou o braço sobre o balcão de pedra e deu-lhe a primeira facada. Seu grito ecoou pelo pequeno casulo que chegou a estremecer os cabelos crespos da cabeça. Sequer chegou na metade do osso aquela primeira facada. A mulher, o garoto e a velha desanimados e famintos demais para apontar quaisquer sinais faciais de espanto observaram os três golpes seguintes dados por Robert até que seu braço não fizesse mais parte de seu corpo.
Segurando o braço como um simples pedaço de carne, Robert o temperou, cortou-o em fatias, colocou em uma panela de pressão e cozinhou.
Ainda sangrando o homem pegou um copo e colocou embaixo das goteiras vermelhas que escoavam do resto de braço que sobrara. Ele repartiu igualmente o ensopado de braço nos pratos, colocou-os a mesa, se sentou, e alimentou a fome de sua família mais uma vez.
Dia seguinte Robert seguiu a procura de emprego pela centésima vez. Já havia alguns meses que não restava mais nada em sua casa para vender a não ser a roupa do corpo. Pensando sobre isso, Robert a caminho de um bazar tirou as roupas do corpo e as vendeu por alguns centavos. Minutos formaram as horas e as horas deram por trazer o anoitecer. Mais uma vez o homem voltaria a casa sem ter o que falar. Dessa vez pretendia arrancar a perna direita, não podia ser mais um braço, seria tolo.
Robert então pegou um facão que de herança chegou a pertencer ao seu tataravô, e sem muito pensar com sua perna apoiada sobre o balcão cortou alguns pedaços delicados da coxa. Então ele temperou e jogou numa panela grande. A carne era dura e levemente preta, com um cheiro de embrulhar os estômagos cheios.
Após todos comerem, ainda olhavam para Robert com um olhar de piedade e fome. O homem por muito amor a sua família, retirou do bolso uma maçã que havia comprado com os trocados que ganhara vendendo suas roupas, e, ainda nu, deitou-se na mesa da cozinha com a maçã na boca. Ele ergueu o facão e o apunhalou no peito.
Comeram-lhe os olhos, bochechas, orelhas e todo o resto. Robert era magro demais, não havia muita carne ali, a vida lhe retirara muito, mas ainda sim a família enfim estava completamente saciada e com certeza de estômago agradado.