Negócios como de costume

A noite ia alta e sem lua, as ruas mal iluminadas junto ao rio Forth tomadas pela neblina. Era um péssimo momento para alguém transitar por aquela área degradada de Edimburgo, principalmente porque Lauchlan MacLeod estava à caça. Havia feito a ronda habitual pelas portas das tavernas, mas não vira ninguém suficientemente bêbado nas cercanias para abordar; já estava pensando em ir para a Cidade Velha quando finalmente sua atenção foi despertada por um tipo que cambaleava, apoiando-se nas paredes da viela. Aproximou-se, falando em voz alta para não despertar suspeitas.

- Parece que você tomou todas, hein patrão?

O sujeito ergueu a cabeça e o encarou, rosto lívido. Era jovem e sim, devia ter bebido muito. Perfeito. As roupas eram de boa qualidade. O que estaria fazendo na pior parte da cidade?

- Bebida de má qualidade... - resumiu o rapaz. - A pior que jamais tive o desprazer de provar, em toda a minha vida...

Cuspiu na calçada.

- Mas eu perdi a aposta, então... não posso me queixar!

E apontando um dedo oscilante para Macleod:

- Onde consigo um maldito fiacre para sair desse labirinto de ratos?

- Xi, patrão - redarguiu MacLeod com falsa empatia. - Fiacres não costumam passar por aqui nem de dia, quanto mais à esta hora da noite. Mas posso lhe acompanhar até um lugar onde os cocheiros costumam parar para comer... deve haver algum por lá.

- Faça isso... - balbuciou o rapaz - e lhe dou um xelim!

- Com muito prazer, patrão. Me dê o seu braço - sugeriu MacLeod.

Devidamente amparado, o rapaz seguiu o suposto guia rua abaixo. Algumas quadras depois, pararam em frente à uma casa de aparência arruinada, onde havia luz na janela que dava para a rua.

- É aqui - anunciou MacLeod.

- Não estou vendo nenhum fiacre - resmungou o bêbado, olhando ao redor.

- Nem sempre eles os deixam aqui na frente. Mas vamos entrar e ver se algum cocheiro se encontra lá dentro...

MacLeod bateu duas vezes na porta. Uma mulher mal-encarada abriu.

- Meu amigo está procurando um cocheiro - declarou Macleod.

- Um cocheiro? - A mulher pareceu surpresa. Depois, lembrou-se de algo. - Sim, temos um cocheiro jantando aqui. Podem entrar e aguardar ele terminar.

- Vai ser bom... - ponderou o bêbado. - A noite está fria.

Entraram. De fato, havia um homem comendo um guisado à mesa, próxima da entrada. Ele os saudou com uma inclinação de cabeça.

- Sentem-se - disse a mulher. - Também vão cear?

Os recém-chegados declinaram, e apenas o rapaz sentou-se, apoiando os braços sobre a mesa. O outro homem continuou a comer, encarando-o com fria curiosidade. Em dado momento, fez um aceno de cabeça. Era o sinal que Macleod estava esperando.

Ele aproximou-se sorrateiramente por trás do rapaz e rapidamente passou-lhe uma corda em torno do pescoço. Antes que a vítima compreendesse o que estava acontecendo, o algoz já estava enforcando-o.

* * *

O fiacre parou em frente à residência do Dr. Vincent Mitchell, anatomista, cerca de duas horas antes do nascer do sol. Não houve testemunhas quando dois homens desembarcaram transportando um saco oblongo sobre os ombros. O que ia à frente bateu duas vezes à porta do médico. Precisou repetir o gesto outras duas vezes antes que finalmente o próprio Mitchell abrisse, de roupão e gorro cobrindo a cabeça.

- Vocês poderiam ter vindo mais cedo - resmungou.

- Demoramos, mas vai gostar do que lhe trouxemos hoje, doutor - anunciou alegremente MacLeod. - Está em muito bom estado!

- Esse aí vale pelo menos dez libras - comentou o parceiro de Macleod, Rennie.

- Isso veremos - retrucou o médico. - Levem para a sala de autópsia.

O corpo no saco foi levado até o local indicado e colocado sobre uma bancada de pedra e tijolos que servia como suporte para dissecação de cadáveres. Finalmente, Rennie retirou o cadáver, puxando-o pelos pés enquanto MacLeod segurava a ponta do saco.

- Pronto, doutor! É todo seu! - Exclamou MacLeod.

O médico, que estava colocando um avental de couro, virou-se então para olhar para o corpo nu. Sua boca abriu-se, mas sem emitir nenhum som a princípio.

- O que vocês fizeram, seus desgraçados... - conseguiu pronunciar por fim.

- O senhor não tem o direito de nos chamar assim - replicou Rennie.

Mitchell apontou para o corpo sobre a mesa de pedra.

- O meu filho... vocês mataram o meu filho!

Rennie e MacLeod entreolharam-se.

- E como íamos saber? - Indagou friamente Rennie. - Nós nunca vimos o seu filho antes!

- O senhor ainda nos deve dez libras - lembrou MacLeod, braços cruzados.

- [05-02-2020]