Gargarejo

Leonardo morava sozinho no apartamento que era de sua avó. Em uma noite quente de janeiro, começou a ouvir um estranho barulho. No primeiro minuto ele não conseguia associar com nada que já ouvira antes na vida, mas logo era capaz de descrevê-lo como um gargarejo intermitente. Normalmente ele não ligava para esse tipo de coisa, mas uma estranha premonição tornava esse som assustador. Consequentemente, isso o irritou muito.

Ele saiu do apartamento, tentando identificar de onde vinha o som. Parecia ser do vizinho ao lado. Vivia ali há pouco tempo, não sabia quem morava à sua direita. Bateu, já furioso, pedindo para parar aquele barulho, mas não obteve resposta. Bateu de novo, e começou a falar mais alto, e depois gritar, conforme aquela sensação ruim ficava mais forte e a raiva se intensificava.

Ouviu uma porta atrás de si abrir, mas não se virou. Provavelmente era outro vizinho atraído pelos seus gritos. Leonardo continuou batendo e chamando, e o gargarejo que ouvia não cessava. Por dez minutos chamou o vizinho, sem prestar atenção no que as pessoas, que haviam saído do apartamento curiosas ou com medo, falavam ao seu redor. Finalmente alguém tomou coragem e tocou em seu ombro.

- Vizinho, eu acho que...

- Não quero saber o que você acha!

Para dar um ponto final à história, ele deu uma pancada na porta com toda a força. Ela não era muito resistente, então se abriu sem dificuldade. O apartamento estava completamente vazio, sem móveis, cortinas, quadros, nada. Correu por todo ele, procurando de onde vinha o som, mas o gargarejo vinha de toda a parte. Foi ai que se deu conta: aquele som estava na sua cabeça.

Pediu desculpas aos vizinhos, inventou uma desculpa qualquer, e tentou dormir. Não conseguiu ignorar aquele som, entretanto, cada vez mais angustiante. Como último recurso, de madrugada, resolveu sair e dar uma volta. Caminhou por alguns minutos, o som na sua cabeça não se alterava. Não havia muita gente na rua, mas vez ou outra cruzava com um estranho.

Finalmente, o gargarejo ficou mais intenso, e pareceu vir de uma direção específica. Ele olhou, e viu uma mulher no final da rua em que estava. Não havia mais ninguém ao redor. Ela andava bem devagar, por ter as pernas e os braços tortos, de costas para ele. Usava um pijama rosa, sujo de terra e sangue.

- Hei, moça! - Leonardo chamou. O gargarejo parou de repente. Por um instante ele desejou que o barulho voltasse, porque o silêncio era mais assustador. A cabeça da mulher virou cento e oitenta graus de repente, fazendo um estalo alto. Seus olhos vermelhos fitaram os de Leonardo. Sangue escorria de sua boca.

- Onde está o meu bebê? - Ela gritou, com uma voz estridente do tipo que tortura os tímpanos de quem ouve. Leonardo hesitou por um instante. Tremeu, sem saber se era uma reação ao medo ou se esfriou de repente. Fez o que qualquer pessoa normal faria em uma situação dessas: fugir. Deu as costas para a mulher e começou a correr. O coração batendo mais forte. A visão embaçou. Tentou gritar, mas a voz não saiu. Zonzo, olhou para trás após correr meio quilômetro, e viu que a mulher o perseguia, correndo de costas, gemendo como que de dor, com a cabeça virada em sua direção, as pernas tortas davam a impressão de que cairia a qualquer momento. Mas ela não caia. E corria muito rápido.

Leonardo entrou em um beco escuro. Descobriu-o sem saída. Nervoso, virou-se para voltar, mas sua perseguidora já estava na entrada. Subiu em uma lata de lixo e pulou o muro. Esse dava em uma casa de três andares, abandonada. Entrou pela janela e subiu as escadas. Ao alcançar o terceiro andar, olhou para baixo, para ver se ainda estava sendo perseguido. Respirou aliviado por um instante, mas a luz do luar que entrava por uma janela iluminou um vulto cruzando os primeiros degraus da escada. Correu para um quarto. Virou-se para fechar a porta, a mulher já estava parada no batente. Gritando, correu para a janela e pulou.

***

Ao acordar, estava deitado de costas na grama. Não sentia dor, não sentia nada físico, apenas medo. Parecia não ter passado muito tempo. Só conseguia mexer levemente a cabeça e o pescoço, o resto do corpo parecia paralisado. Conseguiu olhar para frente, para ver a mulher entre suas pernas, enfiando uma mão para o interior do seu corpo, revirando seus órgãos, como que procurando alguma coisa, e repetindo algumas vezes a mesma frase em um frenesi selvagem, enquanto sangue escorria de sua boca, emitindo um som de gargarejo toda vez que ela falava:

- Onde está o meu bebê?

Ele fechou os olhos, sem forças, entregando-se sua alma àquele a quem todos nós haveremos de dar contas. Finalmente, a mulher encontrou o que procurava, puxando carinhosamente um pequeno bebê no segundo mês de gestação. Ela o aninhou em seu colo, amorosamente, e saiu dali devagar, sem gargarejar mais. Leonardo, nascido Beatrice, não sabia que estava grávida.