Num lugar imundo

Túlio estava sentado na poltrona da sala. Com os olhos vertidos em lágrimas contemplava a estática da tv ligada. A decisão já havia sido tomada, faltava-lhe apenas a última descarga de “coragem” para alcançar o vidro de sonífero tarja preta que estava a sua frente para acabar de vez com a dor.

Flexionou o braço em direção ao medicamento mas lembrou-se da filha pequena de 2 anos e regrediu. Pensou em como ela seria criada sem pai. Isso seria muito traumatizante?

—Não, não. Ela tem a mãe dela. Ademais sou um bosta, não serei o espelho que ela necessita para crescer com integridade. Racionalizou Túlio.

A mulher o trocara por outro a pouco tempo. Seu carro havia sido roubado no mês anterior. Ele estacionou do lado de fora de um supermercado e alguém quebrou o vidro do motorista, entrou, fez ligação direta e se mandou. E para completar essa torta de desastres fora demitido do cargo de gerente de sua empresa.

Prevendo que poderia fraquejar na execução do seu propósito, e com as mãos tremulas do pranto, tomou o vidro de assalto e despejou as pílulas goela abaixo. Sentiu um nó obstruir sua garganta e logo tomou um belo copão de água para que aquela morte em forma de cápsulas pudesse chegar ao seu estômago.

Passado um punhado de tempo, o primeiro sintoma que o homem notou foi um suadouro. Ao menos ainda não havia dor, pensou ele. Tratou de passar os dedos na fronte e arremessar aquela água salgada para longe. Correu para o quarto e se jogou na cama. Queria ser encontrado ali.

Já deitado, constatou uma movimentação estranha no abdômen. Sentiu-se fraco. O suor ficara gelado e mais abundante. Estava ensopando. E de repente iniciou-se uma série de “pontadas” estomacais. Eram como espetadas de uma faca bem afiada. Começou a urrar em agonia.

Se contorcendo em um episódio de tetania, segurou firme nas almofadas e flexionou-se involuntariamente para cima gritando.

—Como dói morrer. Meu Deeuussss. Ao menos será a última dor que sentirei. Vociferou o homem, mesmo em tamanha tortura.

De repente, a força que ainda possuía para se contorcer e resfolegar foi sumindo aos poucos. A dor foi se atenuando. Sentiu o corpo leve. Relaxou. Foi ficando leve e mais leve. E o ambiente foi se embotando em um breu absoluto.

Num último suspiro de vida, sorriu, e fitando a lâmpada do quarto fechou os olhos. Finalmente livre de tudo..... E tudo se tornou preto. Só preto.

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Sentindo imenso frio, como se estivesse submerso numa piscina. De repente abriu os olhos:

—Como assim? Pílulas de merda. Pensei que funcionariam. Onde estou?

Túlio estava deitado no que parecia ser um tipo de floresta pantanosa. Coberto por uma lama fétida. Era como se tivesse despertado dentro do esgoto da cidade mais podre do mundo. A vegetação era rasteira e escassa. As arvores sem folhas, como cabelo em cabeça de calvo, uma aqui e a outra acolá. O ar pútrido, denso e pesado. Como se mil corpos dissecassem ao ar livre.

O homem se levantou da poça de lama e observou seu corpo. Estava com a mesma roupa que usava antes de tomar os comprimidos, com a diferença que estava toda borrada de lama fedorenta. Mas que local era aquele?

—Como vir para aqui? Pensou Túlio intrigado.

Começou a andar pelo lugar. E tudo que os olhos alcançavam era a mesma vegetação rasteira, lama, muita lama, caules contorcidos sem folhas e alguns urubus sobrevoavam os céus. Parecia realmente uma grande floresta terminal, por assim dizer. Até que de repente avistou, há metros de distância, outro ser humano. O homem parecia andar a esmo. Sem trajeto definido.

Túlio:

—Eiiii, socooorro, ei você aí. Gritou ele enquanto corria em direção ao avistado.

O homem pareceu ouvir. Se virou para Túlio, parou e ficou a esperá-lo. Ao se aproximar, Túlio tomou um susto. O tipo também estava todo sujo e com uma grande mancha vermelha na blusa branca. Na direção do peito.

— Senhor, me ajude por favor. Que lugar é esse? Eu não deveria estar aqui. Na verdade, pelo que fiz, eu não deveria estar em lugar algum.

Com um olhar perdido o senhor respondeu:

— Não posso te ajudar amigo. Tudo que me lembro é de atirar na minha esposa e depois pressionar meu revólver 38 e disparar contra meu peito.

Os homens miraram um no olho do outro. Assustados. Naquele momento tiveram um lampejo de consciência do que realmente era aquele lugar.

Leonardo Castro
Enviado por Leonardo Castro em 02/02/2020
Código do texto: T6856713
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