A RODA DA VIGANÇA

A Roda da Vingança

Sabe aquelas histórias que você ouve e sempre diz: "Isso nunca vai acontecer comigo?", então foi assim que Laura Wendeney morreu. Laura era uma jovem retraída, mais uma daquelas jovens que buscam se encaixar em algum lugar. Ela já foi da igreja. Já frequentou terreiros, centros espiritas e até os Rosa Cruz. Mas nunca se encaixou.

Na escola Laura era a estranha. Gostava de rock, vestia negro e era a comportada. Suas amigas saíam com rapazes, mas ela nunca namorou. Se formou sem nem ao menos ter sido tocada por um rapaz. No trabalho não se enturmava e achava difícil se comportar como aquelas mulheres. Mas sua vida mudou quando ela conheceu a internet.

A tímida Laura resolveu ligar a câmera do celular e fazer um vlog na internet. Ninguém esperava que seus lamentos, receitas de comida, dicas de filmes, livros e maquiagem iriam lhe dar tanta fama. Em um ano Laura conseguiu criar uma massa de seguidores. Conseguiu contratos, patrocínios e se tornou uma celebridade da internet.

Laura era do tipo questionadora. Lia e via os noticiários e sempre achava que tudo ali era sensacionalismo, ou que nada daquilo poderia acontecer com ela. Isso mudou na sexta-feira dia 13 de julho de 2018. Uma das lojas de maquiagem que a patrocinava deu uma festa. Laura era a pessoa mais aguardada do evento. Tudo estava lindo. Luzes, musica eletrônica e muitas celebridades da internet e da tv.

A limousine que trazia Laura estacionou. Ela desceu. Uma chuva de flashes caiu sobre ela. A tímida Laura sorriu e entrou. Lá dentro mais fotos e entrevistas. Seu look era bem diferente do da época de escola. Todos queriam ser como ela. Laura sentou no bar e foi abordada por um rapaz desconhecido. Eles conversaram e se conheceram. Naquele momento ela ativou seu "modo defesa" e lembrou de tudo que já tinha visto e lido. Não dar atenção a estranhos, não deixar seu copo dando mole e que mulheres vivem com medo no Brasil. Laura balançou a cabeça e riu. Isso é sensacionalismo, pensou.

Horas mais tarde Laura acordou atordoada. Seu vestido estava sujo de sangue. Sua vagina doía e latejava. Onde ela estava? Seria um motel? Um quarto? Uma casa? Ela levantou desesperada. Saiu do quarto e viu que ainda estava no mesmo lugar da festa. Estava descabelada e imunda. Lentamente sua memória voltava. Flashes de momentos tenebrosos iam e vinham. Ela pegou o celular e ligou para o pai.

Mais tarde em sua casa, depois de um bom banho e uma boa refeição, Laura se arrependeu de não ter dado ouvidos a seu pai. Chorou arrependida por não ter seguido as suas orientações. As lembranças daqueles momentos não saíam de sua mente. O rapaz que conversou com ela no bar derramou algo em sua bebida. Laura ficou fora de si. O rapaz a levou para o tal quarto e a estuprou.

Foi a pior forma de se perder a virgindade. E Tudo aquilo graças a desobediência, a desconfiança e a falta de bom senso. Se ela acreditasse mais no que via e lia... Laura estava errada, sabia que tinha "dado mole", mas queria vingança. Ela usou seu canal para denunciar o que aconteceu. O vídeo viralizou e a noticia correu rápido. A patrocinadora e a casa onde ocorreu a festa colaboraram para identificar o agressor.

O autor do crime foi identificado como Luis Alberto Hiass, outro artista da internet que tinha uma história parecida com a dela. Mais um jovem complexado em busca de seu lugar na sociedade. Ele negou o crime e mesmo com todo o material genético, imagem das câmeras e testemunhas, Luis seguiu solto. Tudo por que ele era sobrinho de um grande politico.

Laura foi vencida pela justiça. Mais uma das coisas que ela relutava em acreditar que acontecia aconteceu com ela. Como pode um cara desses não ser preso? Existia uma forma de se vingar. Se não for pelos homens terá que ser por...

Toda de preto, Laura foi até uma encruzilhada. Era quase meia-noite. Ela ajoelhou e depositou os itens que comprou e preparou. Nunca imaginou que teria que passar por aquilo. Colocou a ponta da faca em seu umbigo e fez uma prece sinistra. Ao terminar falou: "Eu fui traída pela justiça do homem, mas a sua será de grande ajuda. Fui estuprada e o culpado está livre por que tem dinheiro e status. Dou o que quiser para que a justiça seja feita."

Sete dias depois Laura viu no noticiário que Luis havia morrido de forma brutal. Ela riu e se sentiu vingada. Luis foi atropelado por um ônibus e esmagado por um caminhão. O noticiário ainda disse que Luis estava sobre o efeito de drogas e álcool. Laura gargalhava. Foi ao cinema para comemorar. Fez um vídeo fingindo estar triste e ganhou ainda mais seguidores. Criou a hashtag "Não tema o tempo todo" e viralizou na internet. Sua vingança estava cumprida. Seu status subiu ainda mais.

Mais sete dias se passaram. Era 8 horas da manhã. Uma menina foi até sua casa. Laura estava acordada e resolveu atender a menina. Era a irmã mais nova de Luis. A menina disse que Luis era um jovem complexado, mas que era muito bondoso e fã de Laura. Mostrou fotos do quarto dele cheio de posteres e imagens da moça. Laura ficou chocada, mas não menos culpada. A menina se despediu.

Meio-dia. Laura estava em casa escrevendo o roteiro de seu próximo vídeo. Colocou algo para esquentar no microondas e a comida explodiu. A moça estranhou, pois não havia nada de metal ou alumínio lá. O prejuízo ficou. Laura pediu um lanche e voltou a escrever.

16 horas. A tímida Laura estava entediada e resolveu dar um passeio. Acabou dentro do cinema. Depois do filme fez um lanche, tirou fotos com fãs e concedeu uma pequena entrevista, onde dizia estar triste com tudo que aconteceu.

22 horas. Laura estava chegando em casa. O carro de aplicativo em que ela estava virou a esquina e se deparou com um arrastão. Os bandidos cercaram o carro, fizeram ela descer e levaram todos os seus pertences. Laura teve que prestar queixa e chegou em casa arrasada.

23 horas. Laura finalizou a compra de um celular novo pela internet. Foi no banheiro e quando sentou novamente a luz acabou. A casa dela estava completamente escura. Ela aguardou. Fez um vídeo com uma câmera velha para mostrar a situação e matar o tédio. Sentou na sala, ascendeu velas e esperou.

23 e 35. Nada da luz voltar. Laura pôs uma roupa, pegou uma lanterna e desceu para aproveitar o frescor da rua. A lua estava cheia. Muitas pessoas pensaram como ela e sentaram nas calçadas. Laura sorriu e caminhou sem rumo.

10 para meia noite. Laura passava pela encruzilhada em que havia feito a vingança. Parou, agradeceu e sorriu pensando na vitória. Atravessou a rua e seguiu em frente. Andou uns cem metros e se preparou para atravessar mais uma rua. Pôs o pé fora da calçada e um carro em alta velocidade quase a atropelou. O coração disparou e ela respirou fundo. Quando soltou o ar sentiu a facada.

00h05 Laura estava estirada na calçada. Seu sangue empoçava o lugar. A pessoa que a esfaqueou abaixou na sua frente e tirou a touca ninja. Laura tentava respirar, mas o ar não vinha. Era a irmã de Luis. A menina sorriu, mostrou a faca e a enfiou mais três vezes no corpo de Laura. A vida de Laura se apagou com a luz da lanterna.

00h10 a irmã de Luis correu para atravessar a rua. O carro que quase atropelou Laura voltava. A menina não viu o carro apagado se aproximar. O veículo a jogou para o alto. A irmã de Luis rodopiou no ar e caiu de cabeça no chão. A massa cefálica esmagada enfeitou o asfalto. A morte foi instantânea.

100 metros atrás, mais precisamente na encruzilhada, uma figura negra com olhos de fogo abria suas asas e gargalhava. A roda da vingança continuava.

Erich Noronha
Enviado por Erich Noronha em 31/01/2020
Código do texto: T6855190
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