A PROCISSÃO DOS MORTOS
Era uma noite ainda assim lembro,
Noite de chuva e forte temporal
Um dia qualquer fora em Setembro
Passara em minha casa o funeral
Ouvi o dobrar do sino na capela,
Meia noite eu então presumia,
Detrás do vidro da velha janela,
Assim essa marcha se resumia
Fitei curioso o que então acontecia,
Se este finado era conhecido,
A multidão calada assim prosseguia
Neste cortejo tão emudecido
Desci as escadas como em correria
Para seguir o ato fúnebre
Na última homenagem a melancolia
Neste tropel tão lúgubre?
Juntei-me ao grupo que ia calado
Seguia em canto a procissão
Em respeito a esse morto finado
Calava-se a voz da multidão!
Porém uma senhora bem pequena
Ao acaso me indagou
Com fronte enrugada, mas serena
Sem respirar exortou:
-Por favor, permita acender a vela
Que ampara a alma peregrina
Acenda em prece faça com que ela
Ilumine do morto a tua sina!
Segui o conselho desta senhora
E como o cortejo já parara o canto
Ao consultar no relógio à hora
Próximo já estava do campo santo
Entrando nos portões do cemitério
Todo o grupo desapareceu
Estranho fato de imenso mistério,
Porque isto assim ocorreu?
Percebi que longe então luzia
Uma débil e fraca luz,
Vi que era um círio que ardia
Próximo a uma cruz
Era um túmulo velho e esquecido
E no epitáfio estava um retrato,
Talvez eu houvesse enlouquecido
Mas a verdade era um fato!
Diante de mim este rosto familiar
Era daquela velha mulher
Que morta há uma década secular
Deu-me essa vela qualquer!
Um calafrio imundo me fez tremer
Em horror banhar o existir
Em passos largos ao lar fiz volver
E desesperado quis dormir!
Deite-me e com medo dormi,
Sem pesar no pesadelo inconsciente
Quando acordei tão logo percebi
Que esta vela era um fêmur de gente!