A loira do estacionamento.

As festas na boate Mademoiselle, que fica no centro, sempre são “aposta certa” em diversão. Elas são Psicodélicas, hits do momento, do Soul ao FUNK. E é claro, tudo regado a muita cerveja, caipirinhas, drinks com nomes de celebridades hollywoodianas (Nicole Kidman?) e um espetáculo cacofônico de fumaças e luzes, de todas as cores, saindo de todos os cantos possíveis na pista de dança.

John, sabia a hora certa de abandonar o copo quase sempre se guiando pela sua visão embriagada. Estava tão saturado de álcool, e algumas outras coisinhas para dá “aquela brisa”, que sua retina estava entregando imagens borradas e embaralhadas das pessoas a sua volta. Estava muito bêbado. Decidiu ir para casa naquele momento e, como precisaria dirigir, prostrou as mãos em posição de súplica como se pedisse a Deus que permitisse a ele que chegasse vivo em casa.

E foi se despedir dos dois amigos que o acompanharam por toda a noite: Bruno e Fernando.

Bruno, o mas introvertido dos três, estava no meio do “frevo” na pista de dança principal, mas não dançava. Ele estava apenas realizando pequenos movimentos sutis meio que para simular uma dança descontraída e um belo copo até o topo de caipirinha despontava de sua mão. Já Fernando dera mais sorte. Estava com uma linda morena, com quase nada de roupa, em uma dança frenética que exigia corpo colado e muita sincronia.

John se despediu dos amigos com um abraço desajeitado com direito a batidinha nas costas. Bruno balbuciou com voz pastosa: — cuidado e mande mensagem assim que chegar!!

A grande boate era composta de três salões conectados por corredores. O salão dos fundos é a pista de música retrô. Se quiser voltar ao passado no melhor estilo este é o lugar certo para você. O salão do meio, o maior, configura a pista principal. Que não se prende a estilo ou década, toca de tudo. Acredite se quiser: Até gospel eletrônico. Já o salão de entrada é exclusivo ao FUNK e suas variações. Todas as pistas possuem isolamento acústico entre si e DJS próprios.

O grande estacionamento fica na frente da Mademoiselle club. Apesar de que esteticamente seria interessante se ficasse no fundo.

John seguiu em direção a saída. Quase sem domínio motor atravessou o corredor tentando disfarçar seu estado deplorável, mas a sensação que tinha era que não obteve êxito pois notou que algumas pessoas paravam a coreografia para o fitar com um ar de deboche. Naquele momento teve certeza de que estava se movendo no mínimo de um jeito estranho. Mas para o inferno com isso. Não estariam todos ali também densamente alcoolizados? É claro que sim.

Ignorou os olhares e se concentrou em sair logo do interior do local. Já do lado de fora deu um estirão de caminhada e parou por alguns instantes e esfregou os olhos, numa tentativa pífia de angariar alguma nitidez, e apertando-os com determinação mirou o relógio: eram três da madrugada. Nesse instante se sentiu velho, mesmo aos 25 anos. Lembrou-se duma época não tão distante que saia dos lugares somente quando os seguranças já estavam a expulsar todos Lá pelas sete ou oito.

De olhos fechados, enfiou a mão nos bolsos na ânsia de encontrar a chave e sair logo da li. Logrou êxito e seguiu em direção a seu corsa azul que estava a dois metros a sua frente.

Quando ia destravar o carro escutou uma vozinha meiga e delicada a chorar. De imediato e instintivamente deu um pulo e se voltou para traz: — Que susto!! Como não a notei?

O que John viu lançou chamas em seu coração e expulsou para longe toda a embriagues que minutos antes lhe causara tanto constrangimento e lentidão.

Uma linda moça, aparentava ter entre 19 e 25 anos, estava encostada em um Uno prata a dois carros atrás do seu e chorava copiosamente.

O rapaz sentiu um misto de frio na barriga e excitação, tudo isso enquanto contemplava aquela deusa. Era linda. Pele clara de marfim, um colar prata com pingente de cruz, cabelos loiros ondulados que se tornavam fios travessos de ouro com a ação da brisa gélida da madrugada sobre eles. Trajava saia acima do joelho, preta e coladinha, e uma blusa azul-marinho de um tom hipnotizante.

Alguns segundos se passaram e a misteriosa moça continuou mergulhada em seu pranto pessoal sem perceber ou se importar com a presença de John, que estava apenas há alguns passos dela. Chorava e soluçava de cabeça baixa, ora ou outra alternava a estratégia e tapava os olhos com as duas mãos. Mas sempre chorando, gemendo, com soluços e fungada de nariz. Mas sem gritaria ou exagero.

Num ímpeto de empatia mesclada a desejo decidiu que se aproximaria para entender e se possível ajudar aquela bela menina.

Antes que o cérebro enviasse impulsos para as pernas entrarem em ação o rapaz fitou seu entorno e tudo que a débil visão alcançava: O estacionamento estava cheio de carros, porém sem gente zanzando entre os automóveis. Curiosamente, John avistou apenas os dois seguranças da entrada. Jaziam longe, a metros de distância. Estavam fumando e dava para notar que balbuciavam e riam também.

É isso mesmo, estavam no estacionamento ele e a moça somente. Ao menos de clientes.

Liberto da paralisia que imperava sobre suas pernas, engoliu a seco, ajeitou o cabelo na tentativa de imprimir uma imagem menos deprimente e seguiu em direção a moça.

Ela notou a tentativa de abordagem e deu um último soluço bem alto e freou com dificuldade todo o choro. Cruzou os braços e tentou disfarçar contemplando a paisagem na direção contraria a John.

O rapaz se aproximou e proferiu: — Está tudo bem? Desculpe, não pude deixar de notar sua angústia. Posso fazer algo por você? Quer carona? E sorriu para ela.

Ela arregalou os lindos olhos, que eram verdes, por alguns segundos e logo a expressão facial transmutou ficando mais tênue e convidativa. Era como se ela sentisse que podia confiar nele. Então articulou com voz tremula:

—Estou há muito tempo aqui. Preciso ir para casa moço. Estou presa!! Minha mãe deve estar preocupada. Falou abraçando os ombros. Devia estar com frio.

Enquanto falava seus lindos olhos pareciam, agora, vazios, perdidos. Não havia brilho.

John pensou UHAU, presa onde? Essa moça deve estar entupida de algo bem mais forte do que eu usei essa noite mas não me custa nada fazer uma boa ação e dar-lhe uma carona. Ademais ela é linda, posso ainda tentar descolar o telefone para um role futuro. Concluiu.

— Você está sozinha aqui? John questionou. Ela advertiu positivamente com um meneio de cabeça. Estava sozinha.

Logo após a pergunta foi possível notar um certo desconforto na garota. Que cruzou novamente os braços e começou a balançar a perna esquerda vertiginosamente. Denunciando uma dose de ansiedade.

Constrangimentos a parte, John lançou mais uma pergunta:

—Não veio com uma colega ou quem sabe... um namorado? Ele arriscou.

Ela o encarou no fundo olhos, franziu a testa e contraiu as sobrancelhas num claro estado de irritação.

— Não tenho namorado! Disse contrafeita.

John Já havia decidido.

— Vamos, te levo para casa, onde você mora?

— Campos Elísios, na rua Primeira, casa 10. Despejou a bela moça.

UHAU, ela está loucona, mas não esqueceu o endereço. Ainda bem, pensou John. Sentiu que um riso se formaria em seus lábios, no entanto o reprimiu. Achou engraçado como uma moça que instantes atrás parecia angustiada e errática logo mudou sua abordagem. Será se ela simulava a pobre garotinha perdida almejando caronas festas a fio? Tanto faz, não importava.

John se aproximou, tocou a moça nos belos ombros na intenção de direcioná-la a seu carro. Como não houve negativa à aproximação ambos seguiram rumo ao corsa Azul.

Enquanto guiava a linda moça, John pode sentir certo calor tomar seu corpo e uma movimentação involuntária dentro das próprias calças pôde ser sentida. Ele não era nenhum pervertido, mas ela era linda. Não havia como impedir a fisiologia. Respirou fundo, controlando-se e resignadamente prosseguiu. Jamais faria algo naquele contexto. Seria detestável. Diante de sua boa conduta ele se permitiu uma fungadinha discreta nas madeixas da donzela. Mas que estranho!! Não sentiu perfume nem odores desagradáveis. Nadica, sem odor de cigarros, bebidas, fragrâncias e nem odor do famosinho cigarrinho do tinhoso.

Linda moça, bêbada e possivelmente drogada em estacionamento de balada. E sem odor nenhum. Sentiu vontade de nova risada. Dessa vez se permitiu uma risada inaudível. Que dia louco, pensou John.

A esta altura era como se houvesse esquecido que segundos atrás estava densamente alcoolizado.

Abriu a porta da frente para que ela se aconchegasse. Fechou-a e foi em direção ao acento do motorista. Antes de entrar no carro deu mais uma olhadela em volta. O cenário ainda era desértico, mas havia agora, com exceção dos seguranças, uma gordinha emo fumando um cigarro encostado em uma moto. Entrou no carro e finalmente saiu da Mademoiselle club.

Durante o trajeto John alternava sua visão, entre a estrada e a bela moça. Que a propósito estava encolhida e esfregando os ombros com as mãos de modo frenético. Devia ainda estar com frio.

— Quer que eu feche os vidros? Questionou John preocupado.

A moça apenas meneou a cabeça negativamente. E do jeito que estava continuou. Olhando fixamente para a frente. Dentro da imensidão da beleza de seu rosto ainda parecia perdida. E com frio, muito frio.

Finalmente alcançaram o destino. Chegamos!! Antes que John pressionasse os pés contra o freio a moça sobressaltou-se: — É aqui, é essa casa. É aqui. John achou a altitude estranha. Será se ela pensou que iria ser abusada? Bizarro.

—Certo, destravei a porta. Quer que lhe acompanhe até o portão?

—Não precisa. Retrucou a moça rapidamente.

—Desculpa, com tudo isso ainda não sei como você lhe chamar? Disse John.

—Catarina. Balbuciou a bela dama. Que agora possuía uma identidade.

Antes de sair do carro, e pela primeira vez no decurso do trajeto, ela voltou o rosto para John. E mirando dentro dos seus olhos falou: —Obrigado, preciso ir falar com minha mãe agora. E saiu de dentro do automóvel num movimento rápido, sem rodeios.

John ficou dentro do carro. Iria esperar a dama abrir o portão da casa, que era bela a propósito, antes de partir. O bairro Campos Elísios era de classe média alta. Mas sabe-se lá o que podia ocorrer no intervalo de abrir o cadeado do portão e entrar de fato.

Que estranho, ela não abria o portão. Ficou parada em frente a ele e fitando o carro como se dissesse: Já pode ir meu filho! Será se aquela não era a casa dela e estava só esperando eu partir para seguir para a casa certa? Quer saber? Tanto faz, essa noite já teve altas doses de esquisitice. John pisou no freio e seguiu para sua casa. Antes que a casa da bela mulher fugisse aos seus olhos ainda foi possível notar que Catarina observava o carro se distanciar. Como se fosse abrir o portão somente quando John sumisse completamente do seu campo de visão.

(...)

Dia seguinte:

John acordou com uma dor de cabeça excruciante. Cada movimentada de cabeça era cortante. Antes que levantasse e abrisse os olhos tateou a penteadeira ao lado da cama. Procurava por seu celular. —Há, deve estar no carro.

E seguiu em direção a garagem.

Ao abrir o veículo notou que o colar de cruz da moça da noite passada estava no banco do carona. —UHAU, não notei isso ontem. Também, estava muito bêbado. Falou para si mesmo.

Resolveu que assim que saísse do trabalho, iria a casa da bela dama entregar sua joia. Ainda lembrava do endereço. Campos Elísios, rua primeira, casa 10. Que conveniente não? Agora teria justificativa aceitável para ir até lá.

As oito da noite saiu do escritório de contabilidade, também no centro, onde exercia função de administrador e seguiu em direção a casa da mulher. Uma dose de excitação e felicidade inundou todo seu interior. Afinal, agora poderia pedir o número de telefone da bela moça. E finalmente poderia fitá-la talvez livre das bebidas e possivelmente drogas que noite passada conferiram a ela um certo ar de esquisitice.

Estacionou bem na frente do portão. Não buzinou, saiu do carro e bateu palmas. Foi possível ouvir movimentação no interior da casa e finalmente uma senhora, bem gorda, branca, cabelinho Chanel e loiro, aparentava uns 50 anos talvez, abriu a porta e de longe vociferou: Posso lhe ajuda? Está vendendo algo?

John retrucou: —Não, vim devolver algo.

Bastou isso para estimular a senhora a chegar mais próximo ao portão. Então ela disse: —Sim, e seria o que? Estava um pouco apreensiva mas claramente curiosa.

John ficou meio desanimado, afinal queria entregar o colar diretamente a dona. Um pouco encabulado, pois aquela poderia ser a mãe de Catarina, disse:

— Dei carona ontem para uma moça chamada Catarina. E hoje percebi que o colarzinho dela ficou dentro do meu carro. Vim devolver e verificar se ela está bem. John estendeu a mão e mostrou a joia.

As palavras de John atravessaram a aquela senhora como balas de uma calibre dose. Assim que ele terminou de falar, os olhos da mulher encheram de água e embotaram-se em vermelho vivo.

—Como ousa, que tipo de brincadeira acha que está fazendo? Catarina esta morta a dez anos.

Leonardo Castro
Enviado por Leonardo Castro em 18/01/2020
Reeditado em 23/10/2021
Código do texto: T6844831
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