Sozinho (Ou: O Grande Homem no Céu)

Um dia eu acordei de manhã e não havia ninguém. Eu estava sozinho. Todos desapareceram: minha mulher, meu filho, meus vizinhos, todos. Não havia nenhum sinal de ninguém: nem buracos nas paredes, nem roupas caídas no chão, nem sangue. Nada. Eles simplesmente sumiram com as roupas do corpo. Todos foram arrebatados em um único momento (o que pude comprovar ao ver acidentes de carro, aviões caídos e coisas semelhantes que indicavam um desaparecimento instantâneo).

Os anos que se seguiram passei vagando, procurando por uma companhia, mesmo uma conversa corriqueira e fútil, um mero toque humano, um piscar de olhos, um enxovalho; mas havia apenas silêncio onde quer que eu andasse. Eu ansiava que mais alguém houvesse sobrevivido a seja lá o que aconteceu, mas eu era o único. Chorei muitas vezes, com a indescritível sensação de que havia muito espaço ao meu redor. Havia muitos recursos para mera sobrevivência, mas vida demandava alguma segurança não apenas contra fome, frio e sede, mas contra o vazio.

Por que eu? Logo eu, tantas vezes reles, tantas vezes sujo, tantas vezes vil, tantas vezes indesculpavelmente parasita. Por que eu fui mais merecedor da vida do que os outros? Ou será que os outros foram beneficiados, e eu quem fui deixado para trás? Não sei. Sei que o mundo se tornou um fantasma de seu velho eu.

Os animais sobreviveram. Pelo menos alguns. Eu esperava que com o tempo eles invadissem as cidades e se tornassem tantos que eu seria perseguido, mas não aconteceu. Parece que a maioria dos animais sumiram também, porque, em geral, tenho encontros esporádicos com eles: mesmo os ratos e baratas passam dias sem me visitar.

A princípio a solidão foi sufocante, mas com o tempo fui me acostumando. Não aceitando, mas se acostumando como quem sente uma dor crônica e ela se torna algo tão normal na sua vida que, de vez em quando, você acaba esquecendo dela. Mesmo quando perdi totalmente a esperança, ainda nutria uma leve expectativa de que houvesse algum sobrevivente em algum recanto escondido da China ou em uma ilha deserta do Caribe que, por acaso, por um milagre do destino, acabaria por se encontrar comigo em algum lugar.

Um dia eu acordei de manhã e havia alguém lá. Bem, a primeira coisa estranha que notei foi que a luz do dia não entrou pela janela do esconderijo que eu usava há alguns dias, e a luz do sol sempre me acordava. Quando olhei para fora, estava escuro. Mas o que me chamou a atenção foi que havia alguma coisa gigantesca ocupando todo o lado leste do céu, ocultando o sol, de tal maneira que era possível ver as estrelas.

Após algumas horas, o sol fez seu caminho no céu e, com a mudança de ângulo, iluminou a cidade e também a coisa gigante no céu, permitindo-me enxergá-la pela janela. Era um homem, ou parecia ser um homem; uma criatura humanoide que flutuava no espaço, uma boca enorme que ocupava quase todo o rosto, várias fileiras de dentes gigantes. O resto do rosto e do corpo eram ocupados por fileiras de olhos. Ele era tão grande que só era possível enxergar do meio peito para cima, pois o resto do seu corpo (se é que existia) estava escondido abaixo do horizonte. Seus olhos enormes pareciam prescrutar a face da terra, pelo que, após alguns segundos contemplando aquela coisa, eu rapidamente sai da janela e tentei me esconder.

Tinha suplementos para dias comigo, então não sai da casa onde estava pelo resto do dia. A noite veio, e o gigante estava lá parado, na mesma posição, vigiando o mundo. Eu tinha algumas pílulas para dormir que já haviam passado da validade, mas funcionaram comigo, com muito custo, para que eu pudesse descansar.

No dia seguinte fui acordado pela luz do sol. Aliviado, corri para a janela e olhei, não havia nada lá. Respirando fundo, logo me convenci que nada daquilo havia acontecido, devia ser efeito psicológico de treze longos anos sozinho. Decidi ir no rio próximo tomar um banho, coisa que não havia feito no dia anterior; aliás, eu tenho tido preguiça de tomar banho agora, já que não vejo isso mais como algo tão necessário.

Quando sai pela porta, lá estava ele, enchendo o outro lado do céu. Mas dessa vez, de alguma forma, eu sentia que todos os seus grandes olhos estavam focados em mim. Fiz muita força para não deixar sair um gritinho e corri para dentro da casa de novo.

Agora ele fica lá, todos os dias, me observando. Pensei que em algum momento eu iria me acostumar com sua presença assustadora, mas isso nunca vai acontecer. Só saio de casa agora quando está particularmente escuro, para buscar suplementos o mais rápido que puder e voltar para o esconderijo. Tudo que eu quero agora é que o grande homem no céu vá embora. Tudo o que eu quero agora é ficar sozinho.