Restos Mortais 2 – Reencontros
Capítulo 1 – Um velho amigo, uma nova surpresa.
Depois do fatídico e marcante falecimento de Kátia, a mãe da pequena Patrícia de apenas nove anos de idade, a menina teve que se acostumar com o fato de que sua “mãe” agora seria forçosamente a sua Tia Helen. O tempo passou rápido, pois Patrícia só pensava em uma coisa, para afastar a lembrança da morte de sua mãe: Estudar firme até se profissionalizar. Aos 19 anos, a menina conseguiu completar o Ensino Médio. Com a ajuda financeira dos seus tios, Patrícia se formou aos 24 anos de idade como enfermeira e no ano seguinte conseguiu o seu primeiro emprego em um asilo local. A jovem Patrícia, agora com 25 anos de idade teve uma surpresa logo no seu primeiro dia no seu novo emprego: Ao entrar em um dos quartos, ela viu um idoso que reconheceu instantaneamente! Maravilhada ao ver aquele homem sentando em uma cadeira de madeira assistindo à TV, ela exclamou:
- Detetive Meirelles! Há quantos anos!
O homem colocou seus óculos e ao olhar para a jovem enfermeira, respondeu:
-Você me conhece de onde, mocinha?
- O Senhor não lembra? Há dezesseis anos o Senhor investigou o caso do homicídio da minha mãe e colocou a assassina na cadeia!
- Dezesseis anos é muito tempo, minha flor. Não consigo lembrar direito.
- Eu era criança. Tinha nove anos de idade. Sou filha daquela mulher que foi jogada em uma caçamba de lixo.
- Ah! Sim! Agora eu lembro! Você me deu um baita susto gritando por trás de mim quando viu ela morta. A bandida que matou sua mãe era uma psicopata. Espero pelo bem da humanidade que aquela pilantra fique o resto da vida no xilindró. Agora, vem cá, menina. Deixa eu te ver de perto.
Patrícia chegou bem perto do idoso e este foi dizendo sem cerimônias:
- Nossa! Como você cresceu! Com todo o respeito, aquela menininha virou um mulherão.
Meio sem graça pelo atrevido elogio, a jovem disse:
- Obrigada, Detetive! Mas o que um grande homem como o Senhor está fazendo aqui?
Olhando por cima dos óculos, revelando cataratas nos dois olhos, o idoso respondeu:
- Ah, minha filha. Hoje eu sou um “tanto faz” pra quem eu tanto fiz...
- Como assim, Detetive?
- Olha mocinha, se eu tivesse uma filha bonita feito você, eu aconselharia da seguinte forma: Nunca tenha mais de dois filhos, ou melhor dizendo, nunca tenha mais de um filho. Ou depois que você envelhecer e eles forem adultos, eles brigarão feio por tudo o que você tiver. E depois que você já não tiver mais forças para fazer mais nada por eles, com certeza eles farão contigo como fizeram comigo.
Com lágrimas nos olhos e quase chorando, Meirelles continuou:
- Me jogaram fora como se eu fosse um saco de lixo.
- Mas como isso aconteceu, Detetive?
- Meu filho mais velho, hoje com 37 anos de idade, deu um tiro na cabeça do meu filho mais novo, na época há um ano atrás com 29 anos de idade. Meu filho do meio, na época com 32 anos de idade denunciou o meu filho mais velho e este está preso cumprindo 25 anos por homicídio. E não pense você que o meu filho do meio denunciou o irmão por uma questão de justiça ou de vingança pela morte do irmão, não.
Fazendo um “não” com a enrugada mão direita, o idoso prosseguiu:
- Foi por uma porcaria de uma casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Só por isso, mais nada. Sabe por que eu sei disso? A resposta é simples: Por que assim que o meu filho mais velho foi preso, o do meio arrumou as malas com todas as minhas roupas e me trouxe até aqui. E me deixando neste asilo, depois que com a ajuda dos funcionários ele me acomodou neste quarto, ele me disse olhando nos olhos: “Agora essa vai ser a tua moradia, velho!” Assim mesmo! Velho! Como se eu fosse um objeto velho que ele estivesse jogando fora, na maior frieza, depois de tudo o que eu fiz por ele e pelos irmãos dele, como se toda a criação e educação que eu e a mãe dele demos a eles não valesse mais nada, só porque eu fiquei velho!
- Nossa! Que absurdo, Detetive!
- Sim, minha filha. Os filhos que um dia foram a minha bênção, hoje são a minha maldição. E sabe por que eu não enfrento o meu filho e pego a minha casa? Porque eu tenho muito medo dele. A minha falecida esposa, mãe dos três, morreu de um jeito muito estranho. Um dia antes de eu me aposentar, eles simplesmente me deram a notícia de que ela passou mal e estava no hospital. Corri pro hospital e a encontrei morta. O diagnóstico? Infarto. Estranhei muito, haja vista ela nunca ter tido problemas cardíacos. Mas não investiguei porque no dia do enterro, estranhamente os três não derrubaram uma lágrima pela mãe deles. Só ficaram cochichando entre eles enquanto eu chorava a morte da minha amada. Visivelmente estavam escondendo alguma coisa. Aí eu comecei a ficar com medo e resolvi não contrariá-los por uma questão de sobrevivência. Afinal, estou velho e doente e eles ainda são jovens e saudáveis.
- Mas o Senhor então, com todo o respeito, suspeita que os teus filhos assassinaram a tua Senhora?
Arregalando os olhos, Meirelles respondeu:
- Eu tenho certeza, só não tenho como provar.
Nesse ponto da conversa, um tiro disparado da rua atravessou a janela e acertou em cheio a cabeça do Detetive Meirelles matando-o instantaneamente! Aterrorizada com a cena, Patrícia correu até a sala da chefia, onde aos prantos disse à Enfermeira-Chefe:
- Mataram o Detetive Meirelles!
- Calma Patrícia! O Detetive Meirelles já estava bem velhinho. Chegou a hora dele, foi isso.
Neste momento, um enfermeiro entrou e perguntou:
- O que aconteceu?
A Enfermeira-Chefe respondeu:
- É que ela entrou no quarto do Detetive Meirelles e o encontrou morto. Não foi isso?
Chorando desesperada, Patrícia respondeu:
- Não! Eu estava conversando com ele...
Antes que ela pudesse terminar a frase, a Enfermeira-Chefe interrompeu e disse:
- Aí ele morreu na tua frente?
O outro enfermeiro disse:
- Se você não aguenta ver idosos morrendo, esse não é o lugar pra você, menina. Isso acontece aqui quase todos os dias.
Desesperada pra explicar a situação, Patrícia gritou:
- NÃO! VOCÊS NÃO ESTÃO ENTENDENDO!
A Enfermeira-Chefe pegou com as duas mãos na mão direita da jovem e disse:
- Sssssshhhh!
E logo em seguida, olhou nos olhos de Patrícia e disse:
- O peixe morre pela boca, viu mocinha! Não vai falar o que você não tem como provar. Hoje foi o teu primeiro e último dia nesta instituição. É como o rapaz aí disse: Se você não agüenta ver idosos morrendo, o teu lugar é qualquer outro menos um asilo. Portanto, eu vou pagar pelo teu dia de hoje e não me volte mais aqui. Estamos entendidas?
Assustada com as palavras da sua superior, a jovem respondeu:
- Estamos.
Capítulo 2 – Ameaças!
No dia seguinte, patrícia pegou um táxi para ir ao enterro do Detetive Meirelles. Mas não teve coragem de sair do carro. Pediu simplesmente ao motorista que ficasse logo na entrada do cemitério, de onde ela viu o caixão ser transportado da capela mortuária até o túmulo. Ao ver o caixão descendo através de cordas, a jovem pensou: “Detetive Meirelles, quem me dera eu poder ter entrado na capela mortuária e poder ter dito todas as palavras de gratidão que eu gostaria de dizer. Mas infelizmente, o medo e a certeza de ter minha vida ceifada pelo mesmo indivíduo que o assassinou me fazem acompanhar esta despedida de longe. Como eu gostaria Detetive, poder chegar bem perto deste caixão, olhar o teu inerte corpo e neste momento fúnebre dizer: “O Senhor não é um ‘tanto faz’! Pode ter a mais concreta certeza disso! O Senhor foi um herói pra mim e sabe-se-lá pra quantas pessoas com o teu valoroso trabalho de detetive! O Senhor foi um grande homem na vida de muitos! O Senhor não imagina o quanto eu gostaria de chegar bem perto deste caixão antes de ele ser totalmente abaixado na cova e dizer: Muito obrigada por tudo!”
Neste momento, ela começou a chorar copiosamente. De repente, a moça percebeu que um homem aparentando ter aproximadamente entre 30 e 35 anos de idade e fortíssima semelhança facial com o falecido detetive olhou para o táxi com cara de espanto! Assustada ela deu a ordem ao taxista para levá-la até a sua residência. No meio do caminho, ela disse ao motorista:
- Espera! Vamos passar na Delegacia primeiro.
Chegando à Delegacia, Patrícia levou um susto ao ver uma plaqueta na parede onde estava escrito:
[Delegado: Ricardo Meirelles]
Apavorada, ela pensou: “Deve ser coincidência.” Então, ela perguntou ao atendente:
- O Senhor é o delegado?
- Não, sou só o atendente. O Delegado Meirelles está no enterro do pai dele. Mas pode dizer, mocinha. Do que se trata?
Com olhos arregalados de terror, a jovem disse:
- Deixa pra lá! Amanhã eu volto!
E saiu correndo pra dentro do táxi. Enquanto o veículo se afastava da Delegacia, ela viu o atendente fazer expressão de estranheza, pegar o celular e começar a falar com alguém.
Ao chegar em casa, a jovem sentiu um forte cheiro de sangue. Patrícia foi ao quarto dos seus tios, onde o cheiro estava mais forte e viu os dois mortos, deitados na cama com suas cabeças decepadas e com a mensagem escrita com sangue na parede, logo acima da cama: [ A CURIOSIDADE MATOU O GATO]. A enfermeira deu um grito e correu para o seu quarto, onde viu escrito na parede com letras de sangue: [ QUEM FALA DEMAIS AMANHECE COM A BOCA CHEIA DE FORMIGAS]. Desesperada, ela pensou em ir à Delegacia, mas logo se lembrou de que o Delegado era o principal suspeito do homicídio de seus tios e das ameaças nas paredes. Então, ela pensou: “E agora?” Colocando as mãos no rosto, a jovem gritou pra si mesma:
- Ai, meu Deus! Eu to perdida!
De repente, o celular dela tocou. Um número desconhecido. Entre a curiosidade e o terror, a jovem enfrentou o medo e atendeu. Uma voz masculina bem semelhante à do falecido Detetive Meirelles disse:
- Talvez eu possa te ajudar, Patrícia.
Acreditando que aquela voz era do Delegado Ricardo Meirelles, apavorada, ela respondeu aos prantos:
- Não me mate! Pelo amor de Deus! Eu faço o que você quiser! Por favor! Por favor!
- Calma menina! Preciso conversar com você. Eu sou Roberto, o filho mais velho do Detetive Meirelles. Por favor, me ouça. Preciso te encontrar em algum lugar.
- Não! Aí você vai me matar do jeito que matou os meus tios!
- Mas eu não matei os teus tios. Quem matou foi o meu irmão. Preciso te explicar umas coisas, pra você entender que eu estou do teu lado.
- Então me explica por telefone! Eu não vou me encontrar com você!
- Olha, o meu irmão matou a minha mãe, quando eu e meu outro irmão tentamos reunir provas contra ele, ele deu um jeitinho de matar o nosso irmão mais novo e botar a culpa em mim. A ideia dele era me matar dentro da cela e dizer que eu fui morto pelos outros presos, mas a ideia dele saiu pela culatra porque todos os carcereiros são corruptos, e bastou um punhado de dinheiro pra eu sair pela porta da frente, mas meu irmão não sabe onde eu estou e nem pode saber, senão eu estarei morto.
- Então me dê um bom motivo pra eu acreditar em você, cara.
- Eu sei onde você mora, descobri hackeando a operadora de celular onde você assinou esta linha, aliás, foi assim que eu descobri o teu número. Portanto, se eu quisesse te matar, você já estaria morta. Então por favor, confia em mim.
- E como eu saberei se você não quer só me usar pra se vingar do teu irmão e me matar logo em seguida?
- Isso eu não tenho como provar, portanto, você não tem como saber. Mas vou te contar um segredo, pra te deixar mais confiante. Não vá dizer a ninguém o que eu vou falar agora, pois se você me trair e contar o que vou te dizer agora a qualquer pessoa, você vai indiretamente me matar, entendeu bem?
- Entendi.
- Muito bem, a minha casa é a última de uma vila de cinco casas. Por uma questão de segurança, eu tenho uma empregada, que atende a todas as pessoas que me procuram neste endereço e é instruída a dizer que não me conhece e que não conhece ninguém com este nome. Ela é fácil de ser identificada. Tem traços orientais e forte sotaque chinês. Confiei-te um segredo importantíssimo. Confia em mim agora?
- Confio mais ou menos. Como sei que você não está mentindo?
- Isso eu não tenho como provar diretamente. Mas se você for ao endereço que eu vou te indicar, verá a minha empregada que há essa hora deve estar assistindo à TV na sala. Ela atende pelo nome de “Dona Matilde”. Ela já sabe que uma jovem mulher chamada Patrícia vem me ver.
Sem opção, desesperada e arrasada pelo homicídio dos seus tios, Patrícia saiu de casa, caminhando pelas ruas até o endereço citado por Roberto. No meio do caminho, a moça sentiu vontade de tomar um café em um barzinho. Patrícia precisava raciocinar. E aquela pausa para um ocasional cafezinho era a oportunidade ideal para analisar bem antes de tomar qualquer atitude precipitada. Porém, ao chegar perto do bar, ela viu uma idosa toda maltrapilha ser expulsa do estabelecimento, com um homem quarentão empurrando a anciã ao dizer:
- Some daqui, velha fedorenta! Se aparecer aqui perturbando os clientes de novo, eu vou te arrebentar!
Assustada e com dó da mendiga, ao invés de entrar no bar, Patrícia foi atrás da idosa até um dos bancos da praça, onde a anciã sentou-se, pôs as mãos no rosto e começou a chorar. Patrícia sentou-se do lado dela, acariciou seu ombro e disse:
- O que aconteceu?
Aos prantos, a idosa respondeu:
- Aquele homem é muito ruim! Eu só queria um pouco de comida, eu to com fome! To há dois dias sem comer.
- Então espera aqui que eu vou comprar alguma coisa pra você comer.
- Muito obrigada, minha linda.
Patrícia foi ao mercadinho que ficava do lado do bar e pediu pra embrulhar dois pães com manteiga e um café pra viagem. Assim que pagou pelos produtos, foi até a idosa, que esboçou um sorriso entre as lágrimas e disse:
- Muito obrigada, queridinha. Meu Deus. Você é um anjo!
A idosa então devorou aquele lanche com tal velocidade que chegava a ser assustador! Reconhecendo os traços faciais da jovem, depois do lanche ela disse:
- Vem, cá. Tu não é filha de Kátia?
- Sim, sou eu mesma, Patrícia.
Espantada, a idosa respondeu:
- Menina! Como você cresceu! Eu era chefa da tua mãe naquele salão de beleza! Não se lembra de mim? Maria Zilda!
- Claro, Dona Maria! Agora que eu reconheci! Mas como a Senhora foi parar nessa situação?
- Ah! Há dois anos, um ex-funcionário me botou na justiça por conta de eu ter demitido ele. Aí ele inventou que eu estaria devendo a ele seis meses de salários, mais férias, INSS e tudo mais. Tudo mentira dele. Eu nunca fiquei devendo salário a ninguém, mas como o salão estava nas últimas e eu só tinha ele de empregado, eu não tinha testemunhas. Resultado, apesar de ele mentir pra caramba, ele ganhou uma fortuna e eu tive que vender o salão pra pagar a ele. Sem o meu salão, tentei trabalhar em casa de cabeleireira e manicure sozinha. Aí esse meu ex-funcionário, não satisfeito com a fumada que me deu, me denunciou por eu estar trabalhando em casa sem alvará de funcionamento. Aí a fiscalização fechou o meu salão improvisado em casa. Como a minha casa era alugada, eu tive que devolver. Tentei alugar outra casa, mas sem sucesso. Tentai entrar de empregada em outros salões, mas o desgraçado fez a minha caveira em cada um deles dizendo que eu falava mal deles pelas costas. Como eu só sei fazer isso, fiquei sem eira nem beira.
- Nossa Dona Maria, que horror! E quem é esse safado?
- Ah, é um cara que é funcionário de um salão desses aí. O nome dele é Mario Sérgio, só sei isso sobre ele.
Nesse momento, o celular de Patrícia tocou. Era Roberto, que ao ser atendido perguntou:
-Vai demorar muito? Tô aqui te esperando.
- Ah, desculpa a demora, é que eu encontrei uma amiga e acabei me distraindo, mas já vou aí te encontrar.
Virando-se para Maria Zilda, a jovem disse:
- Tenho que ir, Dona Maria!
Acreditando se tratar do namorado da moça, a idosa respondeu:
- Vai lá! Nunca deixe um homem esperando.
A enfermeira então caminhou apressadamente até a casa indicada pelo rapaz.
Capítulo 3 – Virando a mesa, ou quase.
Conforme a descrição de Roberto, no local indicado, realmente havia uma pequena vila de cinco casas geminadas. Um pequeno portão de ferro impedia a moça de entrar. Então ela bateu palmas. Na última casa, uma chinesa aparentando 50 anos de idade apareceu da janela e com uma expressão facial que demonstrava desconfiança, perguntou:
- Quem é?
- Eu sou a Patrícia.
- Quer falar com quem?
- Com Dona Matilde.
- Sou eu. Pode falar.
- É... sobre um encontro.
- Encontro com quem?
- Com... o teu patrão.
- Eu não tem patrão, mora sozinha.
- Mas, eu sou a Patrícia.
- Isso você já falou. O que quer comigo?
- É sobre aquele rapaz.
- Que rapaz?
- Que mora aí.
- Rapaz nenhum mora aqui. Eu mora sozinha.
- Então deixa pra lá.
Patrícia voltou pra casa pensando: “Será que ela se esqueceu da instrução que recebeu do Roberto?” No meio do caminho, ela viu o número do rapaz na lista de chamadas atendidas e ligou. Estranhamente a voz da chinesa que ela tinha acabado de ver atendeu:
- Oi.
- Quero falar com Roberto.
- Não tem nenhum Roberto. Aqui Matilda, mora sozinha. Não conhecer nenhum Roberto.
A jovem desligou incrédula o celular e foi a um bar ali perto pra tomar um cafezinho pra organizar na cabeça os últimos acontecimentos. No primeiro gole de café, ela pensou: “Ele deve ter desistido, só pode ser isso. Afinal ele não me conhece e do jeito que ele poderia me matar, seria também fácil demais pra mim denunciar o endereço dele.” No segundo gole de café, ela pensou: “Se é assim, ele deve estar prestes a me matar então pra não ser assassinado pelo irmão dele!” Desesperada, ela olhou para todos os lados. De repente, um menor de rua entrou no bar e deixou um papel dobrado do tamanho de um guardanapo do lado da moça em cima do balcão e foi embora. Aterrorizada, ela pegou o papel, desdobrou e leu a mensagem:
[ Como é fácil te enganar, Patrícia! Aquela chinesa realmente mora ali e mora sozinha. Foi muito fácil clonar o número dela e me fazer passar pelo meu irmão. Quer uma prova de que ele já está morto? Veja no site do jornal local as notícias do mês passado e você vai ver que ele foi morto “pelos outros presos”. Agora que eu sei que você é só uma mulher frágil e indefesa como a maioria, eu sei que te eliminar vai ser muito mais fácil do que eu pensei. Ass: Delegado Ricardo Meirelles.]
Automaticamente, ela pensou: “Vou levar este bilhete ao Ministério Público e te denunciar pelo homicídio do teu pai, do teu irmão e dos meus tios. E vou incluir a denuncia por falsidade ideológica por se passar pelo teu irmão e clonagem de número de celular. Este bilhete te deixou em minhas mãos, Delegado de araque! Agora é a minha vez!”
Determinada, a enfermeira foi direto ao Ministério Público. Chegando ao local, a moça relatou todos os acontecimentos, desde o homicídio de sua mãe até o bilhete ameaçador do Delegado Meirelles. Porém ao puxar o bilhete do bolso de sua calça jeans, Patrícia levou um susto ao ver que o papel estava todo em branco. Desesperada, ela disse:
- Mas estava aqui! A ameaça do Delegado e a confissão do homicídio do irmão dele! Estava tudo escrito aqui!
A atendente pegou na mão direita dela e disse:
- Calma, mocinha! Nós vamos resolver isso rapidinho!
Um segurança veio pro trás dela e deu-lhe um choque no pescoço fazendo a jovem desmaiar.
Patrícia acordou em uma cela de um presídio feminino. As outras detentas a olhavam curiosamente, afinal a moça não se parecia nem um pouco com uma típica bandida. Do outro lado das grades, a jovem viu o Delegado Meirelles com um sorriso sarcástico. Instintivamente ela perguntou:
- Como fez o truque do bilhete!?
Tirando os óculos escuros, o jovem delegado respondeu:
- Eu tenho uma caneta especial importada da qual a tinta apaga depois de 10 minutos. Ela é feita manualmente é só é vendida a pessoas de alta confiança do fabricante.
- Desgraçado! Eu não acredito que você vai tirar a minha vida do jeito que tirou a vida do teu irmão só por causa de... de... UMA PORCARIA de uma casinha de dois quartos, sala banheiro e cozinha, como diria o teu pai, que, aliás, ele sim era um homem de verdade e não o canalha que você é!
O Delegado então apontou o dedo indicador direito para Patrícia e disse em tom ríspido:
- Olha aqui, mocinha! EU conheci o meu pai muito melhor do que você, entendeu? Eu fui CRIADO por ele! E passei por todas as humilhações que um filho do meio pode passar! Até na minha cara ele me deu quando eu era adolescente só porque eu comi à força uma piranha na escola que dava pra todo mundo menos pra mim.
Neste momento Duas funcionárias do Ministério Público chegaram e foram logo cumprimentando o Delegado Meirelles. Afoita pra contar para o MP o que acabara de ouvir, a jovem enfermeira disse:
- Eu tenho uma denuncia a fazer! Sobre o bilhete que eu tentei mostrar naquela hora! Esse Delegado de araque...
Neste ponto, uma das funcionárias do MP interrompeu a jovem dizendo:
- SSShhhh! Mais respeito com o Delegado viu mocinha? De araque não! É Doutor Meirelles pra você!
- Esperem, mas eu tenho que dizer o que ele acabou de confessar sobre o bilhete que a princípio parecia estar em branco!
Calmamente a funcionária do MP disse:
- Sobre a caneta de 10 minutos?
Sorridente, a enfermeira respondeu:
- Isso! Aquela que a tinta apaga! Foi assim que aquele bilhete se apagou sozinho.
As funcionárias do MP riram em côro junto com o Delegado. Uma das funcionárias disse em tom de desdém:
- Tadinha!
E então Ricardo Meirelles saiu abraçado nas cinturas das duas funcionárias do MP, que ao saírem a fitavam com um olhar que misturava sarcasmo e deboche.
Capítulo 4 –Estranha nova vida
Indignada, pasma e não acreditando na realidade à sua volta ao ver o poder que o seu inimigo tinha até mesmo sobre o Ministério Público, Patrícia tentou raciocinar um jeito de fugir daquele lugar. Porém os pensamentos da jovem foram interrompidos por uma gritaria ao longe. Uma voz feminina conhecida gritava:
- AAAAAaaaaiii! Meu braço! Covarde! Quero ver fazer isso com um homem!
Um barulho de tapa na cara é seguido da voz do carcereiro:
Plaft! – O que é que eu sou?
- Covarde!
Plaft! – O que é que eu sou?
- Covarde!
Plaft! – O que é que eu sou?
Aos prantos a idosa disse:
- Bater em mulher é fácil né, seu canalha?
Plaft! – O que é que eu sou?
Canalha!
Plaft! – O que é que eu sou?
- Ai, ta bom, pára de me bater pelo amor de Deus!
Segundos depois, uma idosa maltrapilha e fedendo por estar a alguns dias sem banho foi jogada na cela, caindo de quatro no chão. Espantada ao reconhecer a idosa, Patrícia a ajudou a levantar-se e disse:
- Dona Maria Zilda! O que aconteceu?
Com o rosto inchado e com hematomas dos tapas que levou, Zilda respondeu chorando de dor:
- Ah, minha lindinha. Eu perdi a cabeça! Quando eu senti que ia morrer de fome, tentei no auge do desespero assaltar aquele homem do bar com uma faca, mas ele sabe lutar judô, eu não sabia disso. Aí ele me dominou e chamou a polícia. Mas e tu? Como é que tu veio parar aqui, criatura?
- É uma longa estória, Dona Zilda. Só sei que estou condenada a passar o resto da vida nessa espelunca.
Incomodada com o fedor que exalava do corpo da idosa, uma das prisioneiras disse:
- Dona... Zilda, não é?
- Sim, pode falar querida.
- Olha só, aqui nós temos chuveiro. Se a Senhora quiser pode tomar um banho.
- Muito obrigada, minha linda!
Apressadamente, Zilda foi a Box da cela e tomou um banho, tirando o fedor corporal para o alívio das companheiras de cela e até dela mesma, pois era muito vaidosa e já lhe bastava a humilhação de andar toda maltrapilha.
Com o decorrer dos anos, Patrícia e Maria Zilda fizeram amizade com as outras detentas. Como Patrícia era a mais jovem e bonita do grupo, em troca de sexo com os carcereiros ela conseguia certos “luxos” para si e para as companheiras de cela, como sabonetes, xampus, roupas novas, esmaltes e maquiagem. Esta última usada por ela e por outras detentas para seduzir os carcereiros e continuar assim a nefasta ‘negociação’ do sexo com as detentas mais jovens em troca de vantagens.
Depois de 20 anos presa, a enfermeira, agora não mais tão jovem com 45 anos de idade, recebeu a notícia que mudou toda a sua vida: O Delegado Ricardo Meirelles morreu em um acidente de carro. No dia seguinte, Patrícia recebeu a notícia de que a sua pena estava cumprida e que, portanto estava na hora de ela sair daquela situação. O diretor do presídio recebia mensalmente uma quantia em dinheiro de Ricardo Meirelles para manter Patrícia ali dentro. Sem a tal renda mensal, não fazia mais sentido manter a moça encarcerada.
Assim que pôde respirar o ar da liberdade, a enfermeira foi para a casa dos seus falecidos tios, onde organizou tudo e passou a morar. A principal renda dela agora era o aluguel da casa que era da sua mãe. Quando este lhe faltava, ou quando a situação apertava pra valer, ela se prostituía, profissão que aprendeu dentro da cela. Às vezes fazia biscates de manicure, profissão que Maria Zilda a ensinou antes de morrer na cela por causas naturais aos 72 anos de idade. E assim a vida da sofrida ex-enfermeira, agora não mais tão jovem continuou. Por vezes, ela pensava: “Todas as minhas lembranças agora são restos mortais de um passado fúnebre e dantesco.”
FIM