Um Conto Para Ler no Escuro
[para uma melhor experiência, leia este conto sozinho, no silêncio e com o mínimo de iluminação possível no ambiente, tenha preferência por lê-lo de madrugada]
Por favor, não vá se assustar, não vá entrar em pânico. Mas tem uma… coisa atrás de você. Isso, isso mesmo, tem uma coisa atrás de você, bem atrás de você, e nesse exato momento ela está lendo essas palavras também. Tem uma coisa atrás de você, e você sabe disso.
Você nunca está sozinho, e… como poderia? Se sempre tem uma coisa atrás de você, e você sabe disso, você sente a coisa. Você não pode ver aquilo, mas sabe que está lá, você sabe que está lá.
Às vezes você está só, fazendo algo na plenitude de sua solitude, seja cozinhando, estudando, mexendo no computador ou no celular, ou ainda escutando música, você está só. E eis que escuta algo sussurrar seu nome, te chamando. Prontamente você retira seu fone e, com a cabeça, procura a voz que te chamava, às vezes pergunta “mãe, a senhora me chamou?” e não. Ela não tinha te chamado. Quem sussurra seu nome quando você está só é a coisa, ela te chama, está no seu encalço, te querendo. Quando escuta essa voz te chamando, você percebe. É uma voz sutil e virtual, chega até mesmo a se perguntar se não é coisa da sua cabeça, é quase, quase como se a voz vinhesse do além. Essa é a voz da coisa. A coisa está sempre presente, sempre conosco, e chama a nossa atenção. Às vezes usa a voz da sua mãe, do seu pai ou de um de seus irmãos para chamar ainda mais a sua atenção. A coisa está aí. A coisa está do seu lado nesse exato momento…
Às vezes, quando está “sozinho” você sente algo. Sente que algo está te observando a poucos passos de distância. Você vira para trás e não é nada. Nada. Na verdade… é a coisa. A coisa está sempre te observando, e sabe de tudo o que você faz. Às vezes você sente que não está completamente só, algo na sua mente ou no seu corpo parece te dizer “tem alguma coisa por aqui”, às vezes está num sofá ou numa cadeira próxima, às vezes está em outra sala te esperando… A coisa está sempre por perto, e você sabe disso. Sua mente tenta esconder a coisa à todo custo, mas você sabe. Você sabe. Você sabe que a coisa está agora bem pertinho de você.
Quando vai dormir, você vê silhuetas no seu quarto. As penumbras e o bailar das sombras fazem formas amorfas surgirem, silhuetas negras no seu quarto. Você sente um calafrio, sente um medo. E sua mente tenta te convencer de que “não é nada”. “É só um amontoado de roupas em cima da minha cadeira”, “são só os galhos das árvores fazendo sombras na janela”, “é só a parte escura do meu quarto”, você fala isso mesmo pra se convencer de que não tem nada lá. Mas tem, e é a coisa. A coisa está sempre lá.
Às vezes, à noite, você quer sair do seu quarto, beber uma água talvez, ou talvez tenha fome. E, na madrugada, você abre a porta e encara a escuridão absoluta da sala ou do corredor, você não vê nada. Nada. É a mesma sala, o mesmo corredor por detrás de toda aquela treva. Você sabe disso, você diz isso para si mesmo. Mas congela. Congela porque sabe que tem algo ali. Sabe que em toda escuridão existe uma coisa. Uma coisa te espera no escuro, e você sabe disso. Por isso às vezes congela em meio ao breu da madrugada, porque você sabe. A coisa está lá. A coisa está aí.
Essa coisa, ela adora te ver dormir, e por isso às vezes vai pra sua cama, e dorme com você. Mas não existe cama grande o suficiente para dividir o espaço entre você e a coisa. Quando você não está conseguindo dormir, quando você passa horas rolando na cama, quando nenhuma posição te parece confortável, e quando o sono foge completamente saiba que a coisa está do seu lado, dormindo com você. E é por isso que é tão difícil dormir nessas situações. A coisa também faz questão de te manter acordado às vezes, ela quer passar mais tempo com você, então te rouba o sono. E você fica madrugadas em claro, assistindo televisão ou mexendo no celular, sem conseguir dormir porque sabe que alguma coisa tirou seu sono. A coisa tirou o seu sono. Às vezes quando está dormindo, ou ainda bem perto de dormir você sente um impulso, e recua imediatamente, na sua mente é como se estivesse caindo ou tropeçando de algum lugar, às vezes sonha com isso, é assim que seu cérebro interpreta, mas na verdade… A coisa passou as mãos em você, quem sabe te empurrou ou puxou o seu pé. Todo pesadelo, toda noite mal dormida, todo acordar abrupto, todo sentimento de queda… É a coisa que faz isso com você. Não adianta ligar a luz ou fechar a porta, não adianta rezar ou ir dormir com os pais, a coisa está sempre lá, sempre perto, sempre bem do seu lado. Como agora.
E aqueles barulhos suspeitos na madrugada? Aqueles barulhos de galhos caindo no quintal, de plantas balançando, o barulho da geladeira ou do bebedouro de água… Aqueles barulhos que você só escuta na madrugada… Nunca te surpreendeu esses barulhos acontecerem somente na madrugada? Esses barulhos suspeitos… E muitas vezes você pensa “tem algo ali”, “tem algo fazendo barulho”, mas logo sua mente rejeita a ideia “é o gato, é a geladeira, é o bebedor…”. Não, nunca é nada disso, é sempre a coisa querendo que você a note. Ela quer ser notada, quer que você olhe para ela. Nunca confie em um barulho estranho, nunca vá averiguar e nem deixe sua curiosidade te guiar pelo escuro da madrugada. Todo estalar, todo arranhar, todo ruído, todo barulho incomum da madrugada é obra daquela coisa…
Às vezes você percebe. Os animais estão vendo alguma coisa. Mas você sabe. Os animais estão vendo a coisa. Quando seu cão ou seu gato late ou mia para o nada, quando ele faz barulho parecendo apontar para lugar nenhum, tenha certeza: A coisa está lá. Quando o animal fica olhando fixamente para um ponto, encarando, admirado ou curioso, ele está vendo a coisa. Às vezes, enquanto brinca com seu animal ele, súbito, vai para um outro canto, caminhando e, faz barulho para o vazio, para o canto da parede ou para a própria parede… A coisa está lá. A coisa não quer que você brinque com os animais, ela quer que você brinque com ela, ela quer que você note ela. A coisa está lá. está lá. A coisa está aí, e você sabe disso, a coisa está bem do seu lado. Bem do seu lado…
Quando você vai tomar banho, a coisa vai junto, e espera ansiosamente para que você feche os olhos no chuveiro, para lavar seus cabelos. É aí que ela se diverte e prega peças na sua cabeça. Mesmo estando solitário no box do chuveiro você tem medo de fechar os olhos muito tempo, tem medo de não ter visão por muito tempo. Isso, isso é porque você sabe: A coisa está com você naquele box, bem do seu ladinho, esperando que você feche seus olhos.
A coisa existe, e você sabe disso, não é invenção, não é esquizofrenia. Esse texto é um alerta e um aviso desesperado para que você finalmente se dê conta. Tem uma coisa aí, bem do seu lado, bem pertinho de você, ela está no seu ponto cego e você quase consegue sentir essa presença. Essa coisa quer que você olhe para ela, ela quer sua atenção, ela quer ser notada. Mas não! Não olhe para a coisa! Não olhe para a coisa! Faça o que fizer, agora, não olhe para trás, ela está aí! Bem atrás de você... Ela está aí, e você sente sua presença. Não olhe para trás. Faça o que fizer, eu te imploro: Não olhe para trás. Eu estou vendo, eu estou vendo. Por favor, não vá se assustar, não vá entrar em pânico. Mas tem uma… coisa atrás de você