Caminho sem Volta

Meu nome é Jorge J. Luzt. Meu trabalho é tão solitário quanto o de um escritor, mas não escrevo: avalio a escrita. Trabalho na Editora Seven Books há mais de vinte anos e já vi de tudo no mundo literário. Sim, sou uma “puta velha” como diz o renomado autor, Rubem Fonseca, em seus famosos contos e romances. Já vi originais descartáveis, verdadeiros lixos literários, que não valiam a tinta que os escreveu, mas também vi textos que me surpreenderam pela originalidade e qualidade, textos tão bem escritos que equivaliam a obras de Poe ou de Hemingway. As más línguas dizem que todo editor literário é um escritor frustrado, assim como enfermeiros são médicos frustrados. Discordo veementemente. Como diz a música: “cada um no seu quadrado”. Vocação é vocação. É verdade que há editores que viram escritores e vice-versa. Mas eu não. Adoro ler, mas nem tanto escrever. Por isso preferi ser editor a escritor. Gosto de auxiliar os escritores a produzirem obras de arte para a posteridade. Sinto-me feliz assim e isto me basta. Recebo inúmeros originais, por e-mail, todos os dias. É claro que não leio todos por inteiro. Em alguns casos, há erros de ortografia e de concordância tão crassos que já os descarto na primeira página. Mas, para cada nove manuscritos que vão para a lata de lixo, um me chama a atenção. E são estes dez por cento que fazem valer a pena minha profissão. Recentemente recebi os originais de um autor iniciante. O texto era hipnótico. Não conseguia parar de lê-lo. Li as 313 páginas num piscar de olhos. Sem parar. De tão bem escrito não parecia a obra de um escritor novato. Fiquei interessadíssimo em publicar o livro e enviei um e-mail para o autor assim que terminei de ler seu manuscrito. Esperei uma semana e nada do autor me responder. Achei muito estranho. “Na certa aconteceu alguma coisa, algum contratempo com ele”, pensei. No e-mail que ele me enviou não havia telefone de contato e também acho que o nome com o qual ele assinou os originais e o e-mail era um pseudônimo, porque não constava na lista telefônica. Esperei um mês e nada do fulano me responder. Resolvi enviar outro e-mail e esperar. Passaram-se três meses e eu continuava encantado com o texto de Serj Adis (era assim que ele assinava os originais e também o e-mail) e nada dele responder meu bendito e-mail. Mandei outro e-mail para ele. O último. Após 90 dias sem resposta, tomei uma decisão. Decidi publicar o livro. Se ele aparecesse, eu lhe daria os direitos autorais a que ele tinha direito e ficava tudo certo. Passados alguns meses da publicação, o livro fez um estrondoso sucesso. O título dele era: “Caminho sem Volta”. Um terror de primeira que certamente Poe assinaria como seu. O livro, em forma de diário, narra as tragédias e os eventos sobrenaturais que Norman Vincent Tale presenciou ao escrevê-lo, em sua breve vida. Um livro amaldiçoado que mata de forma trágica quem o lê do início ao fim (sem nenhuma parada) no prazo de um ano. Hoje, completa exatamente um ano que li o tal livro de uma assentada. Ainda bem que não sou supersticioso. Rá! Rá! Rá!... De repente, a campainha da casa do editor literário toca insistentemente. Com o coração disparado e suando frio, ele se levanta do sofá de três lugares da sala. “A essa hora da madrugada só pode ser notícia ruim”, pensa Jorge J. Luzt conferindo instintivamente a hora marcada em seu relógio digital de pulso: 3 horas em ponto. O editor olha no olho mágico e vê um homem alto como um poste, de aspecto cadavérico, vestido com um terno preto surrado e segurando uma Bíblia nova na mão esquerda. Relutantemente, Jorge J. Luzt abre a porta para o desconhecido. “Ei, quem é você, amigo? O que quer comigo a essa hora da madrugada? O quê? Não era para publicar seu livro? Espere! Baixe essa arma! Vamos conversar... Não! Não! Socorro! Ah! Ah! Ah!”.

FIM

Luciano RF
Enviado por Luciano RF em 16/12/2019
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