Sexta-feira 13: suicídio coletivo

A um ano atrás Leonardo começou a planejar o que teve seu desfecho magnífico esta sexta. A supertição por essa data o fascinava a anos. Não o importava a origem da crença, o número treze ligado a uma sexta feira é sempre um mal presságio, um calafrio na espinha, uma notícia ruím, de morte. Os filmes com a temática são vorazes, as cenas com terror e sangue sem moderação, o culto a Satã parece ser liberado nesse gênero de cinema.

Judas era o décimo terceiro apóstolo sentado a mesa da ceia na quinta-feira que antecedeu a crucificação de Jesus. Na sexta ele o traiu. Numa sexta-feira 13, em outubro de 1307, Felipe IV da França ordenou a perseguição do grupo religioso Cavaleiros Templários, condenando a forca os integrantes da congregação, dando ali início a sua extinção. Às seitas demoníacas escolhiam essa data para realizar seus sacrifícios mais insanos. 13 de Dezembro, sexta-feira, ao redor de uma mesa no terraço da casa de Leonardo, 13 pessoas estavam reunidas para quebrar a crença de que esse número e essa data queriam dizer algo mais, que não fosse nada como qualquer outra data.

Antes de sentarem-se a mesa, os treze incluindo o anfitrião passaram por baixo de uma escada onde uma faixa com os dizeres: "Moirituri te salutant (aqueles que estão prestes a morrer o saúdam, em latim)", estava pendurada. Em dezembro do ano passado Leonardo havia começado a reunir o grupo que se encontrava ali hoje. Foi sincero no convite, queria pessoas que não tivessem o bloqueio mental da supertição, e que topassem testar alguns mitos em sua casa. Para sua surpresa não foi difícil conseguir fiéis, tendo até que expulsar alguns crédulos curiosos que ficaram sabendo da nova seita. Ganharam até o apelido de Clube treze. O encontro de hoje era o segundo, o ano de 2019 foi atípico dando a oportunidade de duas sextas-feiras 13 e mais, de lua cheia. Na primeira em setembro, eles haviam se reunido e o que para os outros 12 foi uma boa brincadeira, um jogo para produzir adrenalina, para Leonardo fora uma iniciação. A data guardava algo mal, e ele havia sentido naquele primeiro encontro.

Naquela sexta-feira aconteceu um jantar, os treze se olhavam em volta da mesa redonda, e o clima dequela vez era soturno. A música clássica que Leonardo havia colocado dava ao ambiente uma melancolía mórbida, o vinho servido por ele era grosso e para alguns se assemelhava a sangue. O terraço era descoberto e o vento que cortava o lugar tinha textura densa e pesada, tocando frio a pele dos integrantes. Ele chamou duas das moças que participavam para lhe ajudar a servir o jantar, comum. O símbolismo estava nos treze envolta da mesa, o décimo terceiro convidado é sempre mal visto. Não hoje.

A comida tinha gosto amargo, ninguém conversava, o clima amistoso e amigo que o anfitrião mostrará da primeira vez havia desaparecido. Desde o começo do jantar toda iniciativa de assunto morrerá com tocar fino da música. A noite naquele dia de fato causava medo. E eles não estavam fazendo nada, somente sentados, jantando. Como num grito velado de medo os convidados começaram a bater discretamente mais forte os talheres nos pratos, como se um quisessem avisar ao outro que algo ali estava errado, mas a noite era para matar as supertições, e ninguém queria mostrar de fato, medo. Porém olharares se cruzavam, e mesmo em silêncio o medo alheio escrachado nas expressões potencializava o medo pessoal. A comida amarga incomodava-lhes a garganta. Leonardo não comia. Sem motivo aparente a tensão na mesa aumentava ao poucos, como se algo os espreitasse, como quando se está deitado no escuro e se sente alguém andando em seu rumo. Dizem que pouco antes de morrer você sabe que vai morrer, a morte espreita lhe esfriando a alma aos poucos, e o místicismo do dia esmagava as boas ilusões. Eles comiam e a dormência começava a tomar conta do corpo de alguns.

Uma participante, Kátia, tossiu forte e voaram gotículas de sangue no pano branco sobre a mesa. Leonardo olhava frio. Ela tentava se conter e uma onda tenebrosa de dor e pavor consumiu sua carne, soltou um grito rasgado, esbugalhando os olhos. Os outros se entreolharam em pavor, olhando os prato, horrorizados a coçar as gargantas. Eram 5 homens com Leonardo, dois deles voaram em seu pescoço e começaram a esmurra-lo. Ele gritava entre os murros, gemendo e gargalhando feliz:

-Morreram todos de toda forma. Peguem, tem uma arma na gaveta, me matem, arranquem-me os membros como nos rituais de selvageria mais loucos, afinal para que mais vintage que morrer numa sexta-feira 13 de lua cheia?! E ria gemendo.

Seus agressores já perplexos com tudo aquilo, sentiam o efeito da tetrodotoxina em seus membros, tornado-os pesados e paralisando aos poucos. Num esgar de ódio louco um dos caras voou com os dentes no pescoço de Leonardo cravando-os com tamanha raiva, que abriu um buraco feio por onde passou a jorrar sangue. As mulheres já com expressão paralisada pelo veneno, tinham os olhos escorridos pela face, como numa estátua de cera exposta ao sol. Gemiam lamúrias já caídas no chão, em poucos minutos começariam a asfixiar e morreriam. Leonardo só pensava que tinha feito jus ao dia. O mesmo que ferira seu pescoço com os dentes, agora armado andava em sua direção, sentiu um ar de alívio e um sentimento de liberdade quando o homen grandão se arrastando tentando falar mas com a língua mole para fora da boca explodiu-lhe os miolos com a pistola que ele havia deixado ali, para aquele propósitos. Os treze morreram em menos de meia hora. A cena era digna de uma foto para uma manchete bem grande em algum jornal sensacionalista: "sexta feira 13, o suicídio coletivo". Os corpos iluminados pela lua cheia no terraço tomaram tons brancos sob a luz fria. No plano não haveria sangue, mas quem controla essas coisas? O sangue de Leonardo dava o toque de charme rubro que a obra precisava. A noite atingirá seu ápice.

No primeiro encontro, para Leonardo, ele havia recebido uma visita. Enquanto quebravam espelhos e enforcavam gatos pretos, ele sentiu que estavam debochando de coisas além da compressão deles. Um sentimento de perversidade se instalou em seu sub consciente martelando em sua cabeça que devia se matar, matar a si mesmo e aqueles hereges que ali pecavam. Aquilo o torturou durante todos os dias antes da fatídica sexta. Ele sabia que caminhava para morte, e mais, que planejava a própria morte. Tentou se matar antes mas sua alma só seria aceita acompanhada de outras doze, como nos rituais que ele tanto lia. Nos últimos dias antes do jantar, a ideia de que algo sobrenatural havia falado em seu ouvido e empreguinado aquela ideia de morte crescerá, pois ele sabia onde ir, o que fazer, onde encontrar o veneno e como conseguir o dinheiro. O universo conspirará para o ato, o dia de fato era místico, e Leonardo havia sido levado a entender com a própria vida.

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