115 - Cento e Quinze
Na Procissão ia um fardado de Santo António com um boneco de cabeça de louça na mão. Ia farto o rapaz de carregar o boneco, do hábito que se lhe enrolava nos pés, da auréola que, presa na cabeça, o enchia de comichões sempre que se mexia. E ninguém punha mão no anjinho da frente, com uma asa descaída e jeitos de mafarrico.- Estás de saias, maricas? A brincar com o boneco da tua irmã, maricas! E a Procissão , lenta, a começar a deslizar ao som clamoroso da fanfarra logo atrás dos miúdos fantasiados do que havia de mais santo. – Quando isto acabar trato de ti, minha cabra! E o anjinho insistia: maricas, maricas, maricas. Foi quando já não suportava mais os modos, as palavras e as caretas do anjinho que o menino vestido de Santo António partiu a cabeça do boneco na cabecinha loira do anjo.
Edgardo Xavier.