Casarão

Histórias de terror quase sempre nos atraem. Eu gosto. Há muitos que gostam.

Tive uma vizinha, dona Florência. Viveu bastante, deve ter falecido já próximo dos 100.

Contou-me que, jovem vinda do interior, teve de trabalhar como doméstica. No tempo em que essa tarefa era árdua, dura mesmo.

Mais ou menos um trabalho escravo, sem horário para terminar. O patrão pagava o que achava conveniente pagar.

Já viu: dava apenas o necessário, bagatela. Exploração pura. Espero que tal prática não retorne. Espero. Chega de usurpar as pessoas.

Florência fora trabalhar numa casa.

Na verdade, um casarão, daqueles antigos, construído no início do século XX. No centro da cidade (Belém), bairro da Campina.

Começou numa quarta-feira. Foi à casa, levada por dona Iracema. Residiam na casa duas senhoras.

Iracema bateu na porta. As duas senhoras eram Celestina e Ambrósia, esta a mais velha. Estava com 87 anos.

Celestina, 84. Eram irmãs. Ia dar 8 horas (manhã). Celestina veio. Abriu a porta.

----- Iracema, bom dia.

Iracema deu bom dia. Apresentou-lhe Florência.

----- Esta é a empregada que tinha prometido a vocês.

Elas entraram. Foram ter com Ambrósia – ela estava deitada, um pouco adoentada. Foi um resfriado apenas. Estava se recuperando.

------ Com vai ? Ela, Ambrósia, perguntou.

------ Tudo bem, patroa.

----- Venha até aqui, minha filha, guardar suas roupas, disse Celestina. Ela a levou ao aposento, um quarto, na parte de trás do casarão, passando a cozinha.

A empregada fez as tarefas típicas de uma casa. Limpeza, comida. O tempo passou – Florência nem percebeu.

Rápido veio a noite. Estava exausta. Claro, serviço de casa é penoso, é puxado.

As irmãs gostavam de TV, de novela. Criavam dois gatos. Ambos mimados.

Florência terminou suas prendas. –---- Dona Celestina, está tudo arrumado, cozinha limpa. Preciso descansar.

------ Sim, tome um banho. Sabe onde é teu quarto. Vá, repouse.

Anoitecera. Fazia frio. O tempo indicava chuva.

Florência pegou no sono. Não percebeu quando desabou a chuva, forte, com raios.

Por volta da meia-noite despertou. Ficou assustada. A água batia no telhado com vigor.

Estava ali, sozinha, num local estranho.

A chuva reduziu, deu uma estiada.

Silêncio. Florência ouviu passos. Um ser caminhava pelo corredor. Compassados passos. Ela paralisou. O estranho parou, à porta.

Um silêncio de um minuto. Duas batidas suaves na porta. Novamente silêncio. Ambiente como de um cemitério.

Florência ali, sem voz, respiração lenta, parando. Suava frio. Outra vez uma batida, lenta, macabra, na porta.

Logicamente a empregada não iria levantar-se, abrir a porta. Claro, não!

O ser, quem sabe uma alma expulsa do céu, penada, foi embora. Aqueles passos escabrosos retornando, se retirando.

Em seguida, os gatos. Estes arranhavam a porta, miavam. Queriam adentrar o quarto, à força. Novo pânico para a humilde doméstica, Florência.

Ela desmaiou. Despertou pela manhã: Dona Celestina batia na porta.

----- Bom dia, Florência, tá na hora do batente.

A doméstica levantou, um pouco atordoada da noite de pavor.

Foi falar com Celestina. Lhe contando o que passara. Os passos, as batidas na porta, os gatos.

Esta lhe disse: ----- Bem, minha filha, vou te dizer. Tínhamos um irmão mais velho. Ele morou aqui, com a gente. Morreu há um ano. Sofria de transtorno mental, falava sozinho, tinha insônia e nos deu trabalho.

Por algumas vezes ouvimos esses passos pelo corredor, só pode ser seu espírito. Rezamos o terço para Seus dar descanso à alma dele.

Tenho pra mim que, por ter visita na casa, você, ele retornou, saber quem seria...

–---- Quanto aos gatos, eles vagam pela casa. Você sabe, gato gosta da noite, de subir aos telhados, namorar. Eles (gatos) pressentiram a presença da alma dele na casa.

------ Qual o nome desse irmão de vocês, o que morreu?

------ Chamava-se Alencar. Era psicótico, com alucinações noturnas. Sofria de insônia – ficava pela casa, vagando, falando só.

Os gatos não gostavam dele, nem um pouco, talvez pela doença.

Ambrósia pediu à empregada para ela dormir junto com elas, no quarto. Lá era mais seguro – e Florência teria companhia. A alma de Alencar não mais apareceu.

Salatiel Hood
Enviado por Salatiel Hood em 24/11/2019
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