Discípulos de Satã

As festas de carnaval agitavam Brasília, e Victor como qualquer jovem, contribuía para a baderna. Dois dias antes da quarta feira de cinzas, ele se reuniu com dois amigos para combinarem as últimas farras. Papo vai papo vem, Jorge, um dos amigos, comentou sobre um novo grupo que eles estavam criando, "discípulos de satã" era o nome. Victor ficou intrigado com o nome e quis saber mais, saber qual o intuito da criação daquilo, e se de fato eles adorariam o demônio. Jorge iniciou a explicação:

- Ano passado, nessa mesma data, nós matamos um garoto que encontramos dormindo bêbado nós dutos da torre de tv, estávamos em quatro, e revezando de dois em dois, entre segurar e bater, o espancamos até a morte. Disse Jorge. Victor olhava intrigado e Jorge prosseguiu.

- Depois disso, não consegui parar de pensar na cena, os últimos momentos do morto, me olhando com olhos implorando piedade, aquilo não saia da minha cabeça e no começo desse carnaval, alguma presença visitou meu quarto, e tive certeza de quem era...

-Satã? Indagou Victor.

-Se não ele alguém muito próximo, senti a presença hedionda e sabia por que ela estava lá, sem palavras ou gestos. E surgiu a ideia de reunir os mesmos caras do ano passado, somente eles, e realizar uma nova matança, mas dessa vez, como oferenda ao deus do orco.

Combinaram de ir a um bloquinho que rolaria na W3 sul e, cada um foi para sua casa. Durante a volta, Victor pensava na historia, no grupo, na oferenda, e não conseguiu entender por que a vontade de participar daquilo somente crescia. Era criminoso, era herege, "discípulos de satã" o nome condenava o grupo. Mas não importava, só queria fazer parte daquilo, extrapolar, sair de si, fazer alguma coisa, e quando encontrou seus amigos pouco antes de irem ao bloco a primeira coisa que falou foi que também queria fazer parte. Queria participar da escolha da vítima, do ritual, da morte e da desova. Recebeu um lacônico não! Jorge era irrefutável, tinha de precisamente ser o mesmo grupo do ano passado. Era a ordem, não dele, e sim de seu senhor, satã. Victor se conteve mas tentou argumentar, ameaçou que os denunciaria a polícia pelo assassinato do ano passado se eles não o integrassem aos discípulos. Os quatro se entreolharam, e um pensamento mútuo percorreu suas mentes. Concordaram que Victor faria parte.

- As 21:00 da quarta feira de cinzas, vamos nos encontrar no deck norte. Vai rolar uma saideira lá, e será um bom lugar para escolhermos o prato certo, talvez até mais de um, falou Jorge. Naquela dia curtiram o bloco juntos, Victor eufórico pois faria parte de algo superior, uma divindade havia lhes designado tal missão. Porém Jorge e os outros pensavam outras coisas.

Quando chegou ao deck os quatro já lhe esperavam, a festa rolava a solta e eles decidiram ir a lugar mais afastado para bolar um plano curto de como fariam tudo. Entraram no carro de um dos rapazes, e Jorge disse a Victor para ir no banco da frente. Alguns quilômetros depois Carlos, um dos rapazes do ano passado, sentado logo atrás de Victor, passou uma corda em seu pescoço e forçou contra o banco, Jorge desferiu dois golpes fortes com uma marreta, um na perna e outro no ombro de Victor, que sufocava e se debatia no banco.

-Então você vai contar o que nos fizemos? Bem que meu senhor havia dito que mandaria um sinal da pessoa que ele escolhera, mas não disse que nos entregaria assim, só pra ser executado. Falou Jorge.

O medo rompeu a bexiga de Victor e ele mijou nas calças. Carlos afrouxou a corda enquanto riam, Victor não se mexia, só chorava, e olhava com pavor, os quatro rapazes rindo. Desceram do carro num terreno deserto e amarraram Victor. O ritual só pedia uma morte violenta e eles começaram cortando sua mão, ele gritava enquanto o trabalho era feito com uma faca de cortar pão. Seus olhos não pareciam mais humanos, talvez por dor, pavor, ou tudo junto, mas seus algozes foram impiedosos, prosseguiram com a tortura, o castraram, um dos rapazes decidiu que o faria engolir os testículos. Victor tremia. Cortaram também seu pênis, e foi grande a pilhéria quando o enfiaram no ânus dele. Victor em pensamento implorava pela morte, lembrava do dia anterior, de como bebiam e cantavam juntos, enquanto eles escreviam com facas por todo seu corpo o nome "Satã". A massa disforme que um dia havia chamado Victor, gemia baixo mostrando que ainda estava vivo, e o condenando a uma nova sessão de martírios, cravaram logo abaixo de seu peito um crucifixo invertido, em veneração ao seu amo, Victor gritou com as últimas forças que tinha sob a estocada. Os discípulos de satã, o banharam de gasolina, a dor que sentiu por conta das feridas recém abertas o fez tremer entre espasmos.

O amarram ao tronco de uma árvore seca, e atearam fogo. Olharam Victor gritar pedidos de socorro impassíveis, certos de que aquilo era sagrado, e que o sofrimento dele tivera motivo. Observaram sentados até que fogo consumisse tudo e cessasse. Desovaram o corpo dentro de uma pequena mata que havia ali perto e sumiram. A oferenda havia sido paga. Victor só tinha pai, e só ele o procurou. Sem êxito. O corpo carbonizado foi encontrado, mas devido ao estado, não havia como chegar a algum envolvido, nem realizar um reconhecimento. Os discípulos de satã assistiram no jornal a notícia do corpo encontrado próximo ao deck norte depois da quarta feira de cinzas. Em suas cabeças, ninguém tinha culpa. Aquela morte fora necessária, esperariam ansiosos por outra ordem.