Boa visita

Acordei no meio da noite com minha filha aos berros, chorava e gritava pedindo para que eu a ajudasse. Frio, colei na cama. O grito entrou em meus ouvidos gelando a espinha, por um momento, nem a cama mais eu senti, tentei levantar e não encontrei força nas pernas. A boca seca impediu que eu respondesse e então ela gritou de novo, chamando papai com muita força, com um voz que denotava dor e me apavorava. O quarto parecia um cubículo sem portas nem janelas, e a cama me segurava, consegui virar de barriga para cima e cravei os olhos no teto, queria levantar, mas o horror do grito me paralisava. Ouvi passos em direção ao meu quarto e os sentidos entraram em alerta, na cabeça "será que ela tá vindo aqui, levantou e está vindo, e eu nem se quer consegui levantar?" Os passos pararam frente a porta. O coração acelerou, queria levantar e gritar, mas o medo que se apossará do meu corpo me impedia até tirar os olhos do teto. A porta não abriu, mas senti que alguém havia entrado no quarto, e sentando-se aos pés da cama. Queria olhar, mas a essa altura já nem o teto olhava mais. O vento ajudava, e assobiava baixo quando entrava pela fresta da janela. Frio. A cama funda sob o peso da tal presença. Dava para sentir o calor de mais alguém ali, e segundos depois uma respiração. Já me tremia todo quando a tela do celular acendeu, iluminado minha câmara de tortura. Não ousei olhar para os pés da cama, não ousei pegar o celular, nem se quer virei o rosto para fita-lo. Havia trancado e conferido todos os cômodos da casa. Um toque, o grito subiu pela garganta. O quarto estava vazio a porta fechada e alguém tocava meus pés. Gritei de pavor e sentei-me num solavanco na cama. Não havia ninguém no quarto.

Levantei, tremendo e suando frio. Liguei a luz do quarto e olhei o celular. 4:30, logo amanheceria. Fui a porta e quando toquei a maçaneta ouvi um gemido horrendo que denunciava dor, e que se assemelha muito a voz da minha filha. Gelei, não conseguiu abrir a porta, a maçaneta pareceu emperrada a dez anos. A casa virou um pandemônio, a garota gritava, minha filha? Achei ter visto as luzes ligarem, notei de novo só a do meu quarto estava acesa, eu quem acendeu? Passos da sala em direção a cozinha, pancadas na porta, o portão balançava forte, e o vento hediondo assoviava dando contornos de cenas de terror. A porta do quarto dela bateu, e silêncio. Um silêncio palpável como dez anos de poeira acumulada em uma sala.

Passou-se uma eternidade, 4:33, eu ainda estava com a mão na maçaneta, tremia, a luz ligada me torturava. Eu havia ligado a luz! Com esforço voltei para a cama. O clima voltará a ser o mesmo. Deitei com os olhos no teto. Não queria ficar de costas para nenhum canto. O celular despertou as 6:30, mas eu já estava acordado. Era um domingo, chovia pela manhã e resolvi ir ao cemitério visitar o túmulo da minha filha. Ela morrerá a três anos e depois daquela noite ela vinha periodicamente me visitar, sempre turbulenta, sempre me assustando. Lembro de tê-la pedido para não fazer mais aquilo, papai ficava com muito medo. Ela não me atendeu, voltou outras vezes e decidi me mudar. Acho que ela ainda não me encontrou. Noite ou outra escuto uma garotinha passar pela rua gritando papai, infelizmente eu não posso mais ajudar.