O Fugitivo

O ano é 1943, pleno nazismo. E adivinhe só... sou um judeu. Eu e minha família nos escondemos nas ruinas que restou de uma cidade pequena, consigo contar nos dedos as pessoas que ainda vivem aqui. A cidade era bela e cheia de vida antigamente, até chegar os porcos nazistas e acabarem com tudo. Hoje vivemos sem nenhum tipo de energia elétrica, a água é precária pois temos que pega-la no lago fora da cidade, é bastante arriscado pois qualquer deslize não somente eu que irei morrer, mas eles desconfiarão que ainda há pessoas na cidade e suas vidas serão encurtadas por minha culpa; não quero nem pensar o que eles poderão fazer com as mulheres...

A água no abrigo está acabando e devo ir com urgência buscar no lago, aproveitar o dia enquanto posso, pois, a noite é escura e não conseguirei ver um palmo a minha frente. A água apesar de parecer um pouco suja, após a fervura dá para tomar. É isso ou nada. Enquanto encho os dois baldes com água, um homem vestido de roupas listradas com um emblema escrito “Judeu” desesperadamente me pede ajuda para encontrar a direção para a cidade. Eu não quero parecer um completo idiota, mas eu lhe indico o túnel que leva aos esgotos da cidade, apesar de ser um local escuro e fedorento, os alemães não se rebaixam a esse ponto de arrastar seus lindos pezinhos nos dejetos de um judeu. Eu não poderia lhe indicar alguma casa ruída pois não há mais nenhuma que dê para se abrigar em segurança sem que caia alguma pedra em sua cabeça, as vezes durante o dia escutamos alguns pedregulhos desmoronando.

Eu volto em segurança com os dois baldes de água. Eu evito falar sobre o fugitivo que me abordara mais cedo para não preocupar ainda mais a minha família, se já não bastasse o inferno que passamos todos os dias. Toda noite nós não sabemos se poderemos ver o sol novamente no outro dia. Me pego pensando a horas naquele sujeito e como ele está enfrentando sua situação, ele deve estar faminto e sedento. Não conseguirei dormir enquanto não for checar sua condição, a humanidade ainda habita em meu coração apesar de tudo. Eu pego uma velha lanterna na gaveta da cômoda, comida e uma garrafa de água, e sigo para a entrada do túnel.

O lugar cheira pior do que esperava, a escuridão predomina por todo lugar. Após caminhar por alguns metros eu vejo no canto de uma parede o sujeito que me pedira ajuda horas atrás. Ele está sentado de cabeça baixa, e canta para espantar sua solidão. Seus olhos são vazios e aparentam ter visto coisas terríveis... De certa forma eu sinto sua dor, cada um tem seu inferno, e os nossos resolveram se encontrar nessa tarde. Por mais que minhas palavras sejam inúteis aos seus ouvidos, eu deixo a comida e bebida do seu lado, ele parece não se importar com nada.

Naquela noite ao ir embora meu coração se partiu ao deixa-lo na completa escuridão enquanto minha lanterna gradativamente removia o brilho que a mesma vazia em seus olhos. No outro dia ao retornar não o encontrei mais lá, a garrafa de água não estava lá, e a comida virou um banquete aos ratos. Semanas se passam e seu paradeiro é desconhecido.

Durante essas semanas em que sua presença era oculta em minha vida, diversos animais estavam desaparecendo do dia para a noite, como as galinhas que possuíamos na cidade como forma de alimento e a pequena plantação de batatas que tínhamos. As pessoas estavam preocupadas com a fome que começara a bater na barriga de algumas pessoas, uma delas era a minha mãe. Preciso descobrir o que está havendo, se há algum animal selvagem que está roubando da nossa comida. Pela noite eu espreito com dificuldade pela cidade, afim de descobrir alguma coisa. Escuto alguns barulhos, porém é os pedregulhos rolando de cima do telhado de uma casa, ainda bem que ninguém morava lá. Porém algo chama a minha atenção. Há pegadas no chão do lado de fora da cidade, peculiar pelo fato de não serem em forma de sapatos, todos aqui utilizam. Só poderia ser uma pessoa, o foragido. Nessa noite eu arranjei um canto e passei a noite vigiando, por mais que meus olhos tentassem se fechar, eu era mais forte.

O sol nasce no horizonte me acordando e enchendo meu coração de esperança que tudo vai ser resolvido hoje, pois nenhuma tristeza impediu o sol de nascer nem as estrelas de brilharem no céu. Eu sigo as pegadas ainda intactas, elas me levam a uma cova gigante onde as pessoas que residiam nessa cidade foram exterminadas pelos nazistas e jogadas como animais para serem refeições de vermes da terra que se revisariam para comer toda a carne pútrida que se deteriorava com o tempo.

Eu vejo ao fundo na vala o sujeito que se abrigara no esgoto e que fugira na noite seguinte sem deixar pistas. Suas mãos estão unidas a uma moça; em seu pescoço um colar que mostrava a foto de um homem e de uma mulher. Era sua esposa. Meu deus... Nas mãos da mulher uma garrafa vazia, a mesma que eu lhe dei naquela noite. O homem estava em um estado avançado de magreza e sua pele já estava branca e sua boca roxa, a morte havia o levado. Em sua volta se encontravam as galinhas, todas sem as penas e cortadas rudimentarmente em pedaços pequenos. As batatas estavam sem as cascas. Meus olhos se encheram de lágrimas no mesmo momento e pingavam por sobre seus corpos já mortos.

Ao fundo escuto disparos vindo da cidade. O meu choro se misturou com o desespero em que corria naquela direção, minha família estava lá. O choro não tem mais validade quando uma bala penetra sua pele, não adianta mais chorar. O meu silêncio agora é mais alto e claro que os tiros que vem em minha direção.

STRIT
Enviado por STRIT em 18/11/2019
Código do texto: T6797683
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