Um Pesadelo em Vermelho

Acordou, guardou seu cobertor vermelho com uma mancha branca, tomou banho; gelado, porque esqueceu outra vez de consertar o chuveiro. Passou a roupa com pressa. Se lembrou do dinheiro para o café quando já trancava a porta. Foi à lanchonete da esquina, grosseira como um botequim. Pegou o ônibus, não havia lugar para sentar. Na faculdade, entrou ruim e saiu pior. Precisava estudar para as provas. No trabalho, ouviu alguns boatos sem importância, o chefe ficou no seu pé o tempo todo. Voltou para casa cansado, jantou e dormiu durante o jogo do Botafogo. Sonhou.

Atravessava um rio de forte correnteza. Um velho remava com todas as forças. Se ofereceu para ajudar, pegou um dos remos. Ouviu um bater de asas, olhou para trás. Um cobertor vermelho voava em sua direção e estava faminto; ele sabia disso, sem saber como sabia. A força do rio jogou o velho barqueiro na água. O barco começou a girar. O cobertor se aproximava cada vez mais rápido. Uma mão puxou-o para dentro do rio. Acordou.

Guardou o cobertor, banho frio de novo, passou a roupa, esqueceu o dinheiro, não tomou café. Pegou o ônibus lotado. O chefe avisou sobre uma reunião geral no dia seguinte. Voltou para casa, jantou apressado e dormiu sem escovar os dentes. Sonhou de novo.

Estava nu em um deserto de gelo, um urso mandou-o subir em suas costas. Ficou com medo, ouviu um bater de asas. Pulou no urso, saiu disparado. Olhou para trás e viu o cobertor vermelho se aproximar. Os pelos brancos do carnívoro machucavam sua pele como agulhas, o frio e a dor eram reais. O bicho tropeçou e eles caíram no gelo. Tentou fazer o animal se levantar, estava morto. Correu. Dois pinguins pousaram em seus ombros, agarraram sua carne com garras afiadas e levantaram voo. Começaram a ganhar distância do cobertor. Largaram-no no mar congelante. Acordou.

Banho frio, não passou a roupa. Café amargo. Perdeu o ônibus, se deu mal nas provas. Fez hora extra. Foi demitido. Chegou em casa tarde, dormiu sem jantar.

Acordou de madrugada. Mesmo com a visão embaçada, viu o cobertor vermelho ao seu lado na cama. Jogou-o no chão, se afastou, mas o cobertor ficou de pé e andou em sua direção, ansioso para tocá-lo. Foi à janela do apartamento, olhou para baixo. Dez andares, visão de pesadelo. Pulou.

Não estava sonhando.