O Jogo

Dois homens caminhavam lado a lado sobre o gramado durante a penumbra da noite fria. Ambos estavam agasalhados e com as mãos dentro dos bolsos afim de proteger os dedos sujos de terra dos ventos congelantes. Ambos tinham o mesmo destino e pouco conversavam. Vez ou outra um comentário era feito à respeito do clima ou sobre o quanto detestavam as suas vidas, ou sobre qualquer assunto banal digno de fazer do tempo um intermédio da agonia de andar no frio com o entretenimento visando derrotar o tédio mortal. Até que um dos homens propôs um jogo simples de enigmas:

_ Veja bem meu caro, faço aqui uma pergunta. Se caso for capaz de acertar a resposta, ganha o jogo. Caso erre, me torno o vencedor.

_ Mas o que o vencedor ganha? _ Indagou o outro sobre a proposta _ Sabe que gosto muito desse seu canivete de prata que carregas em seu bolso o tempo todo, mas admito que tenho poucas chances de ganhar, afinal sou muito azarado e nunca consegui ganhar nada em minha vida.

_ Seria melhor afirmar o que o perdedor perde meu caro.

Com dúvidas o homem franziu o cenho, mas não resolveu questionar as regras do jogo de seu companheiro, e por assim acabou aceitando o desafio:

_Pois então eu entrarei em seu jogo. Mas apenas você fará as perguntas?

_Sim, apenas uma pergunta. E aí? Ainda quer jogar?

_Que seja_ Disse o desafiado_ Pois o que poderia tirar de mim caso eu perca este jogo? Minha carteira está vazia mesmo e eu não tenho bens e nem aonde cair morto.

_Muito bem_ Começou o desafiador_ Minha pergunta é bem simples e exige poucas palavras para respondê-la: Você lembra o que veio fazer aqui?

O desafiado então parou e olhou ao seu redor. Tudo estava tomado pela escuridão e uma névoa pairava sobre pequenos pontos que emergiam das protuberâncias do gramado. Ele apertou os olhos na escuridão e percebeu que os pontos eram lápides, e que ambos os dois estavam caminhando em um cemitério:

_ Não me lembro...

_ Sendo assim me declaro vencedor, pois vejo que não conseguiu responder minha pergunta_ Disse o desafiante_ Sabe o que acabara de perder meu caro amigo?

O homem olhou confuso ao seu redor, sem saber se estava sonhando ou se aquilo pertencia à realidade de sua vivência, e em meio ao medo e devaneios apenas respondeu:

_Não, o que perdi?

O desafiante gargalhou e respondeu pausadamente:

_ A sua sanidade juntamente com a sua vida.

Então o desafiado percebeu que uma lâmina prateada de canivete estava junto à sua garganta de frente para um túmulo que fora cavado de forma grotesca. Foi só neste momento que ele percebeu que seu único companheiro era ele mesmo e que nunca houve ninguém ali com ele ou em toda a sua vida medíocre. O homem percebeu também que o túmulo cavado por suas próprias mãos seria finalmente o lugar em que ele poderia cair morto. Então ele forçara o punho cerrado com a lâmina entre os dedos dilacerando suas artérias e rasgando toda a carne que sustentava sua cabeça confusa, fazendo o sangue salpicar o seu rosto e escorrer por todo o seu corpo. Cheiro e gosto de sangue misturaram-se nos sentidos do homem enquanto ele afogava-se e revirara os olhos ao sentir a dor do corte profundo. Por fim, ele caíra na cova com um sorriso no rosto, satisfeito por ter vencido um jogo em sua vida. Em uma lápide feita aparentemente às pressas com estilhaços de madeira era possível ler as seguintes inscrições: “Aqui jaz o vencedor”.

(Guilherme Henrique)

PássaroAzul
Enviado por PássaroAzul em 13/11/2019
Reeditado em 13/11/2019
Código do texto: T6794230
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