Adamor

Era uma segunda-feira. Adamor, pessoa simples, nesse dia ficou até mais tarde no trabalho. Regressou para casa, ali, perto das 11 da noite.

Voltava cansado, logicamente. Residia por trás de um cemitério, o Santa Isabel, tradicional na cidade.

Desceu do ônibus, um dos últimos a circular. A tarde fora chuvosa, chuva forte. Era fevereiro, período das águas aqui no Norte do país.

Deparou-se com um homem, um desconhecido. O local estava deserto, completamente. Nada, ninguém, tudo quieto. Um pouco de frio.

O desconhecido aproximou-se de Adamor. Disse-lhe: ------ Boa noite, amigo.

Ele respondeu: ------ Boa noite.

O estranho: ------ Meu nome é João Feliciano. Me desculpe o interromper... Qual seu nome?

------- Adamor, disse-lhe.

------ Para ser-lhe breve, amigo Adamor... Que horas são?

------ São 23 horas e 18 minutos.

O desconhecido, João Feliciano, lhe pediu um cigarro.

------ Não tenho, amigo, parei de fumar já há 8 anos.

------ Tudo bem, Adamor, era só isso. Vá em paz, bom descanso.

Como fazia rotineiramente, seguiu pela calçada do cemitério, cujo muro deve ter cerca de 300 metros, da frente aos fundos.

Adamor foi embora, rumo da casa. Tomaria banho, jantaria. A esposa o aguardava.

O trabalhador seguiu, caminhava pela calçada. Mas aquele desconhecido o preocupava. Aquela noite frienta. Tudo calmo, rua sem ninguém.

Andou. Uns 20 metros olhou para trás. O homem estava em pé, no lugar onde se encontraram. E olhava para ele, Adamor, ali, parado, imóvel. Isso o assustou. Claro que assustaria qualquer mortal

Adamor continuou. Mais na frente novamente olhou para trás. Não viu ninguém. Feliciano sumira, fora embora.

Mesmo assim ele estava assustado. De repente um gato, inesperadamente, passou correndo, na frente dele. O local não estava bem iluminado: algumas luminárias estavam apagadas.

Mais uma vez olhou para trás, a procura do desconhecido. Eis que o homem caminhava, vinha em direção a Adamor.

Este continuou a andar. Olhou para trás. Viu aquele estranho ser atravessar a rua. Foi para debaixo de uma árvore. Adamor parou, tentando visualizá-lo, vê-lo. Mas nada viu naquela penumbra.

Já perto do fim do extenso muro, Adamor parou. E eis que João Feliciano, aquele ente macabro, talvez de outro mundo, caminhava. Saíra de debaixo da árvore, da penumbra.

Andava lentamente em direção a Adamor. Estava, porém, distante. Adamor dobrou, seguiu pela calçada, já pelos fundos da cemitério.

Rua morta, nada, nem carros, pessoas, ninguém. Decidiu retornar, estava curioso para ver aquele ser sinistro.

Olhou, olhou. O homem sumira, ninguém. Bem, o certo mesmo seria ir para casa, tomar banho, jantar, repousar, ver a mulher...

Abriu o portão, o fechou. Pegou a chave. Abriu a porta.

Sua mulher, Dalva, estava deitada. Ela levantou-se. ------- Boa noite, Adamor.

Percebeu que o marido estava meio agitado, pálido. ------- O que houve? Ela quis saber.

Adamor: ----- Nada não.... É que tá frio lá fora, choveu muito a tarde.

Foram para a cozinha. Adamor sentou, Dalva foi preparar-lhe a janta. Nesse momento alguém bate à porta. Dois toques. Só. Pausa. Depois mais duas batidas.

------ Quem será a esta hora? Dalva perguntou.

Adamor pegou uma faca que estava sobre a mesa. Foi à porta. Mas não a abriu – e nem poderia, de jeito nenhum.

------ Quem é, o que você deseja? Ele perguntou.

Silêncio. Ninguém respondeu.

Pairava o pavor, horror. Quase meia-noite, tudo deserto. Adamor ali, com a faca na mão. Não sabia quem estaria lá fora.

Lembrou então daquele homem, o que o seguiu na calçada do cemitério Santa Isabel. O João Feliciano.

Seria ele?

Dalva ficara na cozinha – lógico, estava temerosa. Então Adamor ouviu: alguém abriu o portão. O fechou, e foi embora. O tétrico ser deve ter ido para o além. Ou para sua morada, o cemitério.

Ficou aliviado. Acalmou-se.

E contou à mulher, Dalva, o que lhe ocorrera, na volta para casa.

Dalva lhe disse: ------ Isso aconteceu com o vizinho aqui de frente. Esse homem, esse estranho, também o seguiu, o vizinho, também numa segunda-feira, nesse mesmo horário.

Eles se acalmaram. Adamor comeu um pouquinho. Dalva pegou seu terço, rezou uma Ave Maria. Se acalmaram.

E foram dormir, naquela noite fria, estranha, fúnebre, medonha.

Salatiel Hood
Enviado por Salatiel Hood em 05/11/2019
Código do texto: T6787942
Classificação de conteúdo: seguro