Corrente de Ar
Por muitos anos eu trabalhei como segurança noturno em uma fábrica de bichos de pelúcia.
Confesso que o lugar era meio bizarro e assustador, um galpão enorme com aquelas centenas de criaturas que iam do tamanho de um chaveiro até as proporções de um lutador de sumô (embora eu nunca tivesse visto um pessoalmente) me encarando com olhares hora alegres, hora maliciosos.
Se eu não me considerasse um sujeito totalmente cético em relação a tudo que não possua uma explicação estritamente científica, poderia jurar que por algumas vezes sentia aqueles olhinhos vidrados me acompanhando, e que por menos vezes ainda, algumas cabecinhas também se voltavam em minha direção enquanto fazia a ronda. Obviamente que isso era apenas uma sensação causada pelo isolamento, afinal, animais de pelúcia, assim como animais mortos, não se movem e nem encaram mais ninguém.
Por mais uma noite sou atraído para o segundo andar, mais precisamente na terceira sala a direita, após a escada, que me parece ser de onde vem um leve cheiro de queimado. Nada, de novo. Deve ser coisa da minha cabeça, mas isso já está começando a me irritar – e, para deixar isso bem claro, bato a porta com força após uma busca minuciosa com a lanterna: sou apenas eu, sem ninguém para me ouvir.
- FABIANO, CORRE AQUI!
Em poucos segundos Fabiano entra no escritório de Solange, que ficava no segundo andar, e após uma breve troca de olhares estupefatos, ele diz:
- Dessa vez eu ouvi!
- Eu falo, ninguém acredita... Cada vez essa porta bate com mais força...
- Vamos manter a calma, deve ser apenas uma corrente de ar... ou você acredita naquela história que o Valentino contou, sobre o vigia noturno que enlouqueceu aqui a cinquenta anos atrás, quando a firma era uma fábrica de bichinhos de pelúcia, tacou fogo em tudo e virou churrasco?
- Sei lá... mas que isso está cada dia mais estranho, está!
Após um riso nervoso, neste plano, ambos voltam ao que estavam fazendo.
No outro plano, a ronda seguia normalmente.
FIM