OS PRESENTES DA TIA ANA

Não existe família perfeita! Desde criança eu sei disso.

Minha mãe nunca teve uma boa relação com sua irmã, a tia Ana. Elas eram irmãs gêmeas e brigavam por tudo; isso é o que minha tia Ana dizia.

Minha mãe nunca convidou minha tia para ir em casa. Mas mesmo assim ela ia, afinal eu era o seu único sobrinho. Nós sempre tivémos uma boa relação, mas eu não podia contar para minha sobre as visitas da minha tia, caso contrário, as duas brigariam. Em outras palavras, elas eram boas irmãs, desde que não se encontrassem.

Toda vez que minha tia me visitava, minha mãe e meu pai estavam trabalhando. Essas visitas aconteciam uma vez ao mês, sempre às sextas-feiras.

Tia Ana não ficava muito tempo. Assim que chegava, preparava um café da tarde, assistia alguns desenhos comigo e pouco antes dos meus pais chegarem, ela ia embora. Mas antes de partir, me contava uma história e me dava um presente.

Os presentes da tia Ana eram os melhores. Tudo que eu queria, ela me dava. "Só vou entregar se você aceitar" - dizia minha tia. E eu sempre aceitava.

Certa vez, eu esqueci de esconder um dos presentes e minha mãe me perguntou onde eu achei. Eu disse à ela que foi a tia Ana quem me presenteara. Minha mãe ficou muito irritada e destruiu o brinquedo. Meu pai ficou descontrolado.

Depois desse dia, minha tia ficou um bom tempo sem me visitar. Eu achei que minha mãe havia brigado com ela, mas não. As coisas que aconteceram depois disso foram perturbadoras.

Numa noite de quinta-feira, minha mãe pediu para que eu nunca mais deixasse minha tia entrar em casa, senão nossa família seria desfeita. Eu não consegui entender o motivo.

No dia seguinte, tia Ana foi em casa no mesmo horário de sempre. Eu estava tão feliz em vê-la de novo que não segui o conselho da minha mãe; deixei minha tia entrar. E essa foi a pior coisa que eu fiz.

Tia Ana contou que minha mãe e ela brigam desde que fizeram dezoito anos. Tudo por causa de um namorado da adolescência que minha mãe tinha, mas que acabou ficando com minha tia.

Depois de me contar o que separava ela e minha mãe, minha tia preparou um café da tarde, assistiu televisão comigo e foi embora.

Quando minha mãe chegou, ela gritou descontroladamente. Como num passe de mágica, todos os presentes que recebi da tia Ana estavam na sala de estar. Eu não tinha percebido que minha tia havia deixado eles lá antes de sair.

Depois de se acalmar, minha mãe me contou o verdadeiro motivo de sua briga com minha tia. Tia Ana estava morta há anos!

As duas sempre foram muito ligadas, mas quando completaram dezoito anos, minha mãe descobriu que meu pai tinha engravidado minha tia. Eles saíram apenas uma vez; foi o que bastou. Minha mãe perdoou meu pai, mas não perdoou minha tia.

Tomada por ódio, minha mãe profanou sua relação com sua irmã. Todas as pessoas que amavam minha tia, incluindo meus avós se voltaram contra ela.

Sua gravidez não durou muito. Acabou tendo um aborto espontâneo e se matou semanas depois. Na carta de despedida, fez questão de dizer que jamais sairia da vida da minha mãe e voltaria para tomar o filho dela, no caso eu, quando completasse dezoito anos.

Depois de saber a verdade de fato, nunca mais deixei minha tia entrar em casa. Nunca mais citei o nome dela e destruí todos os brinquedos que tia Ana me deu.

Todos os presentes que recebi, aceitei de coração. Afinal, ela só me daria se eu aceitasse. Eu não sabia que essa era a permissão para ela me levar com ela.

Depois que completei dezoito anos, minha mãe nunca mais me viu.

Régis Di Soller
Enviado por Régis Di Soller em 03/10/2019
Código do texto: T6760402
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