A Cabeça de Bode
Arthur entrou numa loja onde se vendiam roupas e acessórios usados. Não sabia bem porque entrara ali, foi mais por curiosidade mesmo. Das roupas nada o agradou, mas um objeto lhe chamou a atenção, era um cordão com uma pequena cabeça de bode cor de bronze. Pegou aquele cordão e ficou olhando encantado. Resolveu comprá-lo. A moça da loja não cobrou muito pelo acessório, Arthur logo colocou-o no pescoço e saiu pela rua.
Ao dobrar a esquina uma cigana que lia mãos parou-o encarando-lhe de cima em baixo e lhe disse:
-Você é um homem bom, mas esse cordão que você traz no pescoço é do mal. É melhor você livrar-se dele o quanto antes ou coisas horríveis podem lhe acontecer.
Arthur não gostou nada de ser abordado pela cigana, nem do que ela disse, virou o rosto e continuou andando pela rua. Ele era cético, não acreditava em nada, muito menos que um simples cordão poderia lhe fazer mal.
Ao chegar em casa deu comida para seu gato, depois jantou e deitou na cama, o sono veio com tanta força que ele nem trocou de roupa e dormiu com o cordão no pescoço. Despertou num lugar sombrio, paredes pretas, gotas caiam do teto e fazia muito frio. Começou a andar e saiu em um corredor que dava em outro corredor, o cheiro era podre, queria sair dali, era um lugar macabro, mas por mais que andasse não saia em lugar nenhum. Começou a ouvir gritos que ecoavam pelas paredes. Sentiu desespero e começou a correr até que saiu numa grande sala que parecia um templo. No altar viu cinco homens com túnicas e capuz que cobriam-lhes o rosto e no alto viu uma cabeça de bode.
Despertou assustado, aquilo tinha sido um pesadelo. Já havia amanhecido e Arthur levantou, ainda com aquelas imagens em sua cabeça. Ao chegar na cozinha não acreditou no que viu, seu gato estava estirado no chão, sem vida. Sentiu uma tristeza invadir seu coração, amava seu animal de estimação. Foi até a horta de sua casa e enterrou o bicho.
Era sábado e ele resolveu sair, comprar algumas coisas na feira e depois almoçar na casa de sua mãe, que morava no mesmo bairro que ele. Ao chegar na casa da mãe viu que ela não estava muito bem, tinha febre e uma tosse forte. Comeram e conversaram a tarde toda. A mãe achou estranho aquele cordão com a cabeça de bode que o filho usava mas achou melhor não comentar, ele já contava trinta anos, fazia o que queria.
Quando Arthur chegou em casa fez o mesmo de sempre, jantou e deitou-se, ainda sentia falta do gato mas não teve dificuldade em pegar no sono. Abriu os olhos e se viu novamente naquele templo sombrio, viu no alto aquela cabeça de bode e os cinco homens de capuz no altar. Ouvia gritos desesperados e gargalhadas que ecoavam pelas paredes do local. De repente o homem que estava no meio descobriu a cabeça e então Arthur assustou-se com o que viu. O homem tinha a pele avermelhada como sangue, olhos amarelos e dois chifres.
O jovem acordou daquele pesadelo assustado, suando e ouvindo o barulho do telefone. Ao atender viu que era sua irmã, ela falava com uma voz desesperada.
-O que foi, aconteceu algo?- indagou Arthur.
-Sim- respondeu a irmã- uma coisa horrível aconteceu. Nossa mãe morreu!
Arthur deixou cair o telefone e estirou-se no sofá chorando. A mãe não estava muito bem quando foi visitá-la, mas não imaginava que aquela febre e aquela tosse iam lhe tirar a vida. Ele já não notava, mas trazia no pescoço o cordão com a cabeça de bode, tinha se habituado a usá-lo.
Aquele dia seguiu com o velório de sua mãe, um dia muito difícil para ele e toda sua família. Olhava para o corpo da mãe no caixão e tinha um sentimento de medo, a certeza de que a morte chegaria para ele um dia, como chega para todos, ninguém escapa dela. Não notou mas os familiares observaram aquela cabeça de bode que ele trazia no pescoço, ninguém comentou, mas notaram. Ao fim do dia voltou para casa sentindo-se muito deprimido, não tinha fome. Tomou um banho e deitou-se para dormir.
De repente viu-se novamente naquele templo macabro, os gritos de agonia, gargalhadas fortes, aquela cabeça de bode na parede, e no altar, entre os homens de capuz, aquele ser cor de sangue, olhos amarelos e chifres. Dessa vez ele foi em direção a Arthur, pegou-lhe pelo pescoço, abriu a boca, que tinha um bafo forte, e começou a falar numa voz gutural:
-Você carrega minha cabeça em seu pescoço, agora semeia a morte onde vai, primeiro foi seu gato, depois sua mãe, se me abandonar o próximo será você!
Arthur acordou com o coração disparado e aquelas palavras ecoavam em sua mente, “agora semeia morte onde vai”. Só então lembrou-se das palavras da cigana:” Você é um homem bom, mas esse cordão que você traz no pescoço é do mal”. Não pensou duas vezes, agarrou o cordão com a mão, arrancou-o do pescoço, abriu a janela e atirou-o longe na rua. Neste momento sentiu uma dor muito forte no peito, caiu no chão agonizando, era uma dor insuportável, sentiu falta de ar, já respirava com muita dificuldade, notou que sua hora estava chegando, lembrou-se das palavras daquele ser macabro:”se me abandonar o próximo será você”, e assim sua vida foi escapando-lhe pelas mãos como a areia da praia escapa pelos dedos de uma criança.
Na rua um mendigo passava em frente a casa onde naquele momento jazia um corpo sem vida. Olhou para o chão e viu o cordão com a cabeça de bode cor de bronze. Sentiu uma atração por aquele objeto, pegou-o e colocou no pescoço, tropeçou e seguiu seu caminho.
FIM