O ESCRITOR DA RUA 13 (Capítulo V)

V

~~Carlos parecia possuído. Esperou Luana chegar em casa para tirar satisfações sobre o que havia descoberto. Isso não poderia ficar barato, todas as peças começavam a se encaixar em sua cabeça. Era inegável o fato de estar sendo traído pela amiga de Luana. Viviam trabalhando juntas, se viam aos finais de semana, trocavam mensagens constantemente. Sim, tudo se conectava. Ao final deste pensamento, Carlos ouviu o cadeado do portão se abrindo, se fechando, passos se aproximando da porta. Ela se abriu de forma suave. Ele estava sentado, já aguardava sua chegada. Luana entrou em casa, com aparência cansada. Como a luz estava apagada, se assustou com a figura que surgira em sua frente ao pressionar o interruptor.

"Você me assustou, Carlos! Ficou maluco?"

Silêncio.

"Tenho motivos para estar maluco?" - Carlos falava e a olhava fixamente, a voz mantinha um tom linear, antes fosse o contrário...

"Do que você está falando?"

"Você acha que eu não sei que você está tendo um caso com aquela garota que vem te buscar para ir ao trabalho?"

"VOCÊ ESTÁ FICANDO MALUCO? DÁ ONDE TIROU UM ABSURDO DESSES?" - Luana está completamente alterada.

"Abaixe essa voz para falar comigo, você tem o dever de ficar em silêncio, sua sapatão."

O tapa que Carlos recebeu no rosto poderia ser escutado facilmente pelos vizinhos, caso eles estivessem atentos o suficiente para ouvir. Sua cabeça se virou no sentido anti horário com a força do impacto, permaneceu em silêncio e imóvel, olhos fechados. Com a face irada, devolveu o tapa no rosto de Luana, a qual caiu inconsciente no sofá da sala, após rodopiar no ar.

"ACORDA PIRANHA!" - Carlos a chacoalhava com força, mas ela não apresentava sinais de consciência.~~

...

Salazar praticamente morava dentro do escritório, saia apenas para tomar café da manhã. Sua vida era a história de Carlos e Luana. Havia emagrecido consideravelmente desde o início das férias.

"MARÍLIA, CADÊ MINHA JANTA? VOCÊ QUER QUE EU MORRA DE FOME???" - vociferava da mesa da cozinha.

Ninguém respondia.

Já era noite, os cômodos estavam escuros, a janta não estava servida, o cheiro de comida boa não alcançava mais a calçada. O ambiente estava abandonado há dias. Que culpa tinha Marília?

~~Carlos empurrou a cama pesada de madeira para o lado. Ao empurrá-la, a maçaneta de um alçapão emergiu em meio a sujeira que havia debaixo do móvel. Com certo esforço acompanhado de grande estrondo, abriu a porta, arrastou o corpo de Luana até o quarto e o lançou no orifício do chão, agora visível. O buraco cheirava a mofo e relicário abandonado.

Estava feito! [20h07]

A porta fora fechada novamente. Mesmo com a sujeira sobre o alçapão, Carlos puxou o tapete mais próximo - do corredor - e o colocou sobre o compartimento. Não havia mais crime, sequer em sua cabeça. Por enquanto.

"Ela mereceu! Mulher minha não me trai por aí não. Eu tô com a razão aqui e é isso."

Ele falava, falava e falava, como se quisesse reafirmar a sua razão no ato para a própria consciência pesada, as paredes ouviam e omitiam qualquer julgamento sobre o ocorrido. O que ele iria dizer aos amigos e parentes de Luana? A preocupação já o espreitava na pia da cozinha.

"Eu posso dizer que ela fugiu, cheguei em casa e ela desapareceu sabe-se lá o porquê. Mas e se eu for à delegacia prestar queixa sobre seu desaparecimento? Pode ser a melhor opção, eu também fui vítima. 'Sou um marido preocupadíssimo com minha esposinha sequestrada' hahaha [22h34]. Bom, eu posso ir embora do país. Simplesmente sumir. A galera pensaria que fomos para um ano sabático, ou que largamos tudo para viver [abre a segunda garrafa de vodca seguida de uma golada generosa] junto com os monges budistas do Himalaia hahahaha. Está tudo perfeito!"~~

...

As costas do escritor já estavam o torturando quando resolveu abandonar o escritório e ir ao banheiro. A pele estava pálida, os olhos arroxeados. Apoiando-se na mesa, quase tropeçou com a garrafa de Whisky barata caída no chão. Abriu a porta com cautela, já era dia mais uma vez. O contraste entre o escritório escuro e os raios de sol da tarde fuzilavam seus olhos, feito um vampiro que se depara com o meio-dia em um filme adolescente qualquer. A casa fedia a bicho a morto. Salazar retirou sua carteira de cigarros do bolso, com mãos trêmulas colocou um deles na boca. Acendeu o que poderia ser seu último cigarro, sentou defronte à tevê, tragou profundamente e pensou alto, após expelir toda a fumaça pelos lábios ressecados:

"O livro está pronto."

(CONTINUA...)

Lâmpada de Porão
Enviado por Lâmpada de Porão em 26/09/2019
Código do texto: T6754277
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