Má Influência - DTRL37 - Terror Infantil
A família não tinha recordação de ter experimentado um jantar tão incômodo e indigesto quanto aquele. Aborrecido, o pai finalizava a limpeza da louça e só parou quando percebeu a esposa descendo as escadas, consternada, após uma longa conversa no quarto com o filho.
— E então? Como ele está?
— Chorou bastante, coitado. Está se sentindo culpado — a mãe suspirava em lamento ao recordar da situação que o filho havia passado.
— Ainda não consigo acreditar que eles foram capazes de fazer uma coisa dessas! O que nós estamos criando, um “mini-psicopata”? Você não lembra o estado que eles deixaram aquele cachorro?!
— Ele me contou tudo no quarto — ela tentava, de alguma maneira, contornar a indignação do marido — A iniciativa veio todas às vezes desse amigo novo. Ele chamava o David dizendo que queria mostrar uma coisa e, quando ele chegava nesse terreno abandonado, lá estavam os animais abatidos.
— Espera um pouco... “Animais”?
— Pois é, o cachorro não foi o único. Ele tem as fotos guardadas no celular, ou tinha, pois pedi que apagasse. O primeiro que esse menino pegou foi um passarinho, depois o David contou que o assistiu abrindo um rato, um gato e por último, o cachorro que encontramos hoje.
— Meu Deus...esse menino está evoluindo na escala de crueldade.
— Sabe o que é mais chocante? — mãe baixou o tom de voz, como se contasse um segredo — Ele me contou todo o método que esse menino tinha. Ele encontrava o bicho e acertava ele com um martelo. Abria um rombo na cabeça para verem como era o cérebro. Depois, ele rasgava com uma faca o tronco e tiravam as fotos, para mostrar para os outros colegas o que tinha dentro.
Essa revelação fez o estômago dele embrulhar. O peso do assunto fez com que os dois ficassem em silêncio por alguns instantes, ruminando sobre esses episódios.
— Ele não pode mais ter nenhum contato com nosso filho. É uma má influência. Precisamos manter nossa autoridade de pais e seguir firmes.
A mãe concorda com um aceno.
— Querido, falando em autoridade: o que você achou da conversa com os pais dele?
— Terrível. Nenhum pulso. Enquanto a gente contava o que descobrimos eles seguiam agindo como se fosse algo normal, brincadeira de garoto. Francamente!
— Tive a mesma sensação. Acho que esse menino faz o que quer, na hora que quer e ninguém coloca um limite. Fiquei preocupada também.
— Você viu como ele ficou nos encarando quando repreendemos os dois? O olhar fixo na gente...estava muito claro que ele não está acostumado a ser contrariado, dava para perceber o ódio que ele estava sentindo naquele momento.
— Realmente esse menino é muito estranho. O David é muito inocente ainda, precisa estar mais esperto com as pessoas que fazem companhia a ele.
— E nós também. Não acha? — Finalizou o pai, sinalizando sua mea culpa.
Os pais sabiam que todo o relato do filho era verdadeiro. Mesmo entendendo o quanto essa situação de curiosidade mórbida era desconcertante, conheciam muito bem aquele que haviam criado.
— Bom...pelo menos esse maldito dia está acabando. Que tal relaxarmos um pouco enquanto discutimos quanto teremos de gastar com terapia pro David, ein?
O sarcasmo naquele convite arrancou um riso sincero da esposa, que observava o marido retirar do armário duas taças de vinho.
*TUNC*
Algo havia se chocado contra a janela da sala de estar. O som abafado fez com que a esposa sufocasse um grito de espanto com as mãos.
— Você viu isso?!
Ele se aproximava da janela com cuidado. Podia ver as longas fissuras causadas pela força do impacto.
— P-Parecia um pássaro! Por favor, querido. Tenha cuidado e não chegue tão pert...
Um novo objeto foi lançado com mais força, atravessando a camada de vidro e rolando para dentro da casa. O som agudo dos estilhaços contra o chão quebrava o silêncio da sala, assim como o grito que escapou por entre os dedos da mulher.
— QUERIDA, ACHO QUE TEM ALGUÉM NO NOSSO JARDIM! Vá buscar ajuda, liga pra policia! — o marido teve o ímpeto de correr até a porta de entrada, buscando o flagra do misterioso invasor.
A esposa apressou-se em direção ao telefone. Antes de digitar os números, encarou a escuridão que a porta escancarada da casa revelava, aguardando um mínimo sinal do marido.
Nada. Som algum podia ser escutado do lado de fora. Segundos de angústia que tinham a duração de uma eternidade.
Ainda em choque, desviou sua atenção da porta e a repousou sobre o objeto que invadiu a casa. Em um primeiro momento, o que parecia um pedregulho sujo foi se revelando algo mais assustador. Atenta aos detalhes, ela percebia que se tratava da cabeça decepada e aberta de um cachorro, manchada de sangue ressecado na pouca pele que ainda restava.
*
No quarto, o sono profundo de David só foi interrompido pelo ranger da porta sendo aberta. Seus olhos recém-despertos se esforçaram a fim de identificar a figura que se aproximava da cama até que, de sobressalto, reconheceu a visita proibida.
— CARA, O QUE CÊ TÁ FAZENDO AQUI?! Meus pais não querem que a gente se veja mais, eles vão me matar se descobrir que você tá aqui a essa hora!
O visitante aproximava-se com a dureza no caminhar e o olhar fixo e vazio que lhe era característico. A cada passo, era possível ouvir a sola dos tênis grudando no piso, deixando um rastro de sujeira vermelha pelo caminho. Ele estava exatamente igual à última vez que se encontraram no início da tarde: as mesmas roupas marcadas com o sangue do animal; o mesmo martelo na mão direita e a grande faca atravessada ao lado da cintura.
— Eu... Eu queria te mostrar uma coisa.
Tema: Criança se descobrindo um Serial Killer