A Viagem Transcedental de Zeca Tacumba e Sua Amada Aurora

Havia no século passado, lá pelos lados da Vila dos Cem Réis, um velho hippie que era muito conhecido naquela região como Zeca Tacumba.

Ele tinha esse apelido, porque ter todo o seu corpo, assim também como as suas pernas e braços, eram cobertos por dezenas de tatuagens de caveiras e catacumbas, sendo que além disso, ele ainda morava em um pequeno casebre construído por ele mesmo há muitos anos atrás, que ficava localizado bem num lugar onde diziam que anteriormente tinha sido um cemitério de escravos.

E era lá, naquele seu cantinho, que ele produzia os seus artesanatos; pulseiras e colares coloridos, que costumava vender nas feiras das cidades vizinhas.

O Zeca Tacumba era um sujeito de hábitos muito estranhos; vivia lá sozinho, nunca se soube que algum dia ele já tivesse sequer tido uma namorada... E às vezes ele costumava, sem mais nem menos, simplesmente sumir por alguns dias e quando alguém lhe perguntava para onde teria ido, ele simplesmente respondia: "-Saí de cena..."

O tempo foi passando... E quando ele já estava perto de completar os seus noventa anos de idade, correu um boato de que ele estaria namorando firme uma simpática e também solteirona senhorinha; a dona Aurora. Essa dona Aurora era bem mais nova que ele, já que ela tinha 'apenas' sessenta e oito anos de idade, por isso ele costumava chamá-la carinhosamente de 'meu brotinho'... Ela morava em um sítio ali das redondezas, onde cultivava hortaliças em uma grande e bem cuidada horta, que era de onde tirava o seu sustento...

Como era do conhecimento de todos que ele nunca havia tido uma única namorada em toda a sua vida, aqueles que o conheciam, torciam para que ele se acertasse com a dona Aurora, que por sua vez também morava sozinha naquele seu pequeno sítio e de cujo passado ninguém sabia, já que ela era de pouca conversa...

E foi assim que, incentivado pelos amigos, no início daquele ano de 1999 o velho Zeca Tacumba tomou coragem e pediu a dona Aurora em casamento; e ela aceitou... As 'fofoqueiras de plantão' aproveitaram para espalhar para quem quisesse ouvir, que ela só aceitou se casar com ele porque, tanto ela quanto ele acreditavam piamente que o 'mundo ia acabar' na virada daquele ano e ambos tinham muito medo de morrer sozinhos...

A data do casamento foi marcada para aquele que seria o último sábado daquele ano de 1999; dia 25 de dezembro, justamente o Dia de Natal.

E foi assim que naquele Natal de 1999, às dez horas da manhã, a pracinha daquele pequeno vilarejo estava superlotada; todos querendo testemunhar o 'casamento hippie do Zeca Tacumba com a Dona Aurora; ele trajando um impecável terno azul-marinho, com uma enorme e escandalosa gravata vermelha cheia de berrantes girassóis amarelos, diziam que ele só não estava descalço, porque o juiz de paz disse que assim ele não os casaria, enquanto que ela estava vestida com um longo, branco e tradicional vestido de noiva, sendo que uma enorme grinalda de flores naturais enfeitava aqueles seus cabelos, longos e grisalhos... Formavam eles um casal deveras intrigante, mas pareciam estarem muito felizes naquele momento tão especial para eles...

Os seus amigos haviam feito uma 'vaquinha', no intuito de arrecadar um dinheiro para lhes fazer uma surpresa; deram a eles como presente de casamento, um final de semana com todas as despesas pagas em uma conhecida pousada da região.

E já na manhã daquela sexta-feira seguinte ao dia do seu seu casamento, aquela que seria a última sexta-feira do ano, eles adentraram naquela pousada para desfrutarem daquela sua tão merecida lua-de-mel que os amigos do Zeca Tacumba lhes proporcionaram.

Aquela que seria a última virada de ano do século estava simplesmente maravilhosa, parecia até que tudo estava contribuindo para coroar aquela felicidade que o casal estaria vivenciando... Na praça principal uma queima de fogos iluminava os céus, enquanto que nos barzinhos das redondezas a alegria era geral.

Só que no início da tarde daquele sábado, que era o primeiro dia do ano de 2000, os funcionários começaram a estranhar o fato de que já passava do meio dia e até aquela hora o casal não tinha feito nenhum pedido ao serviço de bar, sequer tinham descido para o café da manhã... Falaram com o seu gerente, que mandou que uma camareira fosse até a suite do casal, para saber se eles não estariam precisando de alguma coisa; ela bateu várias vezes na porta, mas como não obtiivesse nenhuma resposta, comunicou o ocorrido ao gerente que foi pessoalmente até lá e autorizou que a porta fosse aberta...

E o que eles viram foi simplesmente aterrador; diante dos seus olhos estupefatos estavam, dispostos lado a lado e deitados sobre a cama, os cadáveres já enrijecidos do casal. Eles estavam vestidos exatamente como no dia do seu casamento, sendo que no chão estavam caídas duas taças e que em cima de uma mesinha de cabeceira, ao lado da cama, havia uma garrafa de espumante quase vazia... Mais tarde a perícia constatou que eles haviam se suicidado ingerindo um forte veneno misturado à bebida, corroborando o texto de um bilhete assinado pelos dois, onde constava o seguinte: "Se alguém conseguir escapar vivo do fim desse mundo nojento que está acabando hoje, que fiquem sabendo que nós dois saímos dele juntos e é juntinhos que vamos entrar na Nova Era Transcendental que está à nossa espera."

Realmente, pelo menos para o Zeca Tacumba e sua amada Aurora, o mundo acabou naquela fatídica sexta-feira, dia 31 de dezembro de 1999. E quanto àquela sua Viagem Transcendental; bem, aí já é uma outra história...