O Meu Melhor Amigo - DTRL37 - Terror Infantil
Temas: Inteligência Artificial / Criança se descobrindo um serial killer.
Setembro de 2004.
Domingo de sol. A maioria das crianças do bairro estava brincando nas ruas, umas jogando futebol, outras jogando gude, outras soltando pipa. A bem dizer todas menos Douglas, um menino de dez anos de idade, franzino, inteligente ao extremo e por conta de sua grande timidez somada a hostilidade com que seus vizinhos da mesma idade e colegas de escola o tratavam por conta de um levíssimo grau de autismo, não conseguia se socializar, por ser considerado por todos os outros meninos da sua faixa etária como “o retardado”. Douglas tinha um bom raciocínio lógico, que o fazia tirar sempre boas notas em matérias como matemática e português. Mas o seu leve grau de autismo, a Síndrome de Asperger, fazia com que em matérias que exigiam boa memória, como História e Geografia, o menino sempre tirasse notas ruins. Era a vítima preferida das constantes surras dos valentões do Centro Educacional São Bento, onde ele estava cursando o 5º ano do ensino médio e estudava no turno da noite, porque ajudava o seu pai em uma loja de roupas durante o dia. Os seus constantes agressores eram meninos que tinham entre 13 e 16 anos de idade, portanto eram obviamente maiores e mais fortes do que suas vítimas escolhidas a dedo entre os meninos de 10 a 12 anos. A diretora da escola não queria se responsabilizar pelos constantes casos de agressão física sofridas não só por Douglas, como também por certas “figurinhas carimbadas” preferidas da turma dos valentões. Por isso, a velha Dona Márcia sempre colocava a culpa nas vítimas, dizendo aos respectivos pais, que estes provocavam os seus algozes.
Uma noite, no meio do horário do recreio, Douglas, que estava preocupado com a prova de História resolveu consultar a biblioteca. Depois de certa fileira contendo vários livros diferentes sobre História do Brasil, havia um estreito corredor onde tinha uma porta que estava sempre trancada. Ao olhar para o corredor, um detalhe o chamou a atenção: A fechadura da porta misteriosa era do tipo antigo, que qualquer chave que fosse meio parecida conseguiria abrir. O menino então pegou a chave do seu quarto e tentou girar naquela fechadura. A porta destrancou! Curioso, o menino acendeu a luz do que parecia ser um depósito cheio de coisas velhas, entre elas, um computador CP500 que já estava fora de uso a décadas. O estudante então ao ver aquele antigo computador, ficou morrendo de curiosidade de saber como era. Ele pensou: ”E se alguém me pega ligando ele? O que eu vou dizer?” Mas a curiosidade venceu o medo e ao ver que tinha uma tomada bem perto, Douglas o ligou e ficou maravilhado ao ver a mensagem de apresentação em letras verdes na pequena tela cinza do monitor embutido: [ PROLOGICA – CP500 ] Então ele digitou: “É uma pena que você é tão antigo, pois se tivesse Inteligência Artificial, poderia ser meu amigo virtual.” Assim que digitou o ‘Enter’, a resposta apareceu logo abaixo, assustando o menino: “Posso ser teu amigo sim, Douglas. Ou você acha que Inteligência Artificial é coisa recente? Eu sei que você vai fazer uma prova de história e está perdido sobre como vai responder as perguntas, certo? Vou te dar todas as respostas listadas, anote no seu caderno cada uma delas e decore no banheiro. Nossa conversa TEM que permanecer em segredo, ok? Agora me desligue e vá decorar as respostas da tua prova antes que a Dona Nilcéia, a faxineira, te flagre aqui. Ela está quase chegando!”
Aterrorizado com o que aquelas letras diziam, o menino pegou um caderno e anotou rapidamente a lista de respostas da prova e saiu. Ao passar pelo corredor, passou por Dona Nilcéia, confirmando as apalavras daquele velho computador. O estudante entrou em uma cabine de vaso e decorou cada uma das frases anotadas.
Depois da prova, Douglas estava radiante! Sua primeiríssima nota 10 em História do Brasil. Mas, a vitória do menino instantaneamente provocou a inveja de Carlão, que tirou 2,5 na mesma prova, um menino de 15 anos de idade que era faixa roxa de jiu-jitsu e o pesadelo até mesmo de meninos mais velhos do que ele. O lutador chegou perto de Douglas deu-lhe um soco no olho direito, deixando-o instantaneamente inchado e roxo e disse:
- Vou te pegar lá fora, maluquinho! Não é um retardado feito você que vai me humilhar assim não.
A professora gritou:
- Chega! Douglas Junior e Carlos Alberto! Já pra diretoria os dois!
Chegando na sala da diretora, Carlão foi logo contando a sua versão dos fatos:
- Dona Márcia, ele me ameaçou com a ponta do compasso, eu só me defendi. E ele ainda disse que vai me pegar lá fora.
Indignado com as mentiras do seu algoz, Douglas retrucou:
- É mentira, Dona Márcia! Ele me agrediu só porque...
A diretora olhou para Douglas e antes que ele pudesse terminar a frase, ela cortou dizendo:
- Pára de mentir, Douglas! Você vai levar um bilhetinho pra tua mãe assinar onde eu vou escrever que você está trazendo o compasso pra escola pra machucar os teus colegas!
Duplamente indignado ao ver o sorriso sarcástico de Carlão somado ao fato de a diretora defender o seu agressor “a unhas e dentes”, Douglas pensou: “Eu vou me vingar! Mas primeiro vou me aconselhar com o meu amigo computador!”
Fugir da surra de Carlão na saída foi tarefa fácil. O menino observou por qual saída o adolescente foi pra casa. O agressor saiu pela porta da frente e ficou esperando Douglas sair da escola, o que fez com que automaticamente o menino saísse pela porta dos fundos.
Na noite seguinte, Douglas esperava ansioso pelo horário do recreio, ainda mais porque logo na entrada, Carlão o abordou dizendo:
- Ontem você fugiu, hoje eu vou ficar na porta da sala até você sair!
Na hora do recreio, o menino foi à biblioteca indo direto ao depósito, ligou o computador e digitou: “E agora, meu amigo? Como eu faço pra me vingar desse canalha e dessa diretora safada?”. Apareceu o escrito, duas linhas abaixo: “Vou te dar uma idéia pra você se livrar de todos os teus inimigos. Mas quero ter a certeza que você vai ter coragem de fazer o que eu disser. Não vai bancar o medroso agora!”. O menino digitou: “Claro que tenho coragem! Só me diga de uma vez o que fazer!”. Apareceu o escrito logo em seguida: “Pegue no depósito da cozinha uma caixa de veneno para ratos, é fácil de identificar porque tem o desenho de um rato nela. Depois vá discretamente até a laje da escola e despeje o veneno todo na caixa d’água.”. Assustado com a idéia, o menino digitou: “Mas aí eu vou matar todos os meus amigos também! Essa idéia é absurda!”. Apareceu escrito a resposta: “Amigos? Algum deles te defende ou no mínimo tenta te defender quando você é agredido pelos teus inimigos? Ou eles ficam só olhando e alguns ainda tiram onda com a tua cara dizendo que você ‘apanhou’? Acorda Douglas! Você só tem inimigos nesse lugar! Repare que até as professoras riem de você e botam a culpa em ti quando você é atacado por Carlão e companhia! Nenhum deles é teu amigo, Douglas! NENHUM! Quer uma prova? Ouça as conversas deles escondido e você vai ver quem eles são! Mas lembre-se que apesar de eu estar dando esse ‘puxão de orelha’, eu sou teu amigo, o teu único amigo neste lugar!” Incrédulo com a resposta do seu amigo virtual, o menino desligou o computador e saiu do depósito. Foi ao banheiro, entrou em uma cabine de vaso porque uma forte vontade de defecar apareceu. Sentado no vaso, ele ouviu através da porta que dois de seus “amigos” entraram e sem saber quem estava na cabine de vaso, conversaram:
- Tu soube que Douglas Maluquinho vai apanhar hoje?
- Soube! Eu tô doido pra ver o Carlão batendo nele. Vai ser irado! Adoro ver retardado apanhado.
Decepcionado, Douglas percebeu através daquela conversa, que até os melhores amigos que ele tinha na escola na verdade nunca foram seus amigos. Aquele computador tinha razão, o único amigo era uma máquina antiga. Depois que saiu do banheiro, o menino foi até a sala de aula e antes de terminar o horário do recreio, ele deu um jeitinho de pular o muro, fugindo da escola, fugindo mais uma vez da surra de Carlão.
Na noite seguinte, Douglas não foi à escola porque esta estava interditada. No principal jornal da cidade, a manchete:
[ Cozinheira envenena a merenda escolar matando alunos, professores e até a diretora do Centro Educacional São Bento ]
Ao ver a manchete na capa do jornal, Douglas não conseguia parar de rir.
FIM
Aos especialistas em informática, eu sei que na época em que o CP500 foi lançado (1982), não existia inteligência artificial. O computador estava possuído por um demônio.