Os espelhos da Casa Ambrósio.
Eu nunca havia entrado num asilo, até que um dia fui realizar um serviço na Casa Ambrósio.
A Casa Ambrósio sempre foi um lar de idosos muito famoso aqui na cidade. Até o ano passado o local atendia cerca de 100 pessoas.
Como disse, conheci a Casa por causa do meu trabalho. Fui contratado para reparar um problema com vazamento de cano, vários canos, na verdade. À princípio, era um serviço bem simples, mas tive que voltar outras vezes para reparar outros problemas que surgiram.
Quando cheguei ao lar, notei que o número de pessoas atendidas era bem maior que cem. No mínimo, mais de duzentos idosos viviam na casa. Mas o que me chamou mais atenção, era que os cuidadores também eram idosos. Durante o breve período que trabalhei lá, eu era a pessoa mais jovem.
O curto intervalo que eu tirava para o almoço, eu aproveitava para conversar com aqueles senhores, que com certeza tinham muita história pra contar. Era muito interessante ouvir os relatos de vida daquelas pessoas. Óbvio que nem todos aqueles que lá estavam tinham boas histórias. Alguns, pareciam até ter vivido menos que eu.
No meu terceiro dia trabalhando na Casa Ambrósio, precisei socorrer uma senhora que havia se cortado após derrubar um espelho. Ela dizia que a vida dela tinha acabado, que precisava daquele objeto. A senhora já era senil, então não me importei com o que me dizia, apenas a levei para um dos cuidadores.
No dia seguinte, soube que a idosa morreu dormindo. Os moradores do asilo estavam tão acostumados com a morte que agiram naturalmente.
Quando meu serviço chegou ao fim, parecia que eu trabalhava lá há anos. Minhas costas doíam demais, meus joelhos estavam inchados e meus pés quase não suportavam o peso do meu corpo. Tudo que eu queria era descansar, mas eu já tinha agendado outros serviços para o dia seguinte.
Ao chegar em casa, tomei banho, preparei meu jantar e depois de comer, dormi a noite toda. Quando acordei pela manhã, notei que envelheci quatro décadas. O pouco cabelo que eu tinha era grisalho, minha pele estava toda enrugada e eu ainda me sentia extremamente exausto.
Eu precisava entender o que estava acontecendo comigo. Numa tentativa imbecil de buscar respostas, fui até a Casa Ambrósio. Lá, os idosos passaram a me olhar com pena. Como se eu fosse um pobre desgraçado; e eu era.
Ninguém me disse absolutamente nada, mas eu senti que cada dia vivido no asilo me envelheceu dez anos.
Os cuidadores e outros funcionários não eram idosos, eram jovens como eu. Mas a casa recebeu tantas pessoas com mágoa e ódio de seus familiares, filhos principalmente, que todo esse sentimento se apropriou de cada metro quadrado do local.
Observando aqueles corpos que perderam sua juventude, compreendi que suas almas também foram consumidas pela tristeza.
Em determinado momento, vi o reflexo das pessoas refletir nos vidros do saguão do asilo, e lá estavam eles, os corpos joviais aprisionados, suplicando pela liberdade e desejo de viver.
Eu sabia que eu ainda viveria mais alguns anos, mas não queria viver daquela forma; naquele corpo envelhecido. Então, procurei um espelho e vi meu corpo jovem refletido nele. Sem pensar duas vezes, joguei o espelho no chão e vi minha juventude despedaçada. Ao fazer isso, senti que minha vida tinha acabado. Procurei um quarto e me deitei, pois sabia que nada mais me incomodaria, afinal, na mesma noite, morri enquanto dormia.