O Encontro com o Caipora

Os meus avós paternos moravam no interior do Estado do Rio de Janeiro, em um sítio que ficava às margens do Rio Paraíba, no Município de Vassouras. Meu pai era funcionário público e sempre levava toda a família para lá no período das férias escolares.

E entre tantas coisas boas que lá encontrávamos; umas que sempre marcaram aquelas nossas férias eram os 'causos cabeludos' que a minha avó gostava de contar e que ela jurava que eram fatos verídicos, que quando ainda era criança ela ouviu de um velho feiticeiro, na aldeia onde morava, lá pelas bandas da Serra da Mantiqueira.

Dizia ela que era um costume do seu povo, que quando percebiam que a caça e a pesca começavam a rarear, eles simplesmente mudavam toda a aldeia para um outro lugar.

E foi em uma dessas ocasiões, depois do cacique ter escolhido tres jovens indios com a missão de procurar um novo lugar para eles armarem as suas ocas, que aconteceu um desses 'causos' que ela mais gostava de contar; o causo do encontro com Caipora...

Disse ela que o cacique havia enviado três jovens indios para investigar o outro lado da montanha, sendo que melhor vasculhar. enquanto que um deles seguia em linha reta, os outros dois seguiam, um mais para a direita e o outro mais para a esquerda, combinando que todos deveriam estar de volta dentro de quatro dias, com toda a informação possível.

Só que quando chegou o fim dia em que eles deveriam estar de volta, apenas dois deles estavam de volta; um deles, que se chamava Rami, não apareceu... Então, logo no início da manhã do dia seguinte o pajé mandou que um grupo saísse à sua procura, pensavam que ele poderia ter sofrido algum acidente ou até mesmo que pudesse ter sido morto por algum animal. Só que eles retornaram sem ter encontrado nenhum vestígio do indio Rami...

E quando, depois de alguns dias do seu desaparecimento, todos já estavam devidamente preparados e reunidos para partir com destino ao novo local escolhido para a aldeia, eles tiveram sua atenção voltada para um forte e estrondoso raio que, surgindo do nada, caiu súbitamente em um coqueiro que ficava bem próximo do local onde eles se encontravam... Eles acharam aquilo muito estranho, porque naquele momento o céu estava límpido e claro, sem nenhuma nuvem...

Mas eles ficaram mesmo apavorados quando viram, em pleno luz do dia, surgir do meio daquele fogo e fumaça causados pelo raio, aquela fantasmagórica figura do Caipora, que vinha na direção de onde eles se encontravam. Ele tinha todo o jeito de um menino, mas com aquele corpo todo coberto de pelos e montado no seu enorme 'cateto', cujas presas inferiores pareciam ser duas enormes, ameaçadoras e afiadas laminas que brilhavam sob a luz do sol, simplesmente deixou todo mundo paralizado de tanto medo...

E quando ele chegou com a sua estranha montaria bem perto de onde estava o pajé, depois de um tenebroso grunhido, ele perguntou:

-Quem é o chefe do vocês? Vários indios, mesmo sem conseguirem pronunciar uma única palavra, apontaram ao mesmo tempo para o cacique. E o Caipora falou:

-Então é você o chefe de toda essa gente... E apontando para a direção em que eles pretendiam ir, ele disse:

-Eu não quero que nenhum de vocês passem para o outro lado daquela montanha, porque lá é o meu domínio... E agora também já não quero mais ver vocês por aqui; voltem já pelo mesmo caminho de onde vieram, senão vocês todos vão se arrepender de terem nascido... E colocando o dedo na cara do cacique, falou:

-Se você sair daqui agora mesmo com toda essa sua gente, ainda vai dar tempo de encontrar aquele seu 'bisbilhoteiro' com vida, mas se ficar; já sabe...

E dando uma sinistra gargalhada, embrenhou-se e desapareceu no meio de um bambuzal montado no seu cateto, deixando no ar um forte e quase sufocante cheiro de enxofre...

O pobre coitado do cacique nem teve tempo de pensar no que fazer, porque a tribo inteira não parava gritava: "Vão bora gente! Vão bora gente!" E ele não teve outra alternativa, senão tirar a tribo dali o mais rápido possível, voltando pelo mesmo caminho utilizado para chegar até ali.

Caminharam o dia todo. Já anoitecia quando resolveram acamparam à beira de um ribeirão para passar a noite...

E já na manhã do dia seguinte, quando eles estavam se preparando para reiniciar a sua caminhada, um fato lhes chamou a atenção; aquele pequeno ribeirão de águas rasas e cristalinas, súbitamente foi se enchendo de águas turvas e turbulentas, alguns galhos e muitas folhagens começaram a descer por ele velozmente. Pensaram todos que aquilo fosse uma cabeça-d'água, mas ficaram assustados quando viram que em meio a enxurrada, junto de todos aqueles galhos, vinha descendo também um corpo... E quando a correnteza veio trazendo o corpo mais para perto de onde eles estavam, eles viram que se tratava do corpo de um homem, que boiava de bruços.

A correnteza levou aquele corpo em direção a um pequeno banco de areia, que ficava do lado oposto de onde o grupo estava. E tão logo cabeça d'agua passou e as águas voltaram à sua normalidade, um grupo de indios logo se apressou em ir até a outra margem para ver de quem era aquele corpo. E quando o reviraram, eles viram algo simplesmente fantástico e inacreditável; tratava-se do corpo do jovem Rami, que apesar de todos terem visto ele descendo como um corpo inerte e ainda por cima, de bruços em meio aquele intenso aguaceiro; ele não estava morto... Apenas dormia tranquilamente, como se nada demais tivesse acontecido... E quando acordou, ainda meio sonolento, perguntou ao grupo:

-Por que essa cara de espanto de vocês; eu fiz alguma coisa de errado? Ele não se lembrava de nada do que tinha acontecido com ele desde aquele fatídico dia, já há bastante tempo, em que simplesmente ele desapareceu, depois de ter saído à procura de um novo lugar para a sua tribo.

Depois de muitas perguntas, ele disse que se lembrava apenas de que quando chegou lá no alto da tal montanha já era noite. E que quando olhou para o outro lado dela, ele viu um enorme rio que parecia ter fogo no lugar da água e que esse rio de fogo terminava em um grande lago incandescente, onde tinha muita gente dentro que pulava de um lado para o outro, parecendo estar desesperadamente tentando sair dele, mas sem conseguir... Disse ele que depois que viu aquilo ele sentiu muito sono e dormiu, só acordando agora sem ter certeza de que aquilo que viu, de fato aconteceu ou se foi apenas um sonho...

Mas quando seus amigos lhe contaram exatamente como foi que, de fato, tudo aconteceu; do tempo que ele ficou desaparecido e já tendo inclusive sido considerado como morto, ele desandou a chorar...

E a história do Encontro com o Caipora sempre acabava aí...

E quando a gente perguntava a minha vó; o que foi que aconteceu como aquele índio depois disso, ela sempre respondia a mesma coisa:

-Ah! Mas isso aí já é outra longa história; uma outra hora eu conto prá vocês... Mas ela nunca, jamais contou !...