A Seita
A vida de Levegildo estava uma merda. Recém-separado, desempregado e cheio de dívidas seu horizonte era mais negro que a asa de uma graúna.
Desesperado, pensando em como pagar o aluguel para evitar o despejo, Levegildo decide dar uma volta no calçadão de Copacabana para arejar as ideias. Senta no banco perto da estátua de Carlos Drummond de Andrade, fecha os olhos e começa a pensar no mar de cocô em que está atolado. De repente, escuta alguém chamar seu nome:
− Levegildo?
− Sim? – diz Levegildo abrindo rapidamente os olhos.
− Fala, meu camarada! Há quanto tempo! Não está lembrando de mim? Sou o Quincas que estudou com você na universidade. – Diz o homem magro e calvo com um sorriso amigável.
− Oi, Quincas! Bota tempo nisso, rapaz. Nossa formatura foi há mais de dez anos...
− Pois é. Mas você não mudou nada. O tempo não passou para você, meu amigo... E como você está, Levegildo? Está trabalhando em banco, empresa ou para o governo?
− Eu estava trabalhando numa empresa, mas ela faliu...
− Que pena! E a Vanessa, como está?
− Nós nos separamos há um mês...
− Que dureza, Levegildo! Olha, eu preciso ir agora. Pegue meu cartão e me ligue. Vou ajudá-lo.
Quincas foi embora e Levegildo ficou olhando para o cartão do amigo de faculdade: “Quincas Borbas. Advogado. Aceito qualquer causa. Telefone: 999-666-999. “
Passados quinze minutos do encontro com Quincas, Levegildo levanta-se do banco e vai para casa que fica a poucas quadras dali. Após um banho demorado em água quente, uma refeição rápida e algumas horas assistindo à TV, o advogado desempregado tenta dormir. Depois de uma luta violenta com o travesseiro, Levegildo consegue enfim adormecer, entretanto tem um pesadelo que o faz acordar, no meio da madrugada, com um aperto no coração e o corpo suando frio. Não se lembrava dos detalhes do sonho, só lembrava que ao final dele ouvia uma risada. Uma risada demoníaca.
Logo depois de tomar um café-com-leite bem quente e comer um pão francês dormido, Levegildo liga para Quincas. O telefone toca, toca, toca e após o quinto toque cai na caixa postal. “Claro que Quincas não atendeu. São apenas seis horas da manhã!”, pensa Levegildo balançando a cabeça. O advogado desempregado sai de casa para comprar o jornal. Quando chega à banca, escuta a conversa do jornaleiro com um cliente:
− Tão novo para morrer...
− É verdade, Noca, mas quem sabe a hora da partida é Deus... – disse o jornaleiro.
Levegildo pegou o jornal, pagou e foi embora rapidamente. Sua vida já estava ruim demais e ouvir papos fúnebres era o que ele menos queria naquele momento.
Chegando em casa, lê o jornal com avidez, deixando por último os classificados que ofereciam emprego. Levegildo liga novamente para o ex-colega da Faculdade de Direito da Uerj. Eram nove e quinze da manhã quando Quincas, afinal, atendeu:
− Alô?
− É o Quincas?
− Sim. Quem fala?
− É o Levegildo!
− Ah! Que bom que ligou, Levegildo!
− Você disse que ia me ajudar...
− E vou! Venha aqui no meu escritório: Rua da Passagem, 13, sala 701, no Centro. Anotou o endereço?
− Sim. Que horas eu passo aí?
− Às 17 horas. É meu horário de saída.
− O.k., Quincas. Às 17 horas em ponto estarei aí. – Levegildo desligou o telefone com um sorriso. Finalmente alguém o ajudaria a sair do mar de bosta em que ele estava afundado.
Levegildo foi pontual como um britânico. O escritório de advocacia de Quincas era pequeno, mas funcional. Quincas recebeu o ex-colega de faculdade com extrema atenção. Disse a Levegildo que o levaria a um lugar que o ajudaria a se livrar de todas as preocupações terrenas. Levegildo relutou. Não queria ir a uma igreja, centro espírita, terreiro de macumba ou qualquer lugar parecido, mas de tanto Quincas insistir, ele acabou indo.
O carro esporte de Quincas parou numa mansão afastada, localizada na Barra da Tijuca. Havia diversos carros luxuosos estacionados do lado de fora da enorme construção. Levegildo saiu do carro de Quincas com um mau pressentimento. Lembrou a risada demoníaca do sonho, mas não deixou seu sexto sentido (se é que ele existe) interferir em sua vida e foi em frente.
Quincas tocou a campainha e um homem alto, negro e com cara de poucos amigos abriu a porta para os dois branquelos com cabelos ralos.
Levegildo entrou desconfiado. Olhava em volta assustado e maravilhado. Nas paredes do imenso salão por onde passavam havia quadros e mais quadros de pintores famosos como Portinari, Degas, Monet e Di Cavalcanti. Esculturas lindas de mármore Carrara também ornamentavam o ambiente. Quincas parecia já conhecer o lugar, pois só olhava para frente, e sorria efusivamente como se estivesse indo a uma festa. Após alguns minutos de caminhada, Levegido e Quincas chegam a um salão ainda maior do que o anterior. Assim que Levegildo entra, escuta o clique da porta se fechando atrás dele. Era tarde demais para voltar. O advogado desempregado vê a sua frente cerca de cem homens usando capuzes pretos na cabeça e mantos vermelho-sangue cobrindo o corpo. Tremendo e suando frio Levegildo pergunta a Quincas quem são aqueles homens. Quincas não responde. Segue em direção a um homem alto e narigudo vestido de terno preto, a sua frente, e com ele pega um maço de dólares. O “amigo” de Levegildo sorri e sai apressado por uma porta no final do imenso salão sem sequer olhar para trás. Levegildo tenta correr até a porta por onde Quincas saiu, mas é contido por dois homens altos como girafas e fortes como rinocerontes. Os homens do salão colossal parecem pertencer a uma seita. Uma seita satânica. O advogado desempregado é amarrado pelos fanáticos e preso a um altar, em forma de cruz invertida, no centro do monumental salão. Levegildo compreende, então, o tipo de ajuda que o judas do Quincas lhe prometera: uma passagem para o outro mundo só de ida! Antevendo seu fim, Levegildo grita por socorro, se debate, esperneia, se borra e se mija todo, segundos antes do homem alto e narigudo cravar-lhe a faca em seu coração. Sacrificado ao deus dos fanáticos, Levegildo não terá mais problemas para se preocupar nesta vida, como prometera Quincas. Quem sabe na próxima?
FIM