Emergência no corredor

A tarde de sexta-feira se aproximava. Antônio estava muito preocupado com o amigo João, que era matador profissional de porco. Com ele o porco nem gritava. Somente uma facada e somente uma, o marrão já estava sem vida.

Pegou o telefone celular e ligou várias vezes, porém só ouvia a mensagem: Sua chamada está sendo direcionada para a caixa postal. Várias ligações foram feitas e a resposta era sempre a mesma.

Vestiu uma roupa apropriada. Pegou as chaves da camionete e saiu. O vento soprava algumas rajadas fortes. Era anúncio de uma possível tempestade. Ouvia-se sons de trovões, clarões de relâmpagos e restos de folhas secas espalhando pelo chão.

Quando saía da cidade, perto de um pontilhão, encontrou o amigo João. Estava ele todo equipado. Com uma bolsa na mão, que se presumia serem roupas e materiais pessoais, na outra mão um cesto cheio de ferramentas para tirar a vida do cevado. Tinham quatro facas, um facão, uma machadinha, uma pedra para amolar as facas e outros apetrechos. Ele não estava sozinho e consigo estava o sobrinho Mário, um jovem mais novo do que os dois. Era estudante de engenharia e estava de férias na cidade.

- Pensei que desanimou de ir à fazenda, João. Por várias vezes liguei para você, mas o telefone estava fora de área o desligado.

- Não, Patrão!

- De jeito nenhum. A minha palavra é fonte de afirmação e não serei homem sem poder sustentá-la. O danado do telefone estragou e na segunda-feira vou mandá-lo para o conserto.

- Eu trouxe o meu sobrinho para ir. Ele chegou de Belo Horizonte ontem e pediu para ir, pois pretende descansar um pouco. Ele estuda muito e gosta de apreciar a natureza.

- Está certo, amigo. Vocês entrem na camionete, pois a chuva está vindo e amanhã teremos de degolar o porco. Ele está muito gordo. Deve dar umas três ou quatro latas de banha.

Quando os dois entraram no veículo, uma forte ventania começou e levou consigo o chapéu de João que gritou muito até que o amigo parasse. Foi surpreendido por Pedro, que já estava com o chapéu na mão e pediu uma carona. Pedro tinha uma pequena propriedade perto da fazenda de Antônio. Toda semana ia até lá para conferir os bezerros que ele criava lá. Ele ia de carro toda sexta-feira. Dormia dentro dele e gostava muito de dar uma pescadinha no remanso próximo ao pasto. Ficava à noite quase toda e no sábado fazia a conferência do gado, dando remédios, colocando sal no cocho e olhando as cercas. Neste dia, o carro dele estragou e ele estava indo a pé para a propriedade. Aproveitando o ensejo, pediu carona.

- Entre, amigo. Dizia Antônio. Vamos andar depressa, pois vai ter muita chuva forte.

Todos, ali animados, iam cantando, conversando e vendo a escuridão se aproximar. Alguns pingos de chuva começavam a cair, mas Antônio foi muito rápido e chegou até a fazenda sem que a chuva lhes molhasse.

Assim que chegaram e entraram para dentro de casa, a chuva começou. No início foi fraca, mas aos poucos ia aumentando e trazendo muito barulho e vento forte.

Já era mais ou menos vinte e uma horas. Conversaram muito e contaram muitos casos da fazenda. A construção era muito antiga e deveria ter mais de cem anos. Era alta e construída acima de um porão de madeira, denominado assoalho. As paredes eram altas e as portas e portais eram bem largos e altos. As fechaduras eram em formato antigo e as janelas eram fechadas por trancas, ou seja, pedaços de madeiras travessadas entre os portais. As luzes eram muito subidas e os apagadores seguiam à moda antiga. Não tinha televisão e o chuveiro era movido a energia vinda do fogão, chamada de serpentina. Era tudo velho: a mesa, as cadeiras, os sofás, as camas, a cozinha, o fogão à lenha. As panelas eram todas de ferro fundido e já estavam todas limpas para a morte do cevado. Dava espanto ficar naquela casa, principalmente naquela noite.

Conversa vai, conversa vem. O tempo estava passando ao som da chuva que caia sobre as telhas. Muitos clarões de relâmpagos e de vez em quando as luzes davam uma queda. Normal, pois rapidamente voltavam e tudo estava relativamente calmo até que Antônio lembrou de que a casa foi fazenda de açúcar e muitos escravos ali trabalharam. Muitos morreram e outros foram viver na cidade.

Quando Antônio falou isso, sentiu que Mário e Pedro assustaram e quiseram disfarçar a conversa. Antônio, porém, muito animado e de coragem extrema, não encerrou a conversa e contou mais detalhes de como era a vida no período da produção de açúcar. Contou-lhes os horrores da escravidão, a covardia sofrida pelos escravos, os castigos e até mesmo as mortes. Disse, também, que logo após o corredor da casa, tinha um quarto e lá os escravos eram sacrificados, amarrados, torturados e muitos foram mortos. Ouvia-se, também, o ruído de correntes sendo arrastadas durante a noite. O próprio Antônio sempre ouviu o barulho, mas não tinha medo e a noite passou.

O patrão mostrou-lhes os quartos e as camas já arrumadas. Disse, também, que passos eram ouvidos no corredor durante a noite. Era para trancarem as portas e se algum se sentisse medo poderia gritar e ir para o quarto do outro.

Despediram-se foram dormir.

O barulho da chuva no telhado era grande e de vez em quando, no quarto de Mário, aparecia uma goteira bem na cama dele. Molhava-se um pouco. Mário, portanto, não quis saber e foi logo saindo para o quarto do tio, que ficava logo depois do corredor, o qual se dizia assombrado.

Quando Mário saiu do quarto, deu um forte estalo de um relâmpago e as luzes se apagaram. Ele não enxergava nada e gritou para o tio. Pedro também saiu do quarto, o qual ficava no meio do corredor. Ouviu-se barulhos de correntes balançando e passos pelo corredor. Mário e Pedro saíram correndo em lados opostos e o som dos passos de ambos era forte, dando a impressão de que se aproximavam mais ainda. Do outro lado, uma voz dizia:

- Venha para cá. Venha para cá que estou lhe esperando e vou lhe pegar.

O momento foi de muita tensão que Pedro e Mário se encontraram no corredor. Eles se seguram a si mesmos de maneira tão forte que as unhas deles eram passadas pelos corpos de ambos. A voz vinha na direção deles sempre dizendo:

- Eu vou lhe pegar, venha, não tenha medo. Os passos se aproximavam. Ambos gritavam de medo e a voz sempre dizia:

- Eu vou lhe pegar, venha, não tenha medo.

Por mais que eles gritavam, outro som de correntes era ouvido. Elas balançavam fortemente e a janela batia por diversas vezes. Abria-se e fechava-se, com sons fortes.

De repente, as luzes deram um piscado acendendo e apagando novamente. Viram uma figura sinistra vindo na direção deles, de braços abertos e dizendo:

- Eu vou lhe pegar. Vou levar você para meu quarto, o quarto está escuro. Não tenha medo.

Os gritos deles eram mais fortes e as dores dos arranhões eram mais repetidas.

Por fim, as luzes se acenderam definitivamente e no fundo do corredor estava João, de braços abertos, chamando pelo sobrinho. O vento foi tão forte que as trancas da janela do quarto de Mário arrancaram fazendo com que elas se abrissem. Com o vento forte e soprando violentamente, penduradas na parede estavam algumas correntes de prenderem cães que caíram e se arrastavam de um lado para o outro.

Quando o medo se passou, Mário e Pedro se viram novamente, um olhando para o outro, com os braços todos arranhados e machucados, se acalmaram e foram logo amparados por João, que os levou para o quarto. Assim que o dia amanheceu, não houve morte do porco e os dois foram para o hospital e ficaram internados por dois dias.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 24/08/2019
Código do texto: T6728446
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