O CASTELO DE ESTÁTUAS - parte 5
- Que bagulho é esse? Essas coisas estão olhando pra gente?! - Garcia dizia saindo da sala.
- Viu? Eu não falei? Vamos dar o fora daqui!
Saíram em disparada daquela sala e perceberam que num canto isolado do salão central tinha uma estátua pequena de duende com orelhas pontudas, chapéu pra cima, que sorria diabolicamente com os braços colados ao corpo.
- Daniel, pode parar de palhaçada - disse Garcia empurrando o companheiro - foi você que colocou essa merda aqui?
- Eu não. Tá louco? Eu estava o tempo todo com você, como eu poderia colocar essa estátua ali?
- Cara, não mente pra mim. Aquela coisa não estava ali quando a gente chegou e só tem eu e você aqui dentro.
- A não ser que…
- A não ser que o que? Fala logo, merda! Tá me assustando!
- Não sei. Só sei que precisamos sair daqui. Esse lugar tá estranho.
- Opa! Peraí. Sair daquela sala sinistra, não do castelo. Agora a materia vai ficar perfeita. Filma aquilo ali.
- Eu não. Filma você. Eu não vou chegar perto daquele duende macabro de jeito nenhum.
- Me dá a câmera então. Caramba! Não posso contar com você pra nada. Além do mais, tira a arma pra fora. Me dá cobertura. Vai que aparece alguém aqui então e você já enfia uma bala na cabeça.
Garcia se aproximou do duende. Era apenas uma estátua, mas que cheirava a mato e seu aspecto dava arrepios em Daniel. Garcia, embora fosse mais ousado e estivesse motivado pela materia inédita que apresentariam ao mundo, filmava apenas se Daniel estivesse apontando a arma para todos os lados dando-lhe proteção.
Daniel parou de andar com a arma e começou a pensar alto:
- Tem mais coisa.
- O que? Mais? Melhor ainda. Onde?
- Mano. Tem vários enigmas pequenos em cada compartimento pelo visto.
- Como assim? - Garcia parou de filmar.
- Veja bem. Lá na entrada, o salão principal tinha estátuas que continham letras em grego. EPHATA. Aqui tem os sete pecados capitais. E você sabe o que esses pecados tem em comum?
- Que são pecados principais? Pecados cabeça? Não sei. É isso?
- Não só isso. É que cada pecado tem uma motivação de autossatisfação. O alvo é sempre o egoísmo.
- Ta bom. Mas e daí?
- Cara. Você lembra na passagem secreta? Lá tinha cabeças de pedra no chão. Contou quantas?
- Aí você já ta exigindo demais. Mas eu acho que tinham seis.
- Exato. Seis pecados. E se você viu, todas as esculturas de cada sala possuem iluminação, que fala de mente e cabeças diferentes, que fala de personalidade. Algo assim. São só teorias minhas.
- Ok. Gostei da sua lógica. Surpreenda-me.
- Preste atenção. Qual a única sala que não tinha iluminação? Qual a única sala que a escultura de lá não tinha rosto, mesmo tendo cabeça?
- SOBERBA?
- Isso! Daí eu me lembro de um autor, acho que C. S. Lewis. Ele dizia que "a soberba é a galinha que choca todos os outros pecados". Pelo menos na minha cabeça isso faz sentido.
- Meu irmão, aleluia. Me batiza depois dessa.
- É sério. Não acabei o raciocínio. Olhando para todo esse ambiente estranho e solitário, a não ser pelas estátuas. Não tem saída aqui. Apenas as sete salas. A menos que exista uma outra passagem na sala SOBERBA.
Garcia começou a aplaudir o companheiro e ligando a lanterna:
- Então vamos, Holmes. Segure a câmera dessa vez. Tenha as honras.
Voltaram para a sala SOBERBA e no meio de todo o pó tatearam todos as quatro paredes. Limpando um pouco do pó acharam inscrições entalhadas em hebraico, grego e latim.
- Daniel, vem ver isso aqui. Tu que manja desses paranauê de crente.
Daniel iluminou a parede e conseguiu ler o que estava escrito:
"Tu eras o selo da medida, cheio de sabedoria e perfeito em formosura. Estiveste no Éden, jardim de Deus; de toda a pedra preciosa era a tua cobertura: sardônia, topázio, diamante, turquesa, ônix, jaspe, safira, carbúnculo, esmeralda e ouro; em ti se faziam os teus tambores e os teus pífaros; no dia em que foste criado foram preparados. Tu eras o querubim, ungido para cobrir, e te estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pedras afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniqüidade em ti. Na multiplicação do teu comércio encheram o teu interior de violência, e pecaste; por isso te lancei, profanado, do monte de Deus, e te fiz perecer, ó querubim cobridor, do meio das pedras afogueadas. Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; por terra te lancei, diante dos reis te pus, para que olhem para ti."
- O que significa? Tem a ver com soberba, né? - perguntou Garcia.
- Sim. É a Queda de satanás por causa que quis ser igual ou maior que Deus. Alguns dizem que esse texto pode ser aplicado também à Adão, que pelo orgulho quis o mesmo intento comendo o fruto proibido. Deve ser por isso que a sala está cheia de pó. Mas o que isso pode significar para uma outra passagem eu não sei.
- Daniel, tive uma ideia. Me ajuda a arrancar essa estátua.
- Mano, isso deve pesar uma tonelada.
- Cara, não é só você que pode ter ideia mirabolantes. Vem, me ajuda.
Após inúteis esforços de mover a estátua do lugar, Garcia viu na parede o quadro da foto pendurado.
Ele tirou o quadro, removeu a foto e viu que atrás da foto havia o rosto do senhor Francisco Gaspar.
- Putz grila! Que susto! Esse velho era louco. Tem um rosto atrás dessa foto.
- Isso! Garcia, você é um gênio.
- Ué, mas por que?
- Adão foi criado Imagem e Semelhança de Deus, certo? Quando ele pecou com orgulho rebelde, ele perdeu o que?
- A imagem de Deus?
- Na verdade a Semelhança moral foi corrompida. Por isso a estátua não tem rosto. O escultor aqui quis dar uma de Deus criando sua propria imagem e semelhança. E na foto do FILHO que essa Imagem pode ser resgatada. Cara, eu tenho que voltar pra igreja urgente!
- Que se ferre sua igreja. Eu só quero colar essa foto horrorosa na estátua pra ver o que acontece.
Após colarem, a foto grudou perfeitamente na cabeça da estátua. A luz se acendeu e o lugar começou a tremer. Na parede em que estava o quadro, ela começou a levantar e revelou atrás deles duas escadas. Uma que subia e outra que descia.
- Daniel, você filmou isso? Filma, caramba! Filma! A gente vai ficar rico nessa bagaça!
Eles se aproximaram das escadas. De repente sentiram um empurrão que os fez rolar escada a baixo até baterem numa porta de pedra:
- Meu Deus, Garcia! Quem empurrou a gente?
- Tá ok. Isso tá começando a ficar mais macabro do que eu pensei. Velho, olha pra cima!
Quando olharam, viram um pedaço do chapéu pontudo e as pequeninas mãos do duende de pedra se afastarem de onde foram lançados…
CONTINUA…