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ENCONTRO FINAL
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ENCONTRO FINAL
1982
Ele lembra bem o quão desesperado estava quando resolveu fazer uma troca justa como diria. Seus tempos de corretor não estavam nos melhores dias, sim estava falido, sua mulher o deixara e junto com isso veio as noites de bebedeira e uma enxurrada de problemas. Primeiro perdeu a casa, herança de família, depois seu meio de transporte, os amigos foram substituídos pelos perambulantes da madrugada nos becos e bares. Cada calçada da cidade era sua cama e cada viela seu caminho. Por fim viu-se no chamado fundo do poço.
Andando nas madrugadas escuras e desertas, era uma alma errante.
-Toma garotinha! - Jogou sua carteira que continha 6 moedas e seu relógio que devia valer mais uns 50.
A garotinha maltrapilha pegou com olhar assustado e saiu correndo.
Ele embriagado grita:
-Ei! Gaste bem esse dinheiro, pois eu não gastei. - E cai numa gargalhada de bêbado.
Se viu numa encruzilhada, foi lá que encontrou a paz.
-Está louco! Onde vai parar com tanta droga? - Disse calmamente um rapaz vindo do nada.
Olhou para o homem em pé ao seu lado, limpou o vômito e deu sua enésima fungada tentando se livrar do pó branco no nariz.
-Cai fora o otário.
O homem ri. E sai andando elegantemente com seu terno italiano, um penteado impecável, e em seu pulso um Rolex ao brilho da lua.
Jimmy endireitou a cabeça para verificar se realmente estava acordado. Difícil pois fazia tempo que não discernia realidade de sonho. A cocaína estava cozinhando seu cérebro.
-Espera aí – Algo naquele homem vindo do nada o chamou a atenção.
-Quem é você?
O sujeito fino ainda sorrindo diz ao maltrapilho e abandonado:
-Sou o otário lembra? Mas posso fazer você aproveitar melhor suas forças e tempo.
Jimmy não tinha nada a perder.
-Como?
-Basta você assinar um pacto comigo. - E o estranho lhe mostra um papel.
Jogou o papel ao vento e uma labareda logo surgiu do nada. Logo era uma fogueira diante de seus olhos.
-Que droga é essa?!
“Quae vis tibi erit” Proferiu palavras em uma língua estranha.
Jimmy fica hipnotizado pela fogueira que se forma.
-Basta aceitar e tudo que deseja terás!
E assim teve o primeiro contato com o mau.
Desde aquele dia sua vida começou a engrenar, tudo mudou bem depressa.
Comprou um carro, um barco e um helicóptero.
Comprou uma casa, uma casa de campo e na praia.
O dinheiro começou a brotar.
Tudo que fazia dava lucros absurdos.
Começou a enriquecer, suas roupas caras e seu olhar de magnata atraíram inúmeras mulheres.
Saíam todos os dias, esbanjavam nos melhores hotéis, restaurantes, bares, motéis, conheceu o mundo inteiro.
Seu novo amigo que se denominava “Agiel” sempre ao seu lado sorrindo, fez um alerta curioso:
-Aproveite bem meu amigo, mas um cuidado especial com as mulheres.
Mas tudo era motivo pra risadas e mais drinks, não aquelas bebidas de botequim mas as dos hotéis de luxo.
Numa noite especialmente escura de inverno Agiel falou mais abertamente.
“Você vai aproveitar com muita liberdade e ter tudo que quiser por 66 anos”
“Nossa bastante tempo pra aproveitar, eu fico satisfeito” Jimmy diz isso sorrindo.
-Mas como pode ter tanta certeza meu amigo?
Agiel olha dentro dos olhos de Jimmy e não precisa dizer nada.
Jimmy entra nos olhos dele e enxerga um mar de fogo, ranger de dentes, um lugar ermo e escuro onde gritos e lamentos não eram ouvidos. Algo parecido com o inferno das telas e dos contos.
Retirou o olhar não aguentando, o vômito veio em seguida.
Com uma gargalhada insana Agiel reage:
-Vejo que meu amigo não se acostumou ao Bourbon Francês.
Jimmy se recolheu ao quarto correndo, uma das garotas acompanhantes grita:
-O que foi meu amor?
-Eu vi, vi algo terrível que vai acontecer comigo.
Antes que ela posso dizer algo a porta se abre e Agiel invade o recinto.
-Não se iluda Jimmy! Acha que tudo que tem é de graça? - Uma voz poderosa e horrível toma conta do quarto.
-Quem é você? Me diz! É o demônio?
E Agiel dá outra gargalhada igualmente insana.
-Eu? Sou apenas um discípulo.
Nessa hora Jimmy desmaia.
TEMPOS ATUAIS
Jimmy prometera, agora teria que cumprir.
Será? Será que teria mesmo que entregar sua alma.
Nunca pensou que chegaria nessa situação, imaginou resolver logo a sua vida, mas agora estava entre a cruz e a espada, a hora marcada estava chegando. Meia noite era o prazo.
A entrega seria na viela escura atrás do mercadão, onde havia pouco movimento, ninguém perceberia um encontro sinistro, um corpo caído, e muito menos algum pedido de socorro. Um lugar bem apropriado.
O encontro estava próximo, como o tempo passara rápido, 66 anos, nossa!
Olhou no espelho, seu rosto igual quando tinha 30 anos, ou até melhor, seu charme intocável, seus cabelos igualmente negros e brilhantes, seus olhos de uma vivacidade incrível.
Ajeitou seu paletó, seu terno italiano, sua melhor roupa para o último dos encontros.
Viveu bons momentos em todos esses anos. Que pena que Ana sua mulher não resistiu a pressão de tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, como explicar tudo isso pra alguém? Estes últimos 6 anos com ela o fizera perceber que nem tudo era dinheiro ou orgias. Uma pessoa boa que atravessara seu caminho mas nunca ia entender o porquê da sua longevidade e o porquê do amigo Agiel. Ana desapareceu de sua vida assim como apareceu, sem dar explicações ou se despedir.
No caminho com sua Lamborghini prata pensou pela primeira vez em faltar ao seu destino.
Deu meia volta, acelerou e procurou sair o mais rápido dali.
Faltavam 20 minutos para o prazo final.
Acelerou mais e mais. As luzes da cidade passam como relâmpago pela janela do carro, estava muito rápido.
Não lembra que passou no vermelho e acabou com o carro e seu rosto no poste. Queria apenas fugir dali.
1982
Acorda assustado.
-O que houve? Onde estou?
Uma voz doce dela é como uma sinfonia para acalmar sua angústia.
-Tudo bem meu amor, você está a salvo em casa.- Diz a prostituta de luxo.
Seu olhar azul infinito e cabelos claros como a neve emolduram aquele rosto perfeito.
-Onde está Agiel? Preciso vê-lo. - Levantou-se ajeitando sua roupa de grife.
Ela prontamente intervém, com ar de sarcasmo:
-Seu amigo fiel deixou um recado para você. - E mostra o envelope em cima do criado-mudo.
“Encontre-me no saguão do hotel Le Prisme em 30 minutos”
Jimmy chega apressado ao Hotel que inúmeras vezes frequentara e de longe vê seu amigo.
-Caro Jimmy! - O amigo é sempre sorrisos
-Me diga Agiel, o que quis dizer com tudo aquilo? As visões e nada ser de graça?
-Calma meu amigo, vamos tomar um Vinho!
Entre um gole e outro a sua cina se revela:
“De sessenta e seis em sessenta e seis anos o mau se revela e escolhe alguém para satisfazer suas vontades e delícias mundanas. Essa é uma tentativa de provar a fraqueza humana para alguns, mas é uma batalha de demônios, muitos estão na disputa por almas e quem vencer ganha um posto ao lado do Mestre Maior. Para mim, apenas um ato de bondade. E você foi o sortudo escolhido, então aproveite!”
-E se eu me recusar a entregar minha alma após esse tempo? - Pergunta um irrequieto Jimmy.
Agiel toma o resto de sua bebida, se levanta, arruma seu chapéu panamá e diz:
“Apenas se encontrar o amor verdadeiro em seu coração e não matar esse amor”
-Esta pode ser uma opção sua, mas vai preferir a primeira.
-Como assim?
O homem sinistro vira as costas e se retira calmamente cumprimentando cordialmente uma senhorita que passa.
Jimmy fica ali inerte absorto em montanhas de dúvidas e medos.
Mas no fundo ele queria mesmo era aproveitar sua vida de luxo.
TEMPOS ATUAIS
-Acorda rapaz! Acorda!
Um olho, depois o outro, aos poucos Jimmy vai se mexendo atrás do volante retorcido do carro de luxo. “Caramba, quebrei a perna, eu acho”
Olha ao seu lado, uma mulher, seria um sonho?
-Você sofreu um acidente, já chamei a ambulância! - Diz a voz doce.
Jimmy tenta falar mas só balbucia algo:
-Não! Eu não quero ir ao encontro, Não! Sai de perto de mim!
A Mulher arregala o olho e tenta segurá-lo.
-Eu sei que você é o mau vindo me buscar, sabia que eu não iria ao encontro, sai de perto de mim mulher! - E sai correndo, meio cambaleante, a dor terrível na perna torcida.
-Calma, calma, vou te ajudar, você precisa de ajuda para ir ao encontro.
-Eu sei o que você quer Agiel, minha alma! - E grita para a rua escura.
Cai no asfalto.
Novamente é acordado e está numa cama limpa e cheirosa não sabe aonde.
Olha ao redor, sente o corpo a doer, mas vê que não quebrara nada, ufa!
Tenta se levantar, mas tudo roda, novamente desfalece.
Acorda com alguém ao seu lado.
-Ana! Ana é você?
A visão vai desembaçando aos poucos.
-Ana que bom que voltou…
A mulher ao seu lado afaga seus cabelos, limpa seu suor, e troca sua faixa na perna, tanto carinho em uma cena.
-Está seguro agora Jimmy. Quem é Ana?
-Minha adorada Ana, preciso tanto de você agora. O que eu faço?
Jimmy olha incrédulo para a mulher, como ela surgira do nada, como conseguiu trazê-lo para sua casa, e como sabia do encontro.
A mulher que aparenta uns 60 anos, cabelos tingidos, roupas folgadas e argolas pelo corpo tenta consolar o paciente:
-Onde está Ana? Se quiser te levo até ela.
-Me deixe ir por favor, não preciso nada seu.
-Ana, minha esposa, consegue isso? - Por um momento Jimmy se esquece do seu pacto.
-É o que mais quero, sabe onde ela está?
A cigana com olhar firme responde:
-Sim sei.
E nesse momento o relógio apita marcando meia noite.
Confiando na mulher e cego para reencontrar a única mulher que amara, Jimmy não pensa duas vezes e a segue rumo as ruas desertas.
-Para onde estamos indo?
-Você não quer encontrar sua amada, então tem que confiar em mim.
-Como posso confiar em você? Acabei de conhecê-la. Como sabe do meu encontro?
A mulher não responde nada apenas anda à frente o puxando pelo braço, este bem solícito, sua perna o impede de não obedecer.
Chegam em uma viela bem escura parecida com a do Mercado. Ao longe via-se uma mulher aparentemente de rua, roupas gastas, cabelos desgrenhados, magérrima. Não dava pra distinguir a feição. Mas A Cigana o puxa pelo braço.
-Não é por aí, siga-me vamos, estamos perto.
Jimmy força o olhar e não tem dúvidas.
-Ana! Ana é você!
A maltrapilha por um momento olha em sua direção, mas logo ele perde o campo de visão, pois está sendo puxado pela mulher velha, que por sinal tem muita força.
-Vamos sair daqui. O Caminho não é por aí. - Diz ela.
A Cigana tira um papel do bolso apontando para ele.
Jimmy se rebate, se sacode, fica parado tentando não ir, pois tinha certeza que vira a amada. Entra em luta corporal com a Senhora Cigana, força tanto seu braço que rasga a manga do terno e sai correndo como pode, coxo que está de uma perna.
-Sai da minha frente velha, não quero ver esse papel.
Vira a esquina correndo gritando:
-Ana, Ana meu amor, me desculpe.
A mulher de rua sem entender nada a princípio recua um pouco, mas depois fica estática.
Aquele homem desesperado abraça a magrela moradora com toda sua força e percebe que ela também o reconhecera.
-Jim… - Ela diz com voz fraca.
A Cigana tenta alcançá-lo mas ele pega Ana pelos braços e praticamente a arrasta pelos becos.
-Seu caminho não é esse, seu encontro é outro! - Grita para ele.
-Me deixe em paz Agiel e seus demônios, me deixem em paz!
Com muito sufoco consegue despistar a Cigana.
Jimmy para embaixo de um viaduto não sabe onde. Abraça Ana e diz:
-Enfim meu amor. Vamos viver nossa vida.
A mulher com olhar distante olha por cima de seus ombros e no reflexo de seu olho Jimmy percebe uma presença.
Agiel está bem a frente no lugar onde parece ser “o atrás do Mercado”, de alguma forma eles teriam ido parar lá.
Jimmy se colocando entre Ana e o demônio invoca Deus.
-Saia daqui Agiel, nosso pacto terminou, eu reencontrei meu amor, meu amor verdadeiro lembra?
Agiel dá sua melhor risada.
Nesse momento surge a Cigana gritando:
-Deixe-o ir Agiel.
Agiel responde gritando:
-Saia daqui você arcanjo idiota, ou prefere que a chame de garotinha maltrapilha.
Neste mesmo instante Jimmy reconhece a Cigana sendo a garotinha que ajudara 60 anos atrás, lhe veio na memória como um flash.
-Ele assinou um pacto agora alma dele é minha.
Jimmy se intromete gritando:
-Engano seu Agiel, eu agora estou livre desse pacto, encontrei meu amor verdadeiro. Ana! Minha amada.
Agiel novamente ri e fala num tom de superioridade:
-Ana? Que Ana? Essa?
E o papel que outrora estava na mão da Cigana voa e vai em direção à Jimmy.
Um terror toma conta de sua alma quando vê diante de seus olhos o atestado de óbito de Ana, sua esposa. Motivo da morte, suicídio.
-Pois é meu amigo, ela não aguentou a pressão e cortou os pulsos, ou seja, você acabou com o amor de alguém o que anula sua salvação.
Jimmy horrorizado olha para trás.
Quase sem forças ainda consegue falar algo:
-Se Ana está morta então quem é…
A mulher atrás dele que até então estava quieta começa num grunhido:
“Quae vis tibi erit”
Depois aumenta a voz e abre uma boca enorme mostrando dentes e seu olhar antes doce se transforma num olhar monstruoso, seu corpo dobra de tamanho, surgem patas e presas, um suor pútrido e um calor horrendo ao redor.
-Lhe apresento Meu Mestre! - Reverencia Agiel. - Diabo, Demônio ou Lúcifer como preferir.
Todos os medos de Jimmy se tornam realidade e ele é engolido por aquele olhar e sua alma se é absorvida pela aquela imensidão negra e agoniante que se forma a sua frente.
O Arcanjo chora ao perceber que perdera uma alma.
FIM
TEMA: Romance Proibido
Total de Palavras: 2366 palavras