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O DTRL te deseja uma excelente leitura, mas...
O ÚLTIMO CASO
"Nunca imaginei que isso poderia terminar assim! Engraçado como algumas coisas começam, e assustador como elas acabam!”.
Meu nome é Heitor Augusto e tenho 35 anos. Na minha carreira de investigador policial já vi muita coisa estranha: gente com uma mente muito distorcida, as mais maquiavélicas das motivações e os mais cruéis crimes. Mas, esse meu último trabalho me despertou para algo que eu sempre ignorei.
= O CHAMADO =
Tudo começou com um telefonema da família Lutz. Eles criavam gado de corte e leiteiro na Vila Mariana. Segundo a versão de Hans Lutz, o responsável pela fazenda, um belo dia, enquanto ele ia fazer o manejo do gado, encontrou várias reses mortas. Ainda segundo seu relato, não havia outra marca senão dois pequenos orifícios próximos à jugular. Quando foi chamar ajuda, o senhor Agenor, da fazenda mais próxima, constatou que os animais estavam aparentemente sem sangue algum.
Eles chamaram a polícia, pois estavam com medo que fosse algo sobrenatural, uma vez que as pessoas contavam histórias sobre o chupa-cabras.
Como eu estava de plantão naquele dia, saímos tão logo conseguimos reunir a equipe. Afinal, seriam pelo menos duas horas de carro até chegar em Vila Mariana. Infelizmente, devido as péssimas condições da estrada de piçarra, só conseguimos chegar ao local no fim da tarde.
Fomos bem recebidos pela típica família descendente de alemães. O senhor Hanz, já era um coroa enxuto, com o falar objetivo e direto, de pele alva já bastante castigada pelo sol, tinha um olhar penetrante, mas que, naquele momento, não conseguia esconde a sua preocupação. Dona Frida, uns cinco anos mais nova que ele, com um pano vermelho bordado que cobria seus cabelos escuros, tinha belos olhos verdes, uma voz suave e atenciosa. Contudo, ela estava bem mais abalada emocionalmente que seu marido. Klaus, filho do casal, já estava com a pele já cheia de sardas, deveria ter uns vinte anos, tinha um jeito calado, desconfiado.
Enquanto nossa equipe ia se familiarizando ao lugar, o Sr, Agenor chegou. Moreno, baixinho e prestativo, veio assim que soube da nossa vinda.
= AS EVIDÊNCIAS =
Os senhores Agenor e Lutz nos levaram para o local do estranho evento. O campo era amplo, sem muitas árvores. Os animais já estavam começando a ficar inchados. Eles estavam longe da cerca, espalhados entre si, o que, aparentemente, excluiria uma morte por descarga elétrica. Pode parecer besteira, mais alguns criadores menos experientes sofrem perdas consideráveis na época chuvosa por causa dos benditos raios. Mas esse definitivamente não era o caso deles.
– Vejam! Só tem esses dois furinhos. Nesse daqui, que eu já abri, não dá para ver o sangue! O que o senhor acha que foi? – mostrou Sr. Agenor.
– Vamos com calma, essas são só as primeiras impressões – respondi – o óbvio só é percebido pelos olhos bem treinados!
Peguei o canivete, pedi ajuda para virarem o animal e o espetei. O sangue já estava coagulado. Não raro as pessoas confundem esse fenômeno post mortem com o fato de a vítima aparentemente ter o sangue removido.
– Vocês ouviram algum uivo ou algo do tipo?
– Nada, só os cachorros mesmo, mas isso foi antes de anoitecer por completo. – respondeu Sr. Lutz.
– Há relatos de felinos por aqui? Onça ou outro predador semelhante?
– Ah, tem sim! Volta e meia uma onça desgraçada dessas dá um prejuízo na gente! – disse o Sr. Lutz, enquanto Sr. Agenor confirmava com a cabeça e cuspiu ao solo.
Achei melhor não comentar, mas alguns dos animais possuíam um sinal estranho: a língua deles estava salpicada por algo negro. Até onde sei isso não é um sinal pós-morte típico. Talvez fosse alguma doença ou algo semelhante. Cheguei a perguntar por alto se os animais estavam vacinados, mas Sr. Lutz respondeu com tanta indignação e convicção que com certeza esses animais estavam com a vacinação em dia.
Tirei as fotográficas de praxe, coletei as amostras e fomos levantar mais algumas informações nos limites da fazenda.
Em pouco mais de meia hora de inspeção, encontrei uma pegada de onça, e uma amostra de tecido presa em um arame farpado próximo dali. Mostrei para eles e comentei:
– Acho que o chupa-cabra de vocês tem nome e sobrenome: Puma concolor, a boa e velha onça parda!
– Menos mal. Mas ela conseguiria matar assim vinte cabeças de gado num noite só? – perguntou Sr. Lutz, ainda cético.
– Talvez seja um pequeno grupo. Mas ainda sim é melhor saber que é uma onça em vez de algo sobrenatural.
Concordamos e seguimos para a casa principal. Para garantir, pedi para os auxiliares instalarem algumas armadilhas fotográficas próximas de onde encontrei as marcas e próximo aos estábulos, onde os animais estavam agora confinados.
= TESTEMUNHAS =
Embora estivesse saboreando uma deliciosa torta de queijo com salsinha branca e Sauerkraut, não pude deixar de notar que a Dona Frida trocava sussurros com seu filho, Klaus.
Levantei-me e fui em direção à cozinha. Agenor, Lutz e os demais assistentes estavam em campo posicionando as câmeras:
– Olá, muito obrigado pelo lanche! Estava delicioso!
Os dois deram um pulo e se afastaram abruptamente como se estivessem fazendo algo proibido.
– Há algo que eu deveria saber? Ou algo que vocês queiram me contar? – falei enquanto me aproximava deles.
Dona Frida olhava fixamente para seu filho, que tentava disfarça um “não” que fazia com a cabeça.
– Detetive, preciso falar algo mas não sei se o senhor vai acreditar... – disse Dona Frida baixinho e desviando o olhar para o chão.
– Sou todo ouvidos!
– Um pouco antes disso acontecer, vi um ser monstruoso, enorme, sem pelos, magros e com a pele com aparência queimada, cheia de caroços, seus olhos brilhavam – fez uma pausa, tomando coragem para continuar – na hora, fechei os olhos e rezei, pois pensava que era o próprio Diabo! Logo depois aquilo sumiu.
Tentei esconder o sorriso, me virei para Klaus e perguntei:
– E você, tem algo que queira me falar?
Ele titubeou um pouco, sua mãe tocou o seu ombro, encorajando-o a se expressar, ao que ele finalmente disse:
– Eu também vi algo estranho – calou por um instante, engoliu a seco e prosseguiu – diversas luzes laranja avermelhadas surgiram no céu. Vários objetos cilíndricos e outros em forma de prato saíam dele. Vi um pouco antes de ir dormir.
– Você usa alguma droga ilícita?
A mãe dele cobriu a boca e arregalou ou olhos.
Após uma pausa, ele respondeu: – Si-Sim... estou aqui para tentar ficar limpo. Como o senhor sabe?!
– Você ainda cheira à maconha! Mais quais você usava?
– Maconha, na maioria das vezes, cocaína quando alguém pagava e LSD nas festas – respondeu envergonhado, tão baixo que mal dava para ouvir a sua voz.
Dona Frida, desabou na cadeira e começou a chorar, cobrindo o rosto com as mãos.
– Uma última pergunta: A senhora sabia?
– Sim... – sua voz estava embargada pelo choro – por isso eu o trouxe para ficar aqui!
– Ok. Esse não é o caso de prender ele. Nosso foco aqui é outro. O que a senhora viu era a perda do pelo por causa de sarna sarcóptica, provocada por ácaros, uma doença relativamente comum e capaz de deixar os animais com o aspecto monstruoso – fiz uma pausa, me virei para Klaus e continuei.
– No caso do LSD, uso habitual dessa substância pode causar um fenômeno chamado de flashback. Nesses episódios, a pessoa desenvolve todos os sintomas mentais da droga, como se a tivesse consumido, porém, sem usá-la.
Klaus e Dona Frida estavam abraços, chorando baixinho.
– Não se preocupem. Vamos pernoitar aqui. As armadilhas fotográficas vão verificar se foi uma onça ou um cachorro do mato com sarna sarcóptica severa, sairemos daqui com o caso resolvido e tudo voltará ao normal. Dei um tapinha nas costas de Klaus e segui para a sala, para ficar monitorando as instalações e as imagens capturadas.
= O ATAQUE =
Enquanto esperava a equipe voltar, achei estranho a fato de estarem demorando tanto. Já estava de noite, eles riam espantar os animais e não seria possível registrar as imagens. Tentei contato pelo celular, pelo rádio, mas só havia chiados e ruído incompreensíveis.
O telefone fixo da casa recebeu uma ligação, dando um susto em Dona Frida, que atendeu prontamente, ainda enxugando os olhos.
– Alô? Lucineide, calma mulher!? Cuidado com as luzes?! Fala devagar, não estou entendendo nada!
– Alô!? Alô!?
Após ter constatado que a ligação tinha sido interrompida, ela achou estranho o tom de desespero de sua melhor amiga, esposa de Sr. Agenor, e da mensagem sem sentido “Cuidado com as luzes”.
Ao passo que ainda estávamos tentando entende a situação, Sr. Agenor abre bruscamente a porta, fechando-a logo seguida e correndo para a cozinha, gritando:
– Eles pegaram todos, meu Deus! Precisamos nos esconder! Eles estão vindo!
Mal ele acabara de proferir essas palavras, a casa mergulhou num escuro profundo. As trevas logo deram lugar para luzes e flashes vermelhos, que pareciam cercar o sobrado de madeira.
Klaus, que estava perto da janela esperado seu pai chegar, ficou hipnotizado pelas luzes que adentravam a casa pelas janelas. Tive que puxá-lo para dentro. Tentei reunir todos para o centro da sala, o mais longe possível das janelas.
Repentinamente, senti o teto vibrar. Instantes depois, pude ouvir passos rápidos se deslocarem nos cômodos imediatamente acima. Saquei a arma e fiquei aguardando.
– Eles são muito rápidos, não vai dar tempo! Assim que você os ver, tem que atirar, senão eles te pegam também, que nem fizeram com o Lutz e os outros policiais!
Aquela confusão de luzes, sons, gritos e choros de desespero dificultavam muito o raciocínio. Tinha que pensar numa forma de ou tirar todos dali ou de se esconder da melhor forma possível.
Os sons seguiam rumo à escada rapidamente. Pude ver alguns vultos já no lado de fora da casa, pela janela. Eles eram muito rápidos! Não dava sequer para saber se eram bípedes ou quadrúpedes!
Apontei minha pistola pra cima, de onde vinham os sons e comecei a atirar. Quem sabe aquilo iria assustá-los, ou quem sabe até mesmo feri-los?
Os sons dos tiros eram seguidos de estranhos grunhidos. Contudo, os projéteis acabavam perfurando todo o caminho até o telhado, fazendo com que fachos de luz semelhantes a lasers alcançassem o interior da casa.
Um dos furos fez com que Dona Frida fosse iluminada por um desses feixes. Pude ver que aquilo a sugava para cima, fazendo-a pairar em direção ao teto. Percebi também que, aparentemente, seu sangue era retirado por meio daquela estranha luz.
Não tive outra escolha senão puxá-la, empurrá-la para fora do alcance daquele raio macabro. Dei um pulo e a joguei longe. Finalmente consegui salvar alguém aquela noite! Apesar disso, quem estava agora sob o efeito do raio era eu, que sentia meu fluido vital se esvair por aquele estranho canudinho. Enquanto minha pressão baixava, pensei: “Nunca imaginei que isso poderia terminar assim! Engraçado como algumas coisas começam, e assustador como elas acabam!”
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